A biblioteca estava silenciosa, do jeito que deveria ser, a velha bibliotecária Ann estava lendo um romance policial recente, alguns estudantes estavam sentados nas grandes mesas redondas que ficavam entre as prateleiras, alguns grupos estavam estudando, outros fazendo trabalhos e conversando no mínimo volume possível, todos eles sabiam o quanto a bibliotecária era brava, e não tolerava barulho naquele local sacrossanto.

Megurine estava sentada sozinha em uma mesa consideravelmente menor que as dos estudantes, a mesa estava cheia com seu material para as aulas que ministraria mais tarde, ela tinha trazido consigo uma pequena xícara de café que pegara da ala reservada para os professores na biblioteca, a mesma ala possuía um espaço especial para os docentes, porém ela gostava de estar entre os estudantes, a cada cinco minutos ela era interrompida por um, que vinha á procura de informações sobre a disciplina ou somente perguntar sobre o currículo dela.

Mas esse não era somente um dos motivos por ela estar na ala dos estudantes da biblioteca, daquela pequena mesa ela tinha a visão perfeita da nova docente que havia chegado há dois meses à faculdade de Toronto, ela estava de pé perto da porta de saída da biblioteca e conversava animadamente – porém num tom baixo – com uma aluna da graduação, que Luka supôs que era uma de suas alunas, a professora novata estava se dando bem com os alunos, afinal, ela era bem jovem, porém muito experiente.

Luka já havia conversado com ela e lhe dado algumas dicas sobre a faculdade, elas almoçavam juntas ás vezes, acompanhadas de outros professores, a novata era um tanto tímida, porém tinha um sorriso cativante, e quando Megurine se deu conta, já estava totalmente atraída por ela.

Megurine nunca se considerou tímida, ela tinha total convicção do que fazia e nunca foi difícil chegar em outras moças quando queria, porém, como todo bom clichê romântico, aquela vez parecia diferente, ela se sentia insegura perto de Miku Hatsune, não sabia se ficava tímida ou impressionada pela beleza da novata, ou se sentia que aquilo ia mais além do que uma simples atração.

Fosse o que fosse, Luka não ficaria parada.

Assim que Miku finalizara a conversa com a aluna, ela se virou rapidamente para dar uma olhada na biblioteca, Luka imaginara que ela estivesse procurando algum aluno que talvez precisasse de sua instrução, assim que seus olhos esverdeados pararam em Luka, a mesma levantou a mão, imitando um aluno que quisesse fazer uma pergunta, o gesto fizera Miku rir, ela então foi em direção á mesa onde Luka estava sentada.

O coração de Luka batia no ritmo dos saltos de Miku.

— Boa tarde professora Megurine. – Miku disse com um tom risonho.

— Boa tarde professora Hatsune. – Luka mostrou um sorriso.

— Então, precisa de minha ajuda?

— Ah, não, eu só queria fazer uma gracinha mesmo para ganhar um sorriso. – Luka disse deliberadamente e ganhou outra risadinha.

— Atingiu seu objetivo do dia então, Luka? – Miku perguntou, as bochechas ficaram vermelhas.

— Ainda não. – Luka lhe deu uma piscadela.

Luka temia estar sendo agressiva demais, porém todos que a conheciam sabiam que ela era assim, e ela presumira que a novata já havia ouvido falar do jeito galante da professora Megurine, e, é claro, de sua opção sexual, porém Luka não sabia muita coisa sobre Miku, mas presumira que como ela ainda não tinha dito nada sobre suas cantadas, ela também poderia estar interessada em algo com uma mulher.

Era um tiro no escuro, mas valia a tentativa.

— Então, sei que somos colegas, mas ainda não sei muito sobre você, tirando o fato de que você adora comida mexicana. – Luka disse, iniciando uma conversa.

— É verdade... – Miku riu com o comentário. – Eu realmente adoro comida mexicana, mas essa é uma questão muito vaga, eu gosto de muitas coisas, quer que eu simplesmente solte tudo?

— Acho que podemos fazer algo melhor, que tal irmos até a cafeteria do campus, e eu lhe faço um interrogatório digno de uma advogada? – Luka sugeriu.

— Acho uma ótima opção. – Miku respondeu sorridente.

♥

— E foi basicamente isso, agora você vai achar que eu tive que fugir para o Canadá! – Miku disse entre risinhos, pausando para tomar um gole de café.

— Claro que não, é totalmente normal as pessoas estragarem a festa de noivado do irmão e irem pra outro país logo em seguida! – Luka disse dando gargalhadas.

— Ele se casou, então não teve problema! Ele só tem ciúmes de mim agora... – Miku disse um tanto envergonhada.

— Eu não acredito que não havia contado pro seu irmão que já tinha ficado com a noiva dele! É a regra dos irmãos! Não se casa com o ex do outro! – Luka exclamou.

— Ah Luka, tente entender, meus pais não sabiam da minha sexualidade, ele muito menos! Sempre fomos ligados, e ele estava tão apaixonado por ela! – Miku disse.

— E você também estava! Não me diga que abdicou de tudo por isso!

— Ele era meu irmão, e, além do mais, ela que me largou, os dois se merecem! – Miku exclamou enquanto ria.

Luka ofereceu um sorriso reconfortante para Miku, que ficou em silêncio depois de contar a história mais vergonhosa de sua vida, Megurine podia até ter achado a história divertida, mas sentia pena de Miku, que ainda deveria estar sofrendo pelo antigo amor, e se encontrava num fogo cruzado, escolhendo a felicidade do irmão em vez da sua, e tendo de se afastar da família por isso.

Ela não poderia entender o que é sacrificar a própria felicidade, mas entendia a saudade da família.

— Seus pais entenderam bem? – Luka perguntou.

— Meu pai disse que não se importava com a minha sexualidade, eu tinha um diploma e as melhores referências que podia ter, ele se orgulha de mim, mas minha mãe... Ela sempre quis netos, e meu irmão é estéril, ela acha que porque gosto de mulheres não poderei lhe dar netos, e, acredite em mim, já tentei explicar á ela que eu posso sim, mas... – Miku soltou um suspiro, – Não adianta brigar com os mais velhos.

Luka permaneceu em silêncio, mesmo entendo a situação, ainda era difícil confortar alguém que estivesse passando por isso, ainda mais alguém que ