Beautiful Crime escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 1
Único: Beautiful Crime


Notas iniciais do capítulo

Olá, como vocês estão?

Como podem ver, o feedback que eu recebi da última one Shoot me deixou animada assim como essa música, chamada "Beautiful Crime" do Tamer.

Na verdade, a inspiração veio, em muita, dessa temporada de Person of Interest... Por isso, já aviso que podemos ter alguns spoilers do episódio 5x04 pela frente.

Espero que gostem dessa, leiam com a música, boa leitura!



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“Each step I left behind, each road you know is mine... Walking on the line tem stories high, say you’ll be by my side.”  

Root estava acostumada à solidão, envolvida pelas sombras e tendo como companhia o seu remorso e os seus pensamentos a respeito de um passado que ainda a assombrava. O caminho era perigoso, inseguro e solitário... Mas, não era nada do que ela já não tivesse lidado nos eventos do seu passado sujo e mal resolvido. A Machine a escolhera justamente por causa dessas nuances, pela sua natureza acostumada ao que John e Harold não tinham: a fé cega e inabalável.

Ela era capaz de ouvir, acatar e executar. Sem perguntas, sem curiosidade, sem escrúpulos.

Root fazia o que John e Harold não podiam e nem tinham tempo para fazer.

Cada missão colocava, mais uma vez, a sua vida em jogo.

Cada evento que a Machine ordenava para que ela interferisse exigia toda a sua concentração.

Cada ação prevenia conseqüências avassaladoras de uma guerra cada vez mais perdida.

Cada vez que Root saía das sombras e tomava uma nova identidade, uma pequena chama de esperança resistia bravamente diante da escuridão que ameaçava envolvê-los e sufocá-los.

E tudo parecia estar caminhando para um desfecho benéfico até que Root a perdeu.

Root demorou a perceber que perdeu muito de si quando Shaw lhe entregou tudo que possuía no último instante que dividiram juntas. Naquela noite, quando Shaw despediu-se com um beijo e entregou a própria vida para que ela mesma sobrevivesse... Root perdeu o foco, a concentração, a ânsia... A bravura.

Ela perdeu todas as suas certezas porque a dona da sua fé não pode salvar quem ela tanto tentava proteger. Aquela que a guiava falhou da pior forma quando deixou quem ela tanto se importava ir da forma mais cruel possível.

Nem todo o poderio da Machine pode impedir ou prever o sacrifício de Shaw. Nem toda súplica de Root pode pará-la. Estatísticas, simulações, números... No instante em que a grade do elevador fechou diante dos seus olhos e Root viu Shaw ser ferida através dela, nada mais importou. Ela esqueceu quem se tornara após o encontro com a Machine, ela perdeu a fé e não a encontrou em lugar algum porque Shaw tinha levado tudo dela consigo.

Sameen Shaw, alguém que ela não conseguia elencar na sua lista de relações interpessoais, se fora. Aquele beijo lhe deu respostas e lhe deu ainda mais dúvidas. Duvidava da Machine, do que se tornara, do que fazia... Se nada daquilo lhe tornava digna de ter e manter Shaw ao seu lado, segura, pelo que valia a pena lutar?

Nas semanas seguintes, a busca tirou o pouco que ainda restava da adrenalina que insuflava a sua busca. Pior do que saber que Shaw estava viva era conhecer todos os métodos de tortura que o Samaritan poderia utilizar... Root já vira outros sofrerem nas mãos deles, sabia o fim que levavam aqueles que resistiam ao domínio. E saber que Shaw era cativa deles e do quão forte era ela para não quebrar, assustava. Porque, afinal, mais do que quebrá-la... O Samaritan poderia destruí-la.

Por isso, Root correu contra o tempo. Enquanto a pista do desaparecimento de Shaw ainda estava quente, ela acreditou. E nesse tempo, ela ignorou o que a Machine lhe dizia. Não mais eram ordens, números ou coordenadas... A Machine pedia para que ela parasse, para que ela desse um tempo, para que ela esperasse.

Root não entendia nenhuma daquelas exigências.

Não fazia sentido abandonar Shaw daquela forma, a Machine era o melhor que eles tinham e ela deveria compreender a importância de um agente. Ou será que ela, na verdade, compreendia de tal forma que estivesse, de fato, tentando proteger aqueles que sobreviveram? Root não pensou direito porque, para ela, Shaw se tornou importante no instante que saiu do seu alcance.

Shaw se tornou relevante para ela, afinal, qualquer um é relevante para alguém e Root sentiu, da pior forma, que ela não estava preparada para sacrificar qualquer um para o bem maior.

Ela podia morrer tentando salvar o mundo, mas não queria fazer aquilo sozinha, não sem Shaw.

 

“If I could take your hand, if you could understand that I can barely breath, the air is thin. I fear the fall and where we’ll land.”

As pistas esfriaram, assim como a fúria de Root. Em algum momento, foi o confronto que esquentou, a ponto de se tornar incendiário e destruidor. E ela teve que, de fato, agir.

Root voltou ao jogo, lutou as batalhas que tinha que travar e lidou com as derrotas que lhe foram infringidas. Se perdessem a Machine, não encontrariam Shaw de forma alguma e a guerra estaria perdida. Por isso, mais uma vez, Root colocou a sua vida em jogo para proteger o que restava daquilo que importava... John, Harold e a Machine eram primordiais e essenciais.

Mesmo sem Shaw, ela ainda podia salvar o mundo, ainda que não fosse a mesma coisa, ainda que não tivesse quem gostaria ao seu lado. Talvez, sua recompensa ao salvar o mundo fosse Shaw.

Root levou todos os tiros que foram necessários, sofreu todas as contusões que foram direcionadas a ela... Tudo para manter a Machine a salvo, tudo para proteger Harold, tudo para enxergar um cenário melhor em que pudesse exigir Shaw de volta quando a guerra tivesse chegado ao fim.

E, mais uma vez, estava tudo bem.

Até que a Machine, enfim, percebeu.

A sua deusa, a dona de sua fé, finalmente, entendeu a dor da sua maior e mais insistente seguidora. A Machine pediu perdão quando Root encontrou, novamente, a sua descrença ao enxergar o sobretudo ensaguentado de Shaw. A Machine mostrou-se, mais uma vez, boa demais para tudo que Root fazia... A máquina a humanizou, novamente, entregando tudo aquilo que ela havia perdido quando Shaw desapareceu.

A força para acreditar e continuar.

A fúria irracional foi responsável pela morte de Martine, mas foi a fé recém-conquistada que fez Root, mais uma vez, lutar. Ela derrubou aqueles que a cercavam para, finalmente, ter a recompensa da qual precisava. Root teve um vislumbre de Shaw, na escuridão de uma noite em que tudo parecia acabar, e aquilo a inflamou, aquilo a nutriu da arma dos tolos e ela voltou a acreditar.

A esperança.

Foi a esperança que a levou, novamente, a John e Harold. Os três viram a Machine lutar bravamente até a sua compactação, o esforço dela em se manter viva, por eles, fez com que cada componente do trio lutasse da mesma forma.

Existia um exército do lado de fora, mas a Machine fornecera a fé da qual eles precisavam para voltar ao jogo. A Machine não permitiu que o sacrifício de Shaw fosse em vão e mostrara a eles que estava disposta a lutar se eles, depois de tantos erros e sacrifícios, ainda estivessem dispostos a defendê-la.

A Machine sabia de todos os seus pecados e sabia que exigia muito de cada um. Eles quase perderam a Machine e, naquele momento, a perda de Shaw tornou-se diminuta, mas, ainda assim, relevante.

Quando a Machine compactou-se dentro daquela maleta, diminuta e frágil, cada um no trio se engrandeceu. Eles lutariam a guerra, eles tentariam reativá-la, eles procurariam por Shaw... Eles fariam o melhor que pudessem.

Root não estava acostumada ao silêncio em seu implante coclear, mas, na ausência de sons, ela entendeu.

A maior batalha era travada no mundo real, mas ela precisava combater o que tinha dentro de si e, por isso, quando ela via tudo em que acreditava desfazer-se diante de seus olhos e via seus inimigos vencerem cruelmente o primeiro grande confronto da guerra que deixara de ser fria... Root permitiu-se lutar por mais algumas certezas.

Muitas delas envolviam a Machine e uma, em especial, envolvia Shaw.

Root a amava e não importava como o mundo amanheceria no dia seguinte, ela seria ainda mais insistente e o Samaritan não conseguiria livrar-se dela tão facilmente.

Mais do que a interface analógica, Root, agora, era humana. E a humanidade era algo que o Samaritan não entendia e a Machine sim, compreendia. Era a humanidade que os tornava mais fortes, sentir não era o ponto fraco de nenhum deles e sim, o forte. A força de Root veio além da crença e, também, do que Shaw representava para ela.

Um novo mundo amanheceu diante dos olhos de Root e ela o abraçou, por mais perigoso que ele fosse.

 

“We fight every night for something when the sun sets we’re both the same... Half in the shadows, half burned in flames. We can’t look back for nothin’. Take what you need, say your goodbyes... I gave you everything and it’s a beautiful crime.” 

Cada gota de sangue derramado parecia insuficiente, assim como cada dor, por mais intensa que fosse, parecia dispensável. As cicatrizes aumentavam, assim como os desaparecimentos e as perdas, mas nenhuma derrota parecia capaz de torná-los merecedores de uma vitória cada vez mais improvável.

Root acreditava na Machine, acreditava que Harold tinha que dar as armas para que ela pudesse se defender... Mas, acima de tudo, ela estava cansada. Root cansara de se sacrificar quando tudo parecia estar perdido.

Não estava perdendo a esperança, mas, se tudo estava fadado ao caos e à destruição, Root preferia enfrentá-lo com alguém.

Nessa altura da guerra, a solidão era assustadora assim como a escuridão era violenta. Root sentia que o melhor de si estava perdendo-se em meio às derrotas e à ausência de Shaw. A humanidade que a Machine lhe trouxera de volta era, acima de tudo, oposição de sua força e de sua fraqueza.

Root lutava porque acreditava, mas, fraquejava porque sentia.

E diante de tantas dificuldades no estabelecimento da Machine, de tantas missões aleatórias com números ainda mais aleatórios, de tantas simulações perdidas contra o Samaritan e do silêncio velado sobre Shaw, acreditar era um ato cada vez mais complicado e fraquejar era cada vez mais sedutor.

A fé era cada vez mais difícil de ser mantida e Root apenas argüia, constantemente, com a Machine porque, depois de tanta doação, ela queria algo em troca. Ela queria Shaw, não importava como ela estava, não importava o tamanho do estrago do Samaritan... Ela queria Shaw, ela precisava de Shaw.

Por isso, Root não temeu arriscar-se para suplicar por ajuda. Não tinha nada a temer. Estava cansada de ser um mero instrumento e, com a Machine aberta e incontrolável, queria saber até onde a máquina a considerava importante.

Root lutava dias e noites pela causa, ela se feria mais do que o necessário para que as pessoas continuassem protegidas ainda que não soubessem do que, estava constantemente exposta ao perigo e não pedia muita coisa em troca... Não era justo que não tivesse uma mera parte do que pedia se entregava tudo a sua fé.

E assim como acreditava na Machine, sabia que Shaw não quebrara. Sameen era forte demais para ser destruída pelas maquinações do Samaritan, ela poderia estar debilitada, mas Root acreditava que ela ainda não desistira. Não era do feitio de Shaw cair sem lutar. Ou, talvez, toda essa esperança fosse o medo de não poder pensar no pior... Root não ousava pensar que Shaw não existisse mais. Doía imaginar que a sua falha, o seu pedido desesperado, pudesse ter selado o destino de quem, agora, ela mais sentia falta.

A Machine, então, cedeu. Mais uma vez, ela guiou-a cegamente através da missão e deixou que Root descobrisse e decidisse o que fazer.

E Root não pensou duas vezes ao abandonar tudo e deixar, pelo menos, uma mensagem para Shaw.

O que escrevera era pequeno e, talvez, não significasse nada para outras pessoas... Mas, para as duas, era algo especial. Eram palavras ditas nos últimos minutos que dividiram, eram palavras que formavam uma descrição de algo que somente elas entendiam o que era. Aquela mensagem era, estritamente, sobre as duas. Sobre o que elas eram, sobre o que representavam, sobre o que pareciam aos olhos dos outros...

4 alarm fire.

O fogo. A paixão. A saudade.

O que queimava, ardia e doía.

A dor que tornava tudo real. A dor que somente elas sabiam quão prazerosa era. A dor que provara, contra todas as explicações racionais e científicas, que elas eram capazes de sentir e que existia algo para as duas naquele mundo que nunca as acolheu.

O que o mundo salvara para elas era a existência da outra.

Uma esperava por um sinal capaz de lhe dar esperança. A outra tinha a fé para despertar.

Root acreditou e Shaw despertou.

 

“Each breath I left behind, each breath you take is mine... Walking on the line tem stories high, fear a fall you’re asking why.”

Não havia mais saída, não havia mais um local seguro... Não havia mais esperança.

Não sabia mais o que era real, não sabia mais quem existia e quem deixara de existir. Não conseguia determinar, sequer, se ainda vivia.

Shaw nunca imaginara que o seu fim chegaria na ponta de uma agulha, muito menos, imaginava que ele seria tão confuso e tão repleto de informações que ela cogitasse entendê-las antes de, finalmente, desaparecer.

Sempre pensou que seu fim seria rápido, sem questionamentos e repleto de escuridão. Uma bala em sua cabeça ou um ferimento que a fizesse sangrar até morrer.

Porém, olhava para o bisel daquela agulha e apertava a seringa em sua mão trêmula. O tremor era seu primeiro questionamento, sua paralisação diante do ato era a segunda pergunta que a incomodava e, por fim, a ausência.

Shaw estava acostumada ao silêncio em seu interior, mas, nos últimos dias, os volumes estiveram tão elevados a ponto de ela se acostumar a eles. Tanto que, naquele momento tão crucial, ela sentia falta da bagunça. Sentia falta de sentir, tão intensamente, a saudade e o abandono.

Sentia falta de sentir algo e, principalmente, sentia falta dela.

O ponto seguro ao qual se apegara fora tirado dela há muito tempo, mas, de alguma forma, assim como Root era realmente, permanecia insistentemente presente na mente de Shaw. Porém, sua mente estava dopada pelo tranqüilizante e, naquele momento crucial - em que mais precisava de companhia e segurança - ela se fora.  

Talvez, não admitisse em voz alta, mas tudo que Shaw queria era que não estivesse sozinha. Seu caminho sempre fora solitário, contudo, uma vez que o trilhou acompanhada, Shaw tinha dificuldade de caminhar sozinha. Ainda mais depois de tanto tempo, de tanta dor... De tanta descrença.

Sentia falta dela e, naquele instante, daria tudo por uma última simulação. Apenas o necessário para que pudesse vê-la pela última vez.

Ao menos, Shaw ainda podia acreditar que ela estava segura. Não se deixara quebrar porque tinha que proteger os outros, a Machine e, sobretudo, ela. Root era idiota o bastante para correr perigo e não precisava de alguém a entregando. E Shaw esperava que a Machine estivesse protegendo-a e não enviando-a para mais uma missão suicida.

O aperto em torno da seringa se tornou mais firme, o tremor se dissipou porque, de certa forma, aquela agulha era a sua única saída. A única forma de escapar daquela realidade distorcida e de fugir daquele jogo de verdadeiro e falso. Morrer era a única forma de não mais matar, nem escolher e nem temer entregar aqueles com os quais aprendera a se importar.

Morrer era a única forma de manter tudo - o que eles ainda não tinham tirado dela - seguro.

