Emma estava deitada sobre a maca do hospital, aproveitando seus últimos suspiros. A morte estava próxima, disso todos tinham certeza. Ela olhava com piedade para seus filhos, Amy, Melanie e Henry. Melanie e Amy eram gêmeas, mas não idênticas. Emma estava com 89 anos. Sofria de Mal de Alzheimer, a doença já estava grave. Ela não se alimentava e estava com inúmeras bactérias em seu corpo. Não reconhecia os próprios filhos e nem seu nome. Mas de uma coisa tinha certeza: Havia aproveitado muito bem esses 89 anos. Desde o começo da doença, 3 anos atrás, ela começou a escrever tudo em um diário. Sua rotina, o nome das principais coisas, sua amada. Não que desde mais nova ela já não tinha o seu diário como melhor amigo, ela só começou a dar mais atenção a ele.

Nunca sabemos o dia de amanhã. Deveríamos viver o hoje de uma forma bonita e com muita intensidade.

— Quem são vocês, o que fazem aqui? – ela pergunta ofegante, devido aos aparelhos respiratórios, aos seus filhos.

Cansados de repetir que eram seus filhos, eles apenas falavam qualquer asneira para a mãe. Sempre a tratavam como lixo. Pois não é assim que filhos tratam as mães? A mulher que cuida de você sua vida toda, te carrega, te amamenta, te ensina a viver, é tratada como lixo. Filhos não dão valor aos pais. Não mesmo. Mas agora, arrependidos de tudo, começaram a trata-la bem. Quando estamos prestes a perder, damos valor.

— Mãe, trouxemos seu diário. A senhora sempre falava que desejava tê-lo em mãos em seus últimos suspiros. – Mel se pronuncia.

— O que é um diário?

Como explicar o que era um diário? Melanie apenas a ignora e continua.

—Leremos para você. Mas antes, queremos nos desculpar por tudo, eu sei que a senhora não irá intender o que estamos dizendo, mas te amamos muito, mamãe. Sentimos muito por tudo. De verdade.

Ela começa a leitura e Emma fixa os olhos nela.

            ‘’ Querido diário. Segunda-feira.

      Hoje é meu primeiro dia de aula na faculdade. 22 anos já! Cursarei medicina, quero ser uma cardiologista de sucesso! Bom, me deseje sorte.

                                                                                             Com carinho, de sua escritora, Emma.’’

Aquela era quando Emma era jovem, sem filhos, sem preocupação. Mel termina a leitura da primeira página com lágrimas nos olhos. Emma estava com um sorriso no rosto, mesmo sem ter capacidade de entender nada.

‘’ Querido diário.

Você não vai acreditar! Hoje eu conheci uma garota muito linda, chamada Regina. Seus cabelos são negros, olhos castanhos, boca carnuda...Oh! Ela é perfeita. Hoje nós conversamos um pouco. Me deseje sorte, amanhã planejo a convidar para um encontro. Eu sei que parece tudo meio rápido... Mas eu realmente gostei dela, e das poucas palavras que trocamos.’’

— Foi assim que você conheceu nossa falecida mamãe. – todos ali choravam, quero dizer, quase todos. – Foi tão ruim o período da morte dela... Sofremos tanto. Não quero nem lembrar...

— Verdade, espero que mamãe esteja feliz, onde for que ela estiver...- Henry se pronuncia pela primeira vez. Melanie continua a leitura.

‘’ Querido diário. Terça-feira.

Eu consegui!! Sim, eu consegui! Ebaaaaaa! Ela aceitou sair comigo... Irá ser ótimo! Planejei tudo. Iremos no cinema assistir um filme que estreou nessa semana. Isso já é um começo. Estou muito ansiosa para sábado. ‘’

Eles derem um leve riso ao ler a empolgação da mãe. Naquela época, Emma mal sabia que elas iriam construir um futuro juntas.

‘’   Querido diário. Sábado.

Nem tenho palavras para descrever hoje. Foi perfeito. Assistimos o filme abraçadas... E rolou beijo! Sim! Nos beijamos! Eu estou tãããão feliz. Acho que estou apaixonada... Não pode ser. Oh, meu Deus. Eu estou apaixonada por Regina.’’

Foi amor à primeira vista.

