Os dois garotos voltavam da escola, o céu nublado anunciando a futura tempestade. O ar estava gélido, e Watanuki tremeu de leve. Estava frio demais, e talvez o inverno chegasse mais cedo naquele ano. Uma brisa congelante passou pelos garotos, fazendo o menino de óculos praguejar.

—Maldita Yuuko! Aquela bruxa velha e alcoólatra! “Vá buscar o sake que eu encomendei”, ela disse! “O tempo vai estar bom”, ela disse! E ainda me obrigou a vir com você, porque o lugar é no quinto dos infernos! Ah! Eu não mereço!

Doumeki tampou os ouvidos, segurando-se para não sorrir diante do ataque do outro. Podia não admitir, mas achava adorável quando o ajudante da loja de desejos se comportava assim. Uma brisa gelada passou pelos dois, e novamente Watanuki estremeceu. Dessa vez o arqueiro se aproximou, tirando o casaco pesado e colocando-o sobre os ombros do outro. O garoto ia reclamar, mas se calou quando sua mão foi tomada por outra maior e quente.

Há algum tempo, a relação entre os dois estava diferente, mais profunda e… complexa. As negações diminuíram, os bentos passaram a vir com mais frequência, e os encontros se estendiam até depois da escola. O garoto de óculos não tinha admitido nada, mas qualquer um que os visse naquela tarde gelada, o menor com um casaco várias vezes maior que ele, as mãos dos dois unidas, o olhar terno e protetor com que o arqueiro o observava, desconfiaria de que algo estava acontecendo.

Bem, talvez estivesse.

A ruas começaram a ficar menos iluminadas, e Watanuki suspirou. Por algum motivo, vinha fazendo isso várias vezes nos últimos dias. Também falava e reclamava menos, e parou de provocar Doumeki com suas declarações idiotas para Himawari. O arqueiro sentia que algo estava errado, muito errado, mas não era capaz de dizer o que. Pressentia que algo ruim iria acontecer, mas não queria acreditar nisso. Depois de tudo que os dois tinham passado, o mínimo que os dois poderiam ter era um longo período de paz, sem problemas inexplicáveis e feridas profundas. Mesmo assim, depois que Watanuki pisou em uma poça de lama, se sujando até a barra da calça, e só fez uma careta, permanecendo em silêncio, Doumeki ficou realmente preocupado.

—Hey – chamou a atenção do outro, esperando pacientemente que o garoto de óculos o encarasse.

—Não me chame de “hey” – reclamou irritado – Eu tenho um nome –parou por um momento, a careta indo embora – É Wa-ta-nu-ki – separou – Entendeu? Wa-ta-nu-ki!

O arqueiro revirou os olhos. Por dentro se sentia um pouco mais calmo, mas ainda se incomodava com as atitudes estranhas do garoto. Respirou fundo, perguntando depois de um tempo:

—O que aconteceu?

Watanuki se surpreendeu, logo após dando um pequeno sorriso. O moreno sempre foi assim, direto, sério, falava tudo sem rodeios. Talvez fosse por isso que ele… Balançou a cabeça, se concentrando no que o outro havia perguntado antes que começasse a corar. Sentiu um nó na garganta, mas quando Doumeki apertou de leve sua mão, percebeu que era a hora de contar tudo.

—Você acredita em hitsuzen? –perguntou simplesmente, encarando o horizonte.

—Não – respondeu imediatamente – Mas porque isso agora?

Então Watanuki sorriu do mesmo jeito que Yuuko tinha sorrido quando deu o anel a uma garota, mesmo sabendo do seu fim trágico. Não era um sorriso realmente feliz. Naquele dia, o sorriso de Yuuko tinha sido pesaroso, como se estivesse carregando nos ombros a responsabilidades de fazer com que a garota parasse com o seu mau-hábito, mas soubesse que ela não iria parar. Era tão vazio e dolorido…

—Watanuki! –Doumeki arregalou os olhos.

Aquela expressão não era do seu garoto. Podia ser da Bruxa Tridimensional, mas nunca deveria ser a de Watanuki. Não era certo…

—Ontem, uma pessoa foi na loja – o ajudante contou, encarando o chão - Ela queria saber com quem passaria o resto da sua vida, queria saber se era o seu namorado atual – parou de falar.

Doumeki continuou olhando-o, esperando a continuação. O ajudante da loja de desejos se calou, encarando o chão. Realmente, tudo aquilo estava muito estranho.

—Yuuko realizou o desejo – disse depois de um tempo.

O silêncio voltou a preencher o lugar.

—E o preço? – o moreno perguntou, cansado de esperar.

—Já estava pago – O sorriso melancólico se foi, e uma aura negra rodeou o garoto – Ela morreu na mesma noite, depois de ter saído da loja, num acidente de moto com o rapaz da previsão. Passou o resto da sua vida com ele…

Doumeki engoliu em seco. Aquilo era… Macabro demais.

—Por isso, acho que tudo é hitsuzen –concluiu o garoto de óculos.

Calaram-se.

—Não acho que seja assim – o outro falou depois de um tempo – Ela escolheu sair aquela noite. E se você pode escolher, é porque não está selado – calou-se novamente, olhando para o céu que escurecia aos poucos – Mas por que você está preocupado com isso agora?

Watanuki olhou para o lado, sem jeito.

—Eu… perguntei a Yuuko sobre o meu… Sobre o nosso futuro.

Os dois coraram. Mesmo não acreditando em destino, Doumeki estremeceu.

—O que… Qual foi o resultado?

Watanuki se calou. O arqueiro repetiu, nervoso. Houve mais um suspiro, e depois o veredicto:

—Morte.

Silêncio. Watanuki se preparou para levar um fora, e fechou os olhos com força.

—Eu não dou a mínima – Doumeki falou por fim – Nunca vou deixar te machucarem. Podem ser sombras, fantasmas ou qualquer porcaria dessas, mas nunca vão te ferir. Então está tudo bem.

—Idiota! – gritou, tentando para de corar – E se algo acontecer com você?!

—Não vai.

—Como você pode saber?!

—Porque eu tenho que estar vivo pra te proteger – e roubou um beijo do garoto.