Shaw olhou fixamente para o bisel a agulha e aproximou-o do seu olho esquerdo. A porta, as suas costas, chacoalhava pela força daqueles que tentavam abri-la. Ela respirou fundo, buscando encontrar algo que ela nunca procurara: a paz.

Entretanto, algo a parou no momento crucial.

O som claro de uma interferência, mais que isso, uma informação. Algo que o sistema de comunicação do Samaritan apreendeu.

Shaw contou e interpretou a interferência até que seu coração disparou e ela, apanhando a caneta que a médica abandonara, abriu-a e esperou pacientemente pela repetição do sinal.

— 4 A... - Shaw escrevia em seu braço conforme sussurrava as letras da mensagem, entretanto, não foram seus olhos que compreenderam a mensagem e sim, seu interior. - 4 Alarm fire... Root.

Shaw abriu um sorriso quando a mensagem penetrou em sua mente. Seu coração acelerou e, com dificuldade, ela jogou a seringa de lado e colocou-se em pé. Ela girou a maçaneta e os guardas entraram instantes depois, imobilizando-a e a arrastando, novamente, para a cama.

Entretanto, o sorriso não abandonou os lábios de Shaw nem mesmo quando ela foi sedada.

Ainda havia esperança, ainda acreditavam nela... Root estava a salvo e ela mesma, também.      

 

“We’re leaving the things we lost, leaving the ones we’ve crossed... I have to make and end so we begin to save my soul at any cost.”

Eu não posso mais fazer isso. Eu não sei mais quem está controlando.

Shaw olhava para Root, sentindo muito mais do que queria sentir. Cada vez mais descobria que, o que as ligava, era mais forte do que cogitava. Naquele momento crucial, conseguia enxergar tudo o que era real entre elas por mais que a realidade em que estivessem não fosse, de fato, real.

Era interessante como uma simulação revelava muito mais do que a realidade. E era irônico saber que tudo que tinha limitava-se àquela realidade paralela simulada. E era ainda mais irônico descobrir a real natureza dos seus sentimentos em meio a pixels e realidades virtuais.

E Shaw sabia que realmente não podia mais fazer aquilo. Cada nova simulação era uma nova cicatriz que se instalava em seu peito. Cada vez que feria ou se aproximava de entregar o seu time, ela se desconstruía e se destruía, de dentro para fora.

Ela perdera o controle completamente e temia que, logo, perdesse o discernimento.

Nada é seguro. Sabe onde estamos? O que fizeram comigo? A tortura... Eu disse a você que não consegui escapar.

Todavia, ainda restava um pouco de discernimento em Shaw.

Mesmo confusa com seus atos, sentindo cada um deles machucarem e mancharem a integridade de sua alma e de seus valores... Ela ainda conseguia diferenciar o que era real e o que era simulação.

Aquela diferenciação era a única coisa que a mantinha viva, a única coisa que a fazia olhar nos olhos daquela Root e perceber, dolorosamente, que ela não era real e que ainda encontrava-se aprisionada e refém de suas lembranças.

Mais do que suas lembranças, as correntes que fechavam seus punhos e pernas e que a impediam de fugir eram seus sentimentos. Os sentimentos que nunca foram suas fraquezas, mas que o Samaritan soube usar contra ela. Os sentimentos de honra, fidelidade e, sobretudo, de amor.

O Samaritan pegou cada um deles e elevou o volume, tornando-os ensurdecedores. Tentando confundi-la pela intensidade que ela jamais experimentara em vida real. Mas, mais uma vez, o Samaritan interpretara a humanidade de forma errada.

Assim como o desconhecimento diante de sentimentos mais intensos eram a fraqueza de Shaw, eles se tornaram a sua força. Porque ela passou a acreditar nele e, acreditando, ela passou a protegê-los.

Quando as coisas ficavam ruins, havia um lugar em que eu ia, em minha mente. Aqui... Com você. Você era meu porto seguro. Mas, não é mais e eu não consigo mais me controlar. A única coisa que eu consigo controlar é isso. 