‘’ Querido diário. Sexta-feira.

Me desculpe pelo sumiço, é que realmente não havia nada de interessante ocorrendo na minha vida, tirando Regina. Eu a pedi em namoro! Hoje. Eu quase desmaiei de medo. Medo de receber um fora. Medo de tudo. Mas foi tudo tão intenso, com um sorriso no rosto, ela pulou nos meus colos e disse sorridente ‘’ eu aceito!’’. Nos beijamos. Foi tão bom. As coisas ficaram mais quentes, e, bom, eu acho que você já sabe o que aconteceu. Eu fui dela e ela foi minha.’’

— Nossa, mamãe, que safada! – eles riram. Emma chorava. Lágrimas escorriam de seu rosto. Ela não se lembrava, mas, algo dentro de si, ainda estava aceso, era como uma chama. Ela sentia algo.

‘’ Querido diário. Domingo.

Sim, eu sei. Desapareci por 1 ano! Tantas coisas aconteceram... Mas agora só importa uma: estou prestes a me casar com Regina. Será daqui alguns minutos que eu subirei no altar e me serei oficialmente a mulher mais feliz do mundo. Oh, como eu a amo. É tudo tão intenso. Tão natural. Eu a amo. Amo muito. Eu não poderia deixar de compartilhar esse momento com você, querido diário. Você quem sempre me ajudou, aguentou meus desabafos. E cá estou, me casando! Até mais, agora irei me casar com Regina Mills... Swan.’’

— Vocês sempre foram tão lindas... Tão apaixonadas. É algo difícil de se ver nos dias de hoje, um amor verdadeiro. – Amy fala, sorrindo em meio de lágrimas. Melanie continua a ler em voz alta.

‘’ Querido diário. Segunda-feira.

Ontem fora o dia mais feliz da minha vida. Eu me casei com a mulher dos meus sonhos. Tem coisa melhor?

Me mudei para a casa dela e está sendo tudo tão perfeito. Só há uma coisa que me preocupa: Regina fala sobre ter filhos. Eu não sei se serei uma boa mãe! Mal sei cuidar de mim mesmo. O que você acha?’’

— Você era uma ótima mãe, sempre disposta a tudo, ajudava seus filhos, era perfeito. Parabéns. – Henry fala, emocionado.

‘’ Querido Diário. Quarta-feira.

Se passaram 2 anos desde minha última fala aqui. Não me culpe. Eu precisava vir desabafar aqui. Eu e Regina concordamos em ter um filho. Ela estava grávida de 8 meses, até que ela começou a gritar, dizendo que estava sangrando. Corri com ela até o hospital mas estou muito preocupada, até agora ela não saiu da cirurgia. Eu não sei o que seria de mim se Gina morresse. Ela é o meu ponto seguro. Não vejo uma vida sem ela. Aliás, se os bebes morressem, seria meu fim. Meu mundo estaria acabado. A vida maravilhosa que lutei tanto para conseguir, estaria arruinada. Espere aí, o médico está me chamando, parece que tem novidades sobre Regina.’’

— Mãe, você sofreu muito com tudo isso... Agora te entendemos... – Amy se pronuncia.

‘’ Querido diário. Quinta-feira.

Tudo ocorreu bem. Regina ainda está internada esperando receber alta, mas o bebe está saudável. É um menino lindo. Colocaremos o nome de Henry. Estávamos em duvida de Alex ou Henry, mas decidimos que Henry era melhor. Eu nem acredito que vou ser mãe. Limpar fraldas... Será que conseguirei? Oh, meu Deus.’’

Anos depois elas decidiram ter mais filhos, mas dessa vez Emma que engravidara.

— Alex não combinaria comigo não. – Henry debocha. Emma estava calada todo esse tempo.

‘’ Querido diário. Sexta-feira.

Estou com 86 anos, está bem difícil de escrever aqui. A minha vida está perfeita... Exceto por um probleminha que não conte para ninguém: estou esquecendo as coisas. Eu sei, é a velhice. Mas tenho medo de ser algo mais grave, não contei nada para Regina, não quero ocupá-la com meus problemas de velha sem nada melhor para fazer, como dizem meus filhos.

Tenho a sensação de não estar nem cá nem lá, como um personagem numa terra bizarra. Isso é estranho. Espero melhorar.’’

