Nova Geração escrita por Ana


Capítulo 10
Marcas estranhas




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Sarada ficou com a mente completamente embaçada assim que cruzou o corredor. Nada mais fazia sentido. Todo o quebra-cabeça da sua existência havia sido jogado para o alto num único ato, e quem fez aquilo havia sido Boruto - e Ayumi, mas citá-la é estritamente desnecessário. Depois que saiu, Mitsuki ainda tentou segui-la, mas vendo que não adiantava de nada, desistiu e foi ajudar Boruto a comer sua primeira refeição desde que havia acordado do curto coma. No fundo da sua mente, Sarada sabia que tinha que dar meia volta e realizar os exames que o colega de time precisava, ocupar a cadeira ao lado da cama dele, antes que mais alguém o fizesse, como já havia acontecido anteriormente.

Vários pensamentos obscuros e doentios ocuparam a mente da menina enquanto andava aleatoriamente pelo castelo, o mais assustador deles era o que poderia ter acontecido. O que precisavam? Alguns segundos, ela diria. Alguns segundos e muitas coisas aconteceriam.

Sarada parou no meio do corredor, quase caindo. Qual era seu problema? Ela tinha demência, por acaso? Desde quando tinha pensamentos e medos daqueles que envolviam Boruto - logo ele? Aquela palhaçada era novidade.

De repente, a jovem viu uma entrada à sua esquerda que dava direto em uma escada em aspiral. Sem ligar que poderia muito bem se perder, ou dar de cara com algum cômodo que não tinha permissão para acessar, ela subiu as escadas - batendo os pés de ódio, ódio de Boruto, da filha mimada do dono do castelo, do carpete que não fazia barulho, do sol que raiava lá fora. A única coisa que sentia naquela hora era o mais puro e barulhento ódio, de tudo e todos.

Foi bem decepcionante dar de cara com uma torre sem saída depois de infinitos degraus. Depois de subir tudo aquilo, a única coisa que a esperava no final era uma janelinha cheia de grades e uma parede de pedras. Ao dar de cara com aquela cena deplorável, ela suspirou e sentou nos últimos degraus, e ali ficou. Não soube se por segundos, horas ou talvez o dia inteiro, mas seus pensamentos eram a única contagem que tinha. Chegou um momento em que eles já se repetiam, e foi nessa hora que decidiu que colocaria a máscara mais perfeita possível e faria o que havia ido ali fazer. Seu propósito momentâneo era cuidar de Boruto, então era aquilo que faria. Depois que isso fosse feito, iriam realizar a missão e mais uma e mais outra; quando chegasse o momento, ela seria Hokage e finalmente faria o que havia nascido e que morreria para fazer: ajudaria as pessoas ao seu redor. Cuidar do seu colega de time - porque era só isso que ele era - era o mais importante e apenas mais uma coisa que faria na vida, não é verdade?

Se surpreendeu ao olhar para a janelinha que ficava às suas costas e ver que não havia mais sol lá fora, somente uma lua partida ao meio, mas quase toda encoberta pelas nuvens que pesavam de uma chuva que cairia logo.

Estava começando a ficar frio e a vontade de simplesmente correr para o quarto e se enrolar nas cobertas de pena do refinado castelo, e ali ficar, era maior que tudo. Teve que repetir muitas vezes o discurso que havia bolado momentos antes, ainda no topo da escada em que passara a tarde.  Sem contar a parte em que, assim como havia pensado que aconteceria, ela se perdera. No momento de raiva que a possuiu horas antes, havia cruzado corredores, pessoas e coisas que se repetiam aleatoriamente no trajeto de volta. Demorou mais tempo do que imaginava retornar ao saguão principal - mas àquelas alturas aceitaria nem que fosse qualquer lugar que reconhecesse. De toda forma, retornou ao próprio quarto antes de ir cumprir suas obrigações - malditas fossem.

O quarto era impressionante, foi a única coisa que pensou quando sentou na beira da cama de casal - mas cabiam mais de dois casais ali facilmente. Era um estilo que nunca tinha visto em lugar nenhum. Era tudo de madeira, seda ou pedra. Com certeza era o que mais tinha visto desde que havia chegado. Haviam algumas "pequenas" exceções como ouro, prata e em alguns casos, diamantes. Imitsu certamente era bem extravagante, mas olhar ao redor e depois para o senhor, botava a autoria dele a prova. Um homem que usava uma touca de palmeiras não parecia ser o mesmo homem que escolhia entre o conjunto de facas de prata, ou a cortina de seda importada com detalhes a ouro.

Sem mais demora, Sarada pegou seu kit médico na bolsa que sempre carregava nas missões, deu uma lista de medicamentos para a moça que limpava o corredor e pediu que levasse ao quarto em que Boruto se encontrava. Todos os movimentos que fazia pareciam cansar mais que o normal, como se ir até o quarto de Boruto estivesse sugando suas energias e vontade de viver. Além do mais, estava com medo. Um medo repentino e de muitas coisas. Tinha medo que seu descuido de passar a tarde viajando sem fazer nada pudesse ter custado alguma piora no estado do colega. Tinha medo que quando chegasse lá, Ayumi estivesse novamente ali, ocupando o lugar mais privilegiado para vigiar Boruto.

Com muitas preocupações ainda a assediando, e bem lentamente, Sarada finalmente chegou no quarto. Assim como no caso da escada, foi bem menos do que esperava - nessa outra situação, a diminuição foi bem positiva. Esperava o ambiente com Ayumi, Mitsuki - e sua imaginação problemática já havia até imaginado uma plateia desconfortável para ver a situação que se desenvolvia. Porém, no fim, o único presente era Boruto, e o rapaz dormia confortavelmente na cama king-size e com as cortinas evitando que a luz que nem estava mais lá fora entrasse. Com cuidado para não acordar o monstro adormecido, Sarada andou até a prancheta informativa que estava na cabeceira da cama. Checou os dados cuidadosamente, mas muitas coisas estavam em branco, coisas que somente ela podia responder. Mais uma vez a culpa arrebatou, mas várias imagens desagradáveis passavam pela sua mente e se havia culpa ali antes, havia apenas um sentimento neutro. Naquele momento ela descobriu que uma memória ruim por parte de uma pessoa, podia anular culpa.

Depois de fazer o possível para completar as lacunas, Sarada sentou na poltrona que ainda estava na beira da cama. Ficou ali, apenas observando Boruto. Ele estava deitado de bruços, abraçado no travesseiro. A respiração era lenta e contínua, a nuca arrepiada por alguma razão que não sabia. O rapaz não estava usando bandana. Não a usava fazia anos, por conta do incidente com Momoshiki Ostsutsuki e com o Sétimo Hokage, quando sua bandana foi riscada por trapacear na prova Chuunin. Assim como o pai de Sarada, Sasuke, que tinha a bandana riscada da mesma forma, mostrando que um dia ele havia traído a vila. Sarada não sabia muito bem como era a história, já que a mãe não tocava no assunto nem respondia quando perguntava, e ela não se sentia em liberdade para perguntar uma coisa daquelas ao Hokage ou qualquer outra pessoa que havia conhecido o pai na juventude.

De toda forma, Boruto ainda guardava a bandana. A levava à todos os lugares, e provavelmente se fosse procurar estaria até mesmo na mochila naquele momento.

A boca dele estava torta de tanto pressioná-la contra o travesseiro e um risco de baba saia dela. Assim como o pai, Boruto tinha riscos na horizontal no rosto, por conta do chackra da Raposa de Nova Caldas presente nele - criatura que residia dentro do próprio Hokage -, mas diferente do pai, que tinha três listras, Boruto tinha só duas. Sarada não sabia porquê. Se perguntou por um momento se os futuros filhos de Boruto teriam somente uma listra, mas aquele pensamento lhe causou uma sensação estranha no estômago, então logo mudou a linha de pensamento. O local onde as listrinhas ficavam estava ruborizado por conta do calor debaixo das cobertas.

Sarada imaginou que aquilo fosse culpa da febre de horas antes. Ele estava todo cheio de todos os mais quentes cobertores colocados pelos enfermeiros que vinham vigiá-lo e o viam tremendo, e acreditando que isso provavelmente não era mais necessário, Sarada foi retirando as camadas e mais camadas de panos.

Agoniada com a nuca arrepiada de Boruto, ela puxou a gola da camiseta, para ver se havia algo que pudesse causar aquilo somente naquela região. Sem querer ela viu uma mancha preta, que se parecia muito com tinta. Ia puxar mais, para ver o que havia ali - mesmo que não fosse da sua conta -, mas bem naquele momento Boruto se mexeu. Seu braço saiu debaixo do travesseiro que abraçava e voou para coçar bem no local que Sarada mexia. Com um suspiro de alívio ela notou que o rapaz não estava prestes a acordar.

Por mera curiosidade, a jovem checou mais uma vez a prancheta, e tudo ficou claro. Por alguma razão haviam dado uma dose bem pesada de sedativos para Boruto, que provavelmente dormiria tranquilamente pelo resto da noite.  

Por meros minutos, a vista desagradável de Boruto com Ayumi simplesmente evaporou da sua cabeça – foi um esforço que ela fez propositalmente. Ela apenas ficou observando ele dormir, o cabelo bagunçado e loiro espalhado pelo travesseiro. Com um impulso incontrolável e inconscientemente, Sarada esticou o braço e colocou a mecha de Boruto que caia no olho atrás da orelha. Um gesto carinhoso que rendeu um frio na espinha da menina. Rapidamente, ela recolheu a mão e a esfregou na outra em concha, mantendo-as protetoramente na barriga, como que se a soltasse, poderia não resistir ao impulso de cutucar novamente o cabelo do menino acamado. Sarada fez uma careta, e mesmo sabendo que Boruto não ouviria, disse:

— Porque você tinha que ser um idiota? – ela suspirou fundo de raiva e vergonha, toda vermelha, e saiu do quarto a passos largos.

 

Assim que saiu do quarto, deu de cara com ninguém menos que seu pai. A culpa de não tê-lo avisado do diário que havia ganhado de Imitsu veio e com peso. Ao seu cruzarem, ela evitava fazer movimentos bruscos e tentou fingir que a passagem de Sasuke foi despercebida. Era como se estivesse escrito na testa dela que estava escondendo alguma coisa. De certa forma, Sarada queria muito contar ao pai suas novas descobertas, mas não sabia como ele reagiria. Lá estava ela, em seus plenos dezesseis anos da vida, e Sasuke nunca havia tido iniciativa de mencionar a história do próprio clã. Era um tanto frustrante, porque grande parte desse conhecimento é passado oralmente, e, não querendo desvalorizar Sakura, mas ela não podia fornecer jamais aquele tipo de informação.

Aquele livro era a resposta de Sarada e também sua responsabilidade, a partir do momento em que ele ficou sob seus cuidados. Porém... já havia lido livros o suficiente para saber que quem mantinha segredos, principalmente com medo das consequências finais, acabava tendo consequências piores ainda. Ela sabia disso, sua consciência a alertava e comparava os prós e contras do sim e do não, mas tinha uma voz, uma voz má e que sempre esperava o pior das pessoas, uma voz que vivia no fundo do seu inconsciente, que sussurrava que Sasuke iria querer tomar o diário dela se Sarada resolvesse compartilhá-lo. Ela não queria isso. Pela primeira vez, Sarada se sentia próxima da família que nunca teve – e que seu pai mesmo teve muito pouco – e não queria – não podia – que aquilo fosse tirado dela. Não ainda.

De toda forma, ainda precisava descobrir quem havia escrito a carta presente no diário e, mesmo que não fosse nada tão importante quando a carta, queria saber quem havia sido a moça que colocara a dedicatória no final. Queria muito saber que membro do clã Uchiha além do seu pai, mas de alguma forma – talvez meio mórbida – Sarada queria prestar respeito a mulher que havia deixado aquela preciosidade para ela, mesmo que não fosse para Sarada em si, mas para os filhos desconhecidos.

Sasuke passou, com sua capa negra voando ao seu redor enquanto passava. Seu caminhado era apressado e firme, como sempre, mas havia alguma urgência naquele momento. Sarada pensou em perguntar se estava tudo bem, mas o medo que o pai lesse sua mente – mesmo que soubesse que ele não tinha tamanho poder – era grande demais.

Sarada não sabia como, se talvez ele realmente pudesse ler mentes ou fosse uma intuição sobrenatural assim como sua mãe tinha, mas do nada Sasuke parou de andar, a capa resfolegando novamente na direção oposta após a parada repentina. Ela se impressionou novamente, assim como o viu pela primeira vez, em como sua postura emanava respeito e seus músculos retesados e obviamente fortes entregavam a força descomunal que residia nas suas veias. Talvez aquela força residisse nela também, mas não sabia dizer, não ainda.

— Sarada? – Sasuke olhou para a porta do quarto de Boruto, que ela havia acabado de fechar e no qual ainda se encostava. – Aconteceu alguma coisa?

As bochechas de Sarada automaticamente ficaram escarlate, e sua voz travou.

— O que? – perguntou, gaguejando.

Seu pai apontou para a porta, sendo mais direto.

— Boruto melhorou? - a menina colocou uma mecha longa de cabelo atrás da orelha sutilmente.

— Ah, ele recebeu uma dose pesada de medicamentos para dormir enquanto eu estava ausente, mas isso não causará nenhum mal. No geral não consigo ver o que o deixou desse jeito cheio de sintomas aleatórios e estranhos.

— Gecai me avisou que foi falar com ele sobre isso. Conseguiu algum resultado?

— Infelizmente, não. O fato de eu não conhecer a região ao redor daqui não ajuda muito, mas está claro que não é uma reação alérgica.

Sarada teve um pensamento que poderia ser considerado “uma luz”. Quando olhara Boruto, havia achado uma mancha na sua nuca, uma bem estranha, mesmo que não tivesse conseguido ver muito bem do que se tratava. Se ela conseguisse ver a aparência daquilo – o que quer que fosse -, poderia também ver se aquilo tinha alguma ligação com o que havia acontecido. Colocou um sorriso no rosto de não ter perdido as esperanças completamente – e também por não ficar desocupada o resto da noite. Já havia aprendido aquela lição: estar desocupada era sinônimo de pensar demais, o que nunca a ajudava.

— Eu ainda tenho algumas teorias para comprovar sobre isso, na verdade. – adicionou no final.

— Eu não sei se Boruto está bem o suficiente para continuar a missão conosco. – disse Sasuke de forma pensativa.  – Se ficar saindo for debilita-lo ainda mais, talvez eu vá chamar um ninja médico para levá-lo de volta a vila.

— Mas o time a permanecer não teria que ser o mesmo que estava aqui quando Neji voltou?

— Bem, sim, mas se Boruto adoeceu não posso mantê-lo aqui. Teremos que tirar nossas próprias conclusões com o que tivermos e com o que acontecer. Ainda teremos um time completo, já que Mitsuki veio a mais antes.

— Tudo bem então. – Sarada tentou não acender o pisca-pisca que estava na sua testa escrito “EU ESTOU MANTENDO UM SEGREDO DE VOCÊ!”, mas para o seu alívio, seu pai só assentiu com a cabeça e continuou andando.

Ela não admitiria, não completamente, mas queria – no fundo de si – que Sasuke tivesse notado que havia alguma coisa a mais errada. Que a conhecesse tão bem que perguntasse logo de cara o que estava escondendo, ou algo do tipo. A faria feliz, de certa forma, já que isso também significaria que não estaria escondendo o diário do próprio pai, porque saberia tudo sobre o próprio clã e jamais teria que ficar fazendo pesquisas em livros. Sarada bufou de forma que faria sua mãe passar mal onde quer que estivesse, e foi em direção a sala de treinamento que tinha no castelo.

 

Tenten não tinha nenhuma notícia de Neji por dias. Ela não esperava que ele fosse aparecer todo dia, até porque ele não tinha autorização para ficar circulando por aí o tempo todo, e havia deixado isso claro na última visita. Ah, a visita, como foi boa. Sentia falta - odiava admitir daquela forma - do cheiro dele. Neji tinha cheiro de madeira nova, por alguma razão. Era um cheiro que não podia se engarrafar, e ao longo dos anos, aquele cheiro havia se desbotado de sua mente, mas agora estava renovado e firme, impregnado até nos seus mais obscuros pensamentos. Era estranha aquela sensação de expectativa no estômago. Era boa, nostálgica e feliz. Noriko não estava em casa fazia alguns dias, então ela deliberadamente se sentia uma adolescente. A única coisa que poderia fazê-la se sentir ainda mais jovem seria a presença da mãe e do pai, mesmo que na época em que "namorou" Neji seu pai já havia morrido. Um gelo passou pela sua nuca ao pensar na mãe.

Faziam vários anos que ela não aparecia na vila, desde que havia ido morar com sua avó, que já estava muito idosa, necessitando de cuidados. Sua mãe não mandava cartas, mensagens nem sinal de fumaça e Tenten estava bem daquela forma. Não sentia muita falta da mãe, já que era muito ausente e quando estava presente, era sempre má e não aprovava quase nada que a filha tentava ou fazia. Era um verdadeiro inferno não estar em missões, ou simplesmente estar em casa. O sentimento bom do retorno de Neji logo se foi, até porque pensar no antigo colega de time é quase o mesmo que atrair sua mãe a mente, e isso devia ser evitado a todo o custo. Para falar a verdade, Tenten não saberia o que fazer se por algum acaso a mãe voltasse. Ficaria perdida, novamente vulnerável.

Sua cabeça latejou do nada com tantos pensamentos ruins. Estava desde cedo cuidando da loja, sem muitos clientes a não ser alguns viajantes perdidos procurando por kunais usadas. Ela suspirou, cansada do trabalho entediante e com um pouco de saudade de passar dias fora em uma missão empolgante e cheia de aventuras - e perdas, tinha que admitir. De toda forma, vendo agora num panorama, ganhou mais do que perdeu ao longo da sua vida como ninja.

Tenten estava pensando seriamente em dar o segundo passo sobre a sua situação com Neji. O rapaz a havia visitado da primeira vez, agora talvez fosse a vez dela de ir atrás do lugar onde ele morava para vê-lo. Não era a pior das ideias que já tinha tido. Mantendo isso em mente, a loja vazia e sem clientes a incentivou a transformar aquela ideia realidade.

Sorrindo, a mulher foi correndo fechar a loja em que estava trabalhando, desamassando a roupa e com uma alegria um tanto exagerada. Quando já estava na rua, ensaiando o que falaria para Hinata para conseguir arrancar dela o endereço de Neji, um pensamento que a incomodou muito a atingiu.

Sobre o que falariam quando se vissem? Sobre o clima é que não seria, já que era o mesmo clima de ontem e provavelmente o mesmo de amanhã, até que o inverno acabasse finalmente. O Festival das Flores logo viria, algo que deixava Ino muito animada por conta do seu conhecimento sobre flores e da floricultura dos pais, mas não é como se pudesse ficar falando sobre Cerejeiras com Neji. Não tinham mais assuntos em comum. A conversa esfriaria em algum momento, viria o silêncio desconfortável e um dos dois ia arrumar uma desculpa para ir embora.

Bem, até tinha um assunto, para não exagerar.... Não era um assunto do qual Tenten queria falar, não ainda, mas ia ter algum momento em que esse tópico ia acabar vindo. Seu coração gelava, porque manter segredos das pessoas não era muito bem seu forte, ainda mais de Neji. Ele a conhecia bem demais.

Ou seja, isso a levava a um empasse. Agora havia ficado completamente dividida entre ir visita-lo ou não. Não sabia mais se era a decisão certa. De uma coisa Tenten tinha certeza: se fosse esperar que Neji fosse visita-la novamente, tendo a ideia da própria cabeça, podia esperar sentada. Ele não era muito do tipo que tinha iniciativa e tinha que admitir também que naquele assunto o antigo colega de time era meio desligado. Neji podia ser um dos mais geniais ninjas da época em que estava vivo – na primeira vez no caso -, mas não sabia perceber quando uma garota estava afim dele. Foi um tanto complicado para Tenten aquela situação quando era mais jovem, porque sabia que qualquer movimento errado e ele se distanciaria, porque Neji era assim. Havia sentido e recebido tanto ódio ao longo da vida, e de tantas pessoas, tanta frieza, que um gesto gentil e amoroso o espantava. Era errado uma pessoa ter medo do amor da forma com que Neji tinha, mas o jeito com que fora correspondida a alegrava muito, mesmo depois de tantos anos.

Aqueles pensamentos a deixaram feliz, porque Tenten se lembrou de quando as coisas estavam certas e tudo estava no lugar. Quando Neji ainda estava vivo – sim, ele está vivo agora, mas a pré-vida dele – e as coisas simplesmente davam certo automaticamente. Sem ou com palavras, tudo correu bem, mas a época em que ficaram juntos foi muito curta. Logo depois que deram seu primeiro beijo – uns dois meses depois, talvez – e estavam quase oficializando o namoro, anunciaram a guerra, e todo o sentimento foi esquecido, até porque ficaram em zonas diferentes de batalha.

Desde que havia recebido a notícia da morte de Neji, naqueles terríveis momentos da sua vida, onde literalmente encarou o mal encarnado, repassava na sua mente todos os segundos que havia passado com ele. Dos maus, onde brigavam ou quando algo dava errado, e dos bons, sejam nos momentos de amizade, quanto nos de quase namoro. E doía, porque pensava também no que ele jamais teria. O que Neji jamais teria? O rapaz jamais se casaria, jamais veria seus filhos, jamais veria o dia em que o clã Hyuuga seria mudado pelas suas próprias mãos, o dia em que seria chamado de tio – ou pai – pela primeira vez. Era uma lista tão longa que machucava seu coração e abria feridas cicatrizadas, ou que ainda estavam enfaixadas.

Tenten ainda estava no meio da rua, completamente imóvel e as pessoas a contornavam, com mercadorias ou simplesmente com elas mesmas, mas então, sem perceber, a menina sentiu algo quente escorrer na bochecha. Pensando em tudo aquilo, coisas que a torturaram por anos seguidos, lágrimas brotaram em seus olhos e aos poucos o gosto salgado – o qual reconhecia bem – na boca. No fim, enquanto corria rua afora, apenas uma pergunta ficou na sua cabeça: o que ela estava fazendo ali, parada e cheia de dúvidas? Tenten tinha a chance de vê-lo de novo e quando quisesse, e estava perdendo aqueles momentos com pensamentos e questionamentos tolos e insignificantes. A importância de tudo ao seu redor diminuiu a quase zero enquanto lembrava do sentimento de ter em mente que Neji jamais voltaria.

Mas agora ele estava de volta, e Tenten arrumaria um jeito de tê-lo por perto novamente.