A última coisa que Shaw sempre enxergava era Root. Os olhos castanhos arregalados, refletindo o medo que a própria Shaw evitava pensar em sentir. Tudo que a movia, naqueles instantes finais, era a ânsia de protegê-la, a vontade de nunca mais enxergar tal medo nublando a vivacidade dos olhos castanhos.

Também, a última coisa que Shaw escutava era a voz de Root. O som agudo e desesperado, o grito de seu nome que, assim como tentava despertá-la da morte, despertava-a da simulação. O grito que, mesmo repleto de dor, significava que ela vencera mais uma batalha e que destruíra mais uma simulação.

Porém, Shaw não a sentia. Observava como uma espectadora enquanto Root chorava agarrada ao seu corpo, tampouco, sentia as lágrimas dela molhando seu rosto. E, essa era uma verdade dentro da simulação que a machucava. Porque, de certa forma, nunca a sentia de forma plena e nunca parecia ser fiel o bastante.

Tudo, afinal, se tratava de uma simulação e a semelhança era muita, mas não plena.

Cada simulação encerrada, cada vez que os olhos de Shaw se abriam e escutava o tom desanimado do médico, ela entendia que, por mais que doesse passar por aquilo, valia à pena.

Uma nova simulação determinava um novo ferimento e uma nova cicatriz em seu interior, do tipo que doía e jamais era anestesiada. Mas, também, determinava que todos estavam seguros e, principalmente, que Root estava segura.

Shaw tiraria a própria vida, simulada ou não, quantas vezes fossem necessárias para que os outros estivessem em segurança. Ela passaria pela dor de olhar nos olhos de Root e não sentir-se segura com ela para que ninguém mais fosse submetido ao inferno pelo qual ela passava.

Boicotar as simulações do Samaritan era a sua forma de manter-se combatente e eles não a quebrariam tão facilmente.

A Root em sua mente poderia até não ser mais o seu ponto seguro... Mas, a segurança da Root real era. E Shaw a manteria segura.

Como sempre, Shaw poderia não voltar por ela, mas se manteria no controle, por ela.

 

“We fight every night for something when the sun sets we’re both the same... Half in the shadows, half burned in flames. We can’t look back for nothin’. Take what you need, say your goodbyes... I gave you everything and it’s a beautiful crime.” 

Shaw não era religiosa, mas ela tinha algumas ideias de como podia ser a vida após a morte. Especialmente, achava que ia para algum lugar em que as batalhas continuassem porque, afinal, vivera para lutar e matar.

Porém, quando finalmente abriu os olhos, ainda desorientada, não pode deixar de comparar o homem a sua frente com o próprio demônio. Sua expressão fechou-se em desgosto e desagrado, ela preferia enfrentar mais um tiroteio do que se encontrar na situação em que estava.

Shaw estava atrás das linhas inimigas. E eles iriam usá-la para atingir quem ela protegera.

Os olhos escuros de Shaw semicerraram-se quando focalizaram a escuridão presente nos olhos claros de Greer. O homem sorriu para ela e Shaw não pode deixar de revirar os olhos, julgando a prepotência do homem que vencera apenas uma batalha e que ela não deixaria vencer a guerra.

— Se isso é a vida após a morte... É uma droga. - Shaw não pode evitar o comentário maldoso que saiu de sua boca, não ficara nem cinco minutos acordada na presença daquele homem e já tinha uma vontade enorme de enfiar uma bala em sua testa. Seu time não poderia ser tão obtuso a ponto de perder para a arrogância daquele homem.

Greer riu de seu comportamento, como se ela fosse uma espécie de animal indefeso tentando ser ameaçador. E esse riso deixou Shaw ainda mais irritada. Ela apertou as mãos em punho, sentindo as agulhas do soro e do analgésico pinicarem em suas veias das mãos. Shaw rangeu os dentes, furiosa pelo seu destino e pela sua incapacidade de fazer aquilo que sabia melhor... Proteger.

Claro que sabia que os outros tinham saído vivos daquele inferno de tiros... Mas, o que seria deles agora? Shaw sabia que a sua captura era uma grande vitória que só comprovava quão superior o Samaritan e todos os seus agentes eram. A sua captura também revelava um caminho escuro e sem esperança.

Talvez, nunca mais visse John, Harold, Bear, Fusco... Root.

Lembrar-se dela fazia com um gosto amargo chegar aos lábios de Shaw. Ela sabia que seu sacrifício fora necessário, se não tivesse certeza que salvaria todos, não teria feito. Na verdade, mesmo se não tivesse certeza, ela faria do mesmo jeito...

Ela morreria por algo que amava.

E, de fato, achava que o que sentia por Root era o mais próximo do amor que experimentara. Porque era tudo tão incompreensível e tão confuso que não poderia ser nominado de outra forma. Afinal, não se jogaria em frente a uma chuva de balas se não sentisse algo dessa natureza.

E aquele beijo... Aquele toque rápido, tão íntimo e tão intenso, era o que dera a coragem necessária para se entregar e, talvez, fosse também o que a acordara naquele inferno.

Shaw, naquele beijo, sentiu tanto e procurou entregar tudo a Root. Procurou fazer com que ela entendesse que todas as noites significaram e que tudo o que fizeram era mais importante do que elas imaginaram. No último momento juntas, Shaw procurou deixar claro que, se os tempos fossem outros e elas fossem mais normais...

Talvez, tivessem sido feitas uma para a outra.

De uma forma explosiva, exatamente como um incêndio em uma refinaria. Mas, tão quente quanto. Tão doloroso quanto. Real como pouco em sua vida.

— Sinceramente, espero que você descanse um pouco, minha querida Sameen... - Greer não conseguia conter a arrogância e nem a ironia em suas palavras. Shaw sentia cada parte de si suplicando para separar a cabeça do corpo daquele homem assim como sentia a dor, lentamente, voltar a se fazer presente. O asco em escutá-lo chamando daquela forma era completamente diferente do que sentia quando Root e até mesmo Harold falavam com ela daquele jeito. Não remetia a segurança e sim, deixava claro que ela era tão prisioneira que ele podia chamá-la da forma que quisesse. - Você vai precisar.

A ameaça viera velada, permeada com um sorriso.

Shaw respirou fundo e focou-se em sua dor, mantendo-se presa a única realidade que estava ao alcance de suas mãos. Era uma prisioneira e sabe-se lá o que fariam com ela... Mas, isso não queria dizer que ela não lutaria.

Ela lutaria até o final. Não somente pela causa, mas, também, por uma pessoa.

 

“This darkness is the light.”

Root corria. Estava logo atrás de John e Harold, escutando a Machine buzinar ordens em sua mente a cada segundo, sendo que ela não mais sabia qual deveria seguir. Atrás deles, os agentes do Samaritan os perseguiam, buscando o conteúdo da maleta que John carregava.

A Machine, em uma das batalhas simuladas contra o Samaritan, conseguira escrever um código que mataria o Samaritan e ele precisava ser transcrito especificamente em um terminal. O terminal mãe de toda a infraestrutura do Samaritan que se encontrava em um prédio fortemente protegido e que eles invadiram a cerca de uma hora.

Root sabia que aquela era a missão derradeira, a Machine estava nervosa e preocupada com cada um deles e ela não estaria assim, tão enlouquecida com as ordens, se não fosse o fim. Por isso, quando o trio chegou em frente a uma porta blindada, Root não se assustou com a instrução recebida.

Enquanto Harold agachava-se e abria o painel numérico da senha, Root e John se viraram em direção ao corredor. John olhou de esguelha e pegou-a sorrindo, megalomaniacamente, para a instrução. Root suspirou e murmurou:

— Acho que é aqui que nos separamos, grandão.

— Eu não vou deixá-la sozinha com um monte de agentes do Samaritan, Root. - John grunhiu teimoso e, de certa forma, até entediado. Root revirou os olhos e escutou um bipe atrás de si, Harold empurrava a pesada porta enquanto dizia nervoso:

— John está certo, Miss Groves. Nós não a deixaremos para trás.

