Estreito os olhos enquanto piso em frente ao muro da vergonha.
Meu reflexo surge no vidro transparente : o rosto triangular simétrico e bonito, contornado por cabelo comprido e ondulado cor castanho claro. Meus olhos são verdes e estão bem maquiados. Com o dedo mindinho, acerto o contorno do batom vermelho na minha boca, gesto que não consigo evitar. Sou vaidosa, preciso sempre checar a minha imagem em qualquer reflexo, mesmo segundos antes de olhar para a folha branca presa por tachinhas douradas no feltro verde-escuro do quadro de avisos ao lado da classe, expondo minhas notas.
Oh. Meu.Deus. Isso não pode estar acontecendo. Uma pedra chamada "estou encrencada" desce pela minha garganta. Engulo em seco com dor. Minhas notas estão horríveis. Não que seja novidade, afinal, não pertenço ao tipo que abdica da vida social por tardes de estudo no quarto ou na biblioteca, mas esperava que todo o esforço dos últimos dias tivesse servindo para modificar meu cruel destino.
—Oh -oh.-Valéria agarra meu braço com força e finca as unhas compridas na minha pele. Ela está com os olhos escuros e bem abertos e a boca em um perfeito círculo de surpresa nada agradável. - Você está ferrada - sentencia.
Valéria apenas olha alternadamente do quadro de notas para mim , diversas vezes, ligando o nome que está no papel à pessoa que realmente tem as piores notas da classe.
—Eu sei, eu sei!- choramingo e faço bico.- Não acredito que o professor de história não me deu uma boa nota mesmo eu entregando o trabalho!
— Era um trabalho sobre a ONU e você escreveu sobre a Tomada da Bastilha- Valéria lança com seguro, a sobrancelha direita um pouco erguida como se não pudesse acreditar em como eu fui burra.
—Pesquisei na Internet sobre a Declaração dos Direitos Humanos e foi isso que apareceu na Wikipedia! - Bato os ombros e coloco as duas mãos na cintura.
—Esse tipo de atitude vai colocar você no colégio público - Valéria me condena, balançando a cabeça de um lado para o outro, chacoalhando os cabelos compridos e castanhos-escuro , que ela alisou com progressiva e ficou bárbaro.
Um frio atravessa minha espinha e gela os pelos da minha nuca. O castigo. Valéria tinha que me lembrar desse castigo! Bufo, enchendo as bochechas de ar. Não é justo que meus pais tenham me ameaçado dessa forma. É cruel e desnecessário. Já não basta terem tirado minha mesada e dificultado ao máximo minha sobrevivência?
Meus pais se uniram contra mim. Acham que minhas notas estão horríveis e que eu não me esforço o suficiente para passar de ano, e isso, é verdade. Mas caramba! Eles são "pais", e uma das coisas que os pais devem fazer aos seus filhos é pagar-lhes os estudos. Não importa se o colégio é caro e o filho não estuda, pois enviá-lo para uma escola pública não vai melhorar a educação para início de conversa! Não que eu me importe com o tipo de educação, eu receio mesmo é ser desmoralizada publicamente.
E acredite, ir para o colégio público e pedir para ser desmoralizada. Eu Maria Joaquina Medsen, a mais provável candidata a se tornar rainha do Baile de Primavera, prestes a virar uma simples plebéia, porque meus pais decidiram que, caso eu não passe o semestre, serei enviada para uma escola pública.
Colégio público? Nem pensar. Preciso dar um jeito de passar de ano. Colar na prova não deu muito certo, como tentei na aula de matemática. A professora viu e me colocou para fora, com um belo zero. Vou precisar tirar dez se quiser passar. É o fim do mundo, estou te dizendo! Eu não sou o tipo de garota que tira dez em matemática!
—Aí , meu Deus, estou ferrada.- Mordo a unha, mas me interrompe antes que destrua meu esmalte Chanel 519.
—Preciso de um milagre, Valéria!
— Vocês vão ficar aí para sempre? - Uma voz nos interrompe