Sou muito humanas pra você, sou muitas linguagens pra pouca língua, sou muitas teorias contraditórias, sou muitos textos filosóficos, sou muitos gráficos que precisam ser minuciosamente observados, sou muita poesia pra ser sentida. Sou um erro tão fácil. Meu pensamento é alto, minhas indagações são tão tuas, meu coração é um pedaço para o mal caminho. Sou as estrelas de Bilac, sou a juventude de Gregório, sou a Beatriz de Dante, sou o amor como Clarice. Sou uma célula morta, sou línguas remotas que não precisam de tradução. Sou muitos dados empilhados, sou tantas datas que você nunca adivinhará minha idade. Sou perigosa como Cleópatra, sou o sol para os Maias, sou a lua no teu céu.

Não sou química, sou a própria matéria prima. Não sou reações, sou a própria revolução. Não sou vento, sou a terra em suas mais profundas camadas. Não sou exata, não sou preto no branco, não sou oito ou oitenta. Não sou uma incógnita que precisa ser encontrada, sou um mistério que precisa ser interpretado. Não sou leis que precisam ser estudadas, no meu mundo tudo é livre, e você pode ser também.

Sou muito diálogo pra pouco parágrafo, sou muitas orações, em cada esquina tem uma preposição. Sou tantas oralidades, sou um mar informativo, amo seu lado discursivo. Sou tantas vírgulas, que você acaba ficando irritado, sou abreviações, uso frases pequenas, poupo seu fôlego, e aí podemos ir tão, tão longe. Sou todos os porquês em um só, sou todos os advérbios que você quiser, sou o mais belo dos adjetivos. Não me importo se você não gostar, podemos nos encontrar em um paradoxo por aí. Sou ótima com eufemismo, nunca te deixarei envergonhado, sou aquela hipérbole que traz a graça, e nunca deslizarei no pleonasmo. Sou a redundância mais mágica. Sou aquela, moço, que não tem ponto final.

Sou o sol que nasce no Leste, não precisamos de relógios, fazemos nossos fusos enrolados no edredom. Sou aquele relevo que traz medo, sou aquele bioma que te fascina. Sou um ácido que não corroí, sou uma temperatura que nunca aumenta, faço minha própria agitação de acordo com o seu sorriso. Sou o aquecimento do seu mundo, sou a chuva da sua rua. Sou uma miscigenação sem fim, sou todas as vertentes, sou tudo que você quiser. 

Sou o fogo que queima a sua alma, sou os sintomas mais claros da sua doença. Sou a arte em seu mais lindo espaço, sou todas as formas, sou todas as curvas da sua rodovia, sou todas as cores do seu arco-íris, sou toda a glória da sua imaginação, sou tudo aquilo que eles falaram que eu não seria. Sou toda fé e redenção.

Sou a multidão, sou a aglomeração. Sou o sorriso de cada bar, sou cada música que toca no alto-falante. Sou todo o álcool que é sorvido, sou toda a felicidade que estará na conta. Sou a bagunça de cada andar, sou a diversão de cada olhar. Sou o desejo das suas mãos, sou o medo bom, sou o frio na barriga, sou a sensação de bem-estar suprema. Sou a intensidade do que eles dizem ser moléculas. Sou a própria moleca, dançando em suas pernas, bebendo todo o amor da sua boca. Sou a sua fantasia, sou sua assombração, sou sua divindade mais sagrada.

Sou toda livre, amor. Sou a sua rima mais difícil, sou a sua pose mais espontânea. Sou toda amores, amor. Sou toda livre de amaras, sou toda livre de preconceitos. Sou a sua propagação mais longa, não me deixe virar uma perturbação. Sou toda colorida, amor. Sou seu jogo mais difícil, sou seus sonhos mais doces. Pra amar não é preciso controlar. E sou tudo aquilo que eu queria ser.

Sou muito humanas pra você, sou feita de números que você nunca conseguirá ler.