— Não se trata de ser deixada para trás, Harry... Trata-se de vencer a guerra. - Root respondeu decidida, empunhando a arma e mirando-a para uma câmera próxima. Ela atirou e, em seguida, empurrou Harold para dentro da sala que acabara de abrir. John permaneceu firme ao seu lado até o momento em que os agentes os alcançaram.

Tiros quase o atingiram e Root, propositalmente, andou para a intersecção de corredores mais a frente, afastando-se de John e Harold. John a gritou e Harold tentou alcançá-la, mas Root solicitou educadamente para que a Machine rompesse sua comunicação com eles e ela assim o fez.

John resmungou um palavrão e entrou na sala, Root sorriu e sussurrou:

— Hora do show.

Com a Machine guiando suas atitudes, ela conseguiu eliminar os agentes do Samaritan que estavam no corredor. Entretanto, mais dois chegaram e quase a atingiram pela outra extremidade da intersecção em que ela estava. Root apontou as armas para eles, puxou os gatilhos, mas eles apenas estalaram.

Sem munição, mais uma vez.

Root sorriu fraco para a sua situação e murmurou:

— Você não poderia ser mais clichê, certo, querida?

Mal terminara de falar e outros disparos foram escutados. Root tentou se proteger e procurou em seus bolsos por alguma granada ou qualquer outra coisa que pudesse provocar um estrago e dar mais tempo a John e Harold.

Tão afoita em sua tarefa, não notou o silêncio do ambiente permeado apenas por passos suaves se aproximando. Root preparou-se para interceptar seu agressor e quando ele estava próximo o bastante, conseguiu segurá-lo em uma chave de braço.

Porém, Root esperava encontrar qualquer coisa, inclusive, a morte... Mas, não esperava encontrar os olhos escuros dos quais sentia falta e, nem mesmo, esperava ver aquele sorriso sarcástico de novo.

Root se afastou completamente confusa, e observou Shaw olhar de forma divertida para ela. As duas se olharam, depois de tanto tempo e de tanta coisa, incapazes de se moverem ou, sequer, de reagirem.

Depois de tudo que cada uma passara, aquilo parecia um improvável final feliz.

Root sempre acreditara e transferira um pouco da sua esperança para Shaw. Mas, tinha muito com o que se preocupar nos últimos dias e já colocara em sua cabeça que o caminho mais curto para ter Shaw de volta era acabar com o Samaritan. Estava travando uma guerra acompanhada para ter, quem mais amava, de volta.

Shaw chegara à conclusão que nem a melhor das simulações de Greer conseguira fazer jus a quem Root era de fato. Mesmo confusa aquela parecia ser a expressão que mais combinara com o rosto dela, talvez, por raramente vê-la fora de sua zona de conhecimento... A surpresa no rosto de Root tinha feito tudo pelo que passara valer a pena. Porém, Root a soltou e se afastou, com um sorriso banhando-se em lágrimas, ela sussurrou:

— Eu sabia que você ia voltar para mim.

Alarmes dispararam ao redor delas e a Machine começou a manifestar-se vitoriosa no ouvido de Root. Shaw olhou ao redor, arqueando a sobrancelha e sorrindo para o que estava implícito naqueles alarmes e no sorriso de Root em relação ao que a Machine dizia. Root encostou-se à parede do corredor e Shaw aproximou-se dela perguntando:

— Missão cumprida?

— Com certeza. - Root respondeu com um sorriso enorme, puxando-a pela gola da camisa.

Diferentemente da primeira vez, elas se beijaram.

E diferentemente da última vez em que se viram, elas não perderam a batalha e sim, venceram a guerra.

FIM


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Notas finais do capítulo

O que acharam?

Como puderam perceber, eu dei uma caprichada nos sentimentos nessa one, muito motivada pelo que andamos vendo na série... Espero que tenham gostado!

Não esqueçam do feedback, com carinho,
FerRedfield



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