Um conto cinza escrita por Waver


Capítulo 6
Um dia de execução




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O herdeiro do segundo trono esperou. Repousou em seu trono durante tanto o dia quanto a noite que se seguiram, com suas pernas fracas demais para suportá-lo em pé. O mesmo olhar perdido ainda reinava sobre seu rosto apreensivo. Sua preocupação era tanta que ele nem mesmo a sentia, havia se acostumado. Nas últimas horas se tornou, por completo, egoísta. Sua família não tinha mais espaço em sua cabeça. Confinados, como um tesouro, nos confins de seu próprio lar, cabia a Darius defender o que era seu. O homem enferrujado sempre soube o quão fútil esse pensamento era. Acima de seu tesouro, ele temia por sua própria tortura. A espada bastarda, agora feita de apoio, era tão inútil quanto a esperança. Os seis badalares já haviam tocado uma vez mais, e o Executor estava vindo. Ele sentia e ouvia os passos, mesmo a incontáveis metros de distância. O Executor estava vindo.

Tambores fracos e instrumentos defeituosos tocaram, sem um único músico para manejá-los. A solidão foi então convidada para apresentar-se e assim o fez. As vinhas apodreceram e morreram, se desfazendo em pó, quando o medo e insanidade se uniram, dando à luz a um novo sentimento deformado. As aves gemeram de dor, todas mortas antes de alçar voo. Os passos ecoavam veemente, cada vez mais altos, cada vez mais pesados. Foi com terror escancarado em sua face, que Darius viu o cadáver putrefato de seu pai atravessar os portões, portando a decepção em seu rosto.

Assim que seu pai passou pelo portão, o enorme mosaico de vidro, que ficava por trás do trono, se rompeu com uma trovoada. Dois enormes abutres fizeram seu caminho para dentro, um descendo ao lado de Darius e outro repousando por cima de um pilar rachado. Teve início, então, o ladro bruto de cães de caça, ao longe.        

Darius atreveu-se a olhar para o abutre ao seu lado, que abriu seu medonho bico e contou-lhe histórias. Denominou-se como Passado, antes de relatar sobre aqueles que já se foram. Narrou tragédias sobre outros, sobre seus amigos. Enquanto os ouvia, o outro abutre grunhia “Mate-se! Mate-se! ”, e Darius se sentiu dez anos mais velho. Sem que os contos terminassem, o homem sobre o trono sentiu sua carne desgrudar dos ossos e desejou provar da própria pele. Ao cravar as unhas na mão macia e sem cicatrizes, notou que soltava fácil, como um pássaro assado. Os cães urravam tão alto que os cacos de vidro vibraram. Assim que o primeiro abutre se calou, o segundo denominou-se Futuro. Darius não teve forças para ouvi-lo e, ao invés disso, encarou seu pai, que permanecia com o mesmo semblante, parado no centro do salão. Se sentia disforme, assim como o ferro liquefeito de uma forja.

No fundo, Darius sabia que este não era seu pai. O Executor já foi alguém antes, e o homem enferrujado conseguia enxergar suas antigas feições, quase se sobrepondo a miragem de seu antepassado. Dois fantasmas estavam a sua frente, mas Darius nada tinha a dizer.

Para o homem no trono, foi como se tivesse se passado anos. Anos a encarar os mortos, enquanto ouvia o Futuro, empoleirado sobre o pilar partido, descrevendo o que viria a seguir. Os latidos, que se aproximavam, famintos, eram ensurdecedores. Assim que Darius, com as próprias unhas, arrancou parte de sua pele e satisfez sua vontade, o abutre se calou, como se estivesse preocupado. As duas aves então urraram e voaram para longe, aterrorizadas. Somem pelo mesmo lugar que entraram, voando até que o farfalhar de suas enormes asas negras não mais pudesse ser ouvido. Darius vê o rosto de decepção dar lugar a preocupação e, logo em seguida, o cadáver de seu pai se juntar ao pó das vinhas, se desfazendo por completo. A verdadeira face do Executor encarou Darius, com olhos perturbados.

O teto, portador da glória dos Signord, se rompe e os escombros caem sobre todas as coisas. A duradoura lua vence a névoa sombria, e ilumina com sua luz fúnebre. Cães de caça estouram pelos portões, famintos, em busca de sua presa prometida. As feras asquerosas dão início a seu banquete, destroçando tudo o que podiam do ser que estava em pé no centro do salão arruinado. O homem do trono via, incrédulo, o teatro trágico se desenrolar e compreende que os abutres mentem. Os dentes cravavam no Executor como se lá houvessem carne e ossos. Desmembraram-no e brincaram com o que sobrou, arrastando-o por entre os pilares, esmagando com suas patas. O ladrar das criaturas era feroz e esganiçado, e Darius poderia jurar que os ouviu rir. Por fim, devoraram as sobras e sumiram por entre os vãos das paredes, tão rápido quanto entraram.

E esse foi o dia de execução, mas não para Darius Signord. A morte voltou para buscar, uma vez mais, Elbadur Van Evergold, o maldito Executor.


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