 

Várias horas depois, Sarada adormeceu sentada no divã que tinha no seu quarto. Não havia sequer trocado de roupa, mas quando acordou não se deu mais o trabalho. Tomou banho sem sequer abrir as cortinas, não queria saber se era dia ou noite, porque pouco importava. Os acontecimentos do dia anterior, mesmo depois de uma noite completa de sono, não a abandonavam. Depois de vários minutos pensando sobre isso no banho, ao sair dele, pronta e jogada em cima da cama inalterada, Sarada criou uma teoria nada educada sobre Ayumi.

A garota era uma peste, que Sarada só havia visto – literalmente – duas vezes na vida, mas nas duas, havia tirado péssimas conclusões sobre a jovem. Era aquela pedra que entrava no sapato no momento mais inoportuno e não importa o quanto você balance a perna, ela não saia. Ayumi era um pesadelo.

Claro, Sarada não tinha compromisso nenhum com Boruto, e ainda não entendia muito bem o que sentia nem como lidar com isso, mas só sabia que sentir aquilo era ruim. Não queria se sentir daquela forma, principalmente por conta de uma garota que ela não conhecia.

Sarada andava muito irritadiça ultimamente. Não queria que sua personalidade mudasse para pior daquela forma por conta de uma menina que jamais faria diferença na sua vida.

Enquanto rolava na cama, desocupada e pensando em coisas desagradáveis, um barulho soou no quarto de Sarada. Sem sequer esperar que ela respondesse, a porta se abriu. A menina não podia ver quem entrava, mas uma voz suave e baixinha chamou seu nome.

— Sarada? – a voz repetiu. – É o Mitsuki. Você está acordada? É sobre o Boruto.

Sarada se irritou novamente por conta do palpitar que seu coração deu. Apesar do que havia acontecido, ela ainda se preocupava, tinha que admitir – o que, obviamente, só a irritava ainda mais.

Ela levantou a cabeça.

— O que houve?

— O Boruto acordou. As enfermeiras me disseram que era para te chamar assim que ele acordasse. – Mitsuki deu um sorrisinho simpático.

Sarada sentou, tateando a cama a procura dos seus óculos.

— Desde quando você é garoto de recados, Mitsuki? – perguntou Sarada de forma provocativa, enquanto mantinha-se procurando, até finalmente achar.

— Eu não sou garoto de recados, eu apenas estava de vigília e me pediram um favor que eu escolhi atender. – sua voz era de completo ultraje.

— Sim, sim. – Sarada foi levantando distraidamente, apalpando suas mãos no ar, para não bater em nada, se guiando usando somente com a luz que vinha da porta entreaberta, o quarto em escuridão completa.

— Além do mais, - adicionou Mitsuki sorrateiramente. – Boruto pediu para ver você.

Ao ouvir aquilo, Sarada bateu a canela na cama, e um som que pareceu um cachorro chorando saiu da sua boca. Ela não sabia dizer se o som era resultado da dor de bater a canela na quina da cama ou de ouvir que Boruto queria vê-la.

— Na verdade, - completou Mitsuki, como se Sarada já não estivesse prestes a se enforcar com as persianas. – a primeira coisa que ele falou quando acordou foi que queria falar com você.

— Eu já entendi que estou sendo urgentemente requisitada, obrigada. – disse com amargura, porém Mitsuki parecia completamente satisfeito consigo mesmo enquanto caminhavam em direção ao quarto de Boruto.

Quando estavam quase chegando lá, apenas a alguns metros de distância, Sarada desacelerou o passo e Mitsuki percebeu aquele suave movimento. Ele acompanhou seu passo, revezando o olhar entre ela e a porta no final do corredor. Do nada, o menino riu alto. Mitsuki esticou o rosto até a nuca de Sarada logo em seguida.

— Ayumi não está lá. – ele disse, sussurrando em seu ouvido. – Foi a você que ele chamou quando acordou.

Sarada não disse nada, apenas olhou para Mitsuki e sorriu junto com ele, mesmo sem saber exatamente o que aquilo significava.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo sai no fim de semana, espero que tenham gostado, até o próximo :>



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