Enquanto for poesia escrita por daddysaidno


Capítulo 1
Um solo em dueto


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!
Essa é a primeira vez que participo do DeLiPa e foi bem interessante. Além do incentivo (eu não estaria postando esse mês se não fosse pelo prazo), me tirou da zona de conforto pra escrever sobre um poema que eu nem sequer conhecia.
Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/692598/chapter/1

Um synthpop soava ao fundo enquanto a banda da vez ajustava seus instrumentos no pequeno palco do Alice. Dominique entrou pelas portas duplas do pub e atravessou o salão com calma, observando as pessoas e suas conversas animadas, até reconhecer seus amigos numa mesa próxima ao palco.

— Achei que não viria mais — Helena reclamou ao vê-lo se aproximar, e os presentes na pequena mesa de metal viraram em sua direção —, sabe que horas são?

— Desculpa! Fiquei preso com minha mãe — justificou enquanto puxava uma cadeira para juntar-se a eles.

— Pelo menos não vai perder a segunda banda — Lucas cochichou aproximando-se, e apontou com a cabeça pro palco —, olha aquele guitarrista.

Dominique olhou pro grupo e encontrou um moreno baixinho com uma LTD vermelha nas mãos, até bonito, e riu do amigo que mordia os lábios numa expressão erótica pro músico. 

— É bom cair em cima antes que alguém o faça — Dominique avisou.

— Eu não tenho chance.

— Não tem mesmo — Helena concordou.

O som das cordas da guitarra dele soou antes que uma voz rouca trouxesse Killed by love, e todo o bar acompanhou a letra. Calmamente, seus dedos deslizavam e trotavam entre as notas, de olhos fechados e expressão calma, até que sorriu durante o refrão. Seus dentes pequenos se mostraram por trás dos lábios bem desenhados.

Dominique se pegou acompanhando os movimentos dele enquanto a música calma cedia lugar ao velho glam rock, hipnotizado pela mudança de cor do seu rosto sob os holofotes coloridos, seus sorrisos contidos ao representar um solo e os momentos em que fechava os olhos para apreciar somente a música que tirava daquela guitarra. Até que seus olhos encontraram os olhos escuros dele. Não durou mais que alguns segundos, mas foi o suficiente para deixar sua cabeça em chamas.

— Cerveja? — Lucas perguntou e o serviu sem esperar uma resposta. A cerveja gelada espumou no copo e o único momento em que Dominique tirou os olhos do rapaz sobre o palco foi para virar a bebida na boca. 

Antes da quarta música, já estava imaginando que armação inventaria para encontrá-lo fora do palco, e o que diria quando se esbarrassem, o que inventaria para descobrir seu nome e convidá-lo para uma dose. Sua pele parecia gelar sob a ansiosa perspectiva de se aproximar. 

Quando acabassem a apresentação e ele estivesse guardando seu instrumento, provavelmente Dominique tropeçaria nos fios e pediria desculpas, uma deixa para elogiar a performance da banda. Diria seu nome e descobriria o dele. ''Victor'' inventou e o imaginou dizendo, ''é um prazer''

— Você bebe? — Dominique perguntaria, e ele responderia que sim. Beberiam algumas juntos, e no fim da noite, um convite para a casa dele, que Dominique aceitaria. 

Depois de ruas escuras e um elevador, chegariam ao apartamento apertado cheirando a cigarros que Victor provavelmente não gosta de arrumar. Ao tirar peça por peça, de pé na frente do convidado, sorriria e o incitaria a se aproximar. Dominique não resistiria, enclausurado no seu sorriso de dentes pequenos e lábios finos. Deitariam na mesma cama e dividiriam as peles, entre risos e carinhos, até de manhã. Acordariam com os cheiros trocados, que permaneceria vivo pelo resto do dia, até a primeira ligação.

Não levaria nem sete dias para que Dominique estivesse de volta àquele apartamento, nem trinta para que começasse a passar seus dias lá. E estaria preso num mar de diferenças — aquele amontoado de novidades pelas quais você se apaixona —, desde os cigarros mentolados ao calibre das cordas da guitarra vermelha. Fumaria até estar com o cheiro de menta impregnado nos cabelos e esfolaria a ponta dos dedos na LTD tentando entender o sentimento que trazia à tona os pequenos dentes de Victor durante os solos.

Dominique o apresentaria a seus livros para que passassem as noites misturando Depeche Mode e Victor Hugo, dividindo o mesmo copo de café e trocando os chinelos. Um fecharia as cortinas quando deitassem para que o outro as abrisse pela manhã.  

Haveria pizza à noite, quando chegassem cansados do trabalho, e cerveja quando Victor fosse tocar em algum bar. Haveria beijo de bom dia, ovos e nó na gravata. Criariam uma música chamada Dominique, que o faria brilhar como nunca ninguém fez. E, quando o dinheiro não desse, viveriam ao avesso até dar. Os dias flutuariam calmos e fartos enquanto a poesia durasse.

E de bom dia em bom dia, o boa noite não viria. O cansaço do trabalho abriria metros de distância na cama, sem que seus corpos ansiassem um pelo outro, e o riso de dentes pequenos custaria caro demais para os bolsos pequenos de Dominique. Nem o perfume preferido chamaria sua atenção, nem o cheiro de menta, nem Killed by love, e o dia perderia metade de suas horas. 

Os dedos de Dominique batucariam sobre a mesa, ansiosos e consternados, quando Victor se atrasasse, e nenhum esclarecimento seria consolo. A cama pareceria king size quando passassem a dormir de costas um pro outro, assim seria inverno o ano inteiro. Seria inverno até que não fosse mais — até que não houvesse acorde nem espuma no copo, os refletores se apagassem e todo mundo deixasse o bar.

De amores pré-pagos Dominique decidiu que não precisava. 

Quando os aplausos discretos anunciaram o fim da apresentação, um sorriso aflito emoldurou seus lábios. Tomou o último copo e decidiu que não tropeçaria em fio nenhum, e assim evitaria qualquer desconsolo. Observou-o enrolando os cabos da guitarra vermelha e deixando o palco em direção ao bar, os dentes pequenos espalhando cumprimentos em sorrisos. 

Levantou da mesa, ignorando os questionamentos de seus amigos, desviou do olhar curioso do guitarrista e saiu pela porta do Alice para as ruas escuras que atravessaria sozinho até chegar em casa, imaginando o cheiro de menta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Provavelmente eu não escreveria uma coisa tão abstrata (posso usar essa palavra?) por conta própria, mas fiquei muuuito encantada com a proposta do poema e acho que consegui seguir o caminho que eu queria com ele.
Fiquem livres para criticar. Espero que tenham gostado e agradeço a quem leu ♥