— Esses sintomas foram o início. Por que não contou para nós? Podíamos ajuda-la. – Melanie fala, como se estivesse dando uma bronca. O engraçado era que, agora ela se preocupava. Eles se preocupavam.

‘’ Querido diário. Domingo.

Cada dia que passa, as coisas ficam mais estranhas. Às vezes eu não sei onde estou. Não lembro o que comi no café da manhã. Isso tudo é caduquice? É horrível, parece um pesadelo, as memorias são algo tão importante e cruel ao mesmo tempo, mas eu não quero esquece-las. Eu não quero... Fico apavorada ao pensar no que ando esquecendo sem sequer perceber...’’

Eles choravam.

‘’ Querido diário. Segunda-feira.

Se passaram 1 ano desde a minha u... Como era a palavra mesmo? De...cupem, não lembro. As coisas só p...oratm. Não lebro das palavras, da forma que são escritas. Somente sei que sou uma pessoa vivendo no estágio inicial de Alzheimer. E assim sendo, estou aprendendo a arte de perder todos os dias. Perdendo meus modos, perdendo objetos, perdendo sono e acima de tudo, perdendo memórias. Toda a minha vida eu acumulei lembranças. Elas se tornaram meus bens mais preciosos. Não existe cura para essa doença, sendo assim, estou aprisionada eternamente nesse inferno. Regina sente dó de mim. Todos sentem dó de mim.’’

‘’ Querido diário. Quinta-feira.

Tenho a impressão que está chegando o dia que perderei de vez minhas memórias. Nunca sabemos o dia de amanhã. Deveríamos viver o hoje de uma forma bonita e com muita intensidade. Tenho medo. Muito medo. Já me perdi em minha própria casa. As vezes chego a não lembrar meu próprio nome. Isso é horrível. Prefiro a morte do que essa doença.’’

‘’ Querido diário. Eu realmente não sei que dia é hoje.

Me despeço aqui de todos os meus amigos. Minha morte está próxima. Então, se você está lendo isso, saiba que não foi fácil. E, por favor, não pense que eu estou sofrendo. Eu não estou sofrendo, eu estou lutando. Lutando para fazer parte das coisas, para ficar ligada a quem eu já fui. Então “vive o momento”: é isso que eu digo para mim mesma. É realmente tudo o que eu posso fazer, viver o momento.

Regina, minha amada, a que sempre esteve comigo, me ajudou, me deu segurança. Eu te amo demais. Não suporto a ideia de um dia olhar para você, para esse rosto que eu amo, e não saber quem você é. Você já está bem doente, logo irá morrer também. Tomara que morra primeiro, assim não sofrerá com minha perda. Eu estou lutando para escrever nesse diário, lembras as palavras, lembrar como fazer o movimento da escrita. Quando não há mais certezas possíveis, só o amor sabe o que é verdade. Eu estou assim. Não tenho certeza de nada mais. É horrível. Meus ontens estão desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Tudo que acumulei na vida, tudo que trabalhei tanto para conquistar, minha família, agora tudo isso está sendo levado embora. Como podem imaginar, ou como vocês sabem, isso é o inferno. Mas fica pior. Eu sei disso. Então, para que eu vivo? Vivo para cada dia. Vivo o presente. Num amanhã próximo, esquecerei que escrevi isso. Mas o simples fato de eu vir a esquecê-lo num amanhã qualquer não significa que hoje eu não tenha vivido cada segundo dele. Esquecerei o hoje. Mas isso não significa que o hoje não tem importância.

Eu não tenho nenhum controle sobre os ontens que conservo e os que são apagados. Mas eu sou feliz, porque nada se perde para sempre. Nesse mundo há um avanço doloroso, sentindo falta daquilo que deixamos, e sonhando com o futuro. Ao menos eu penso assim.

Eu só tenho uma coisa a dizer a todos vocês: Vivam o presente. Vivam. Não se importem com nada, apenas vivam. Aproveite cada segundo, cada minuto. É sagrado. Nunca se sabe quando é o último’’

E quando terminara de ler aquelas palavras, todos só ouviram ‘’ bipbipbip’’, anunciando a morte de Emma, causada por parada cardíaca.

Viva cada momento.

                               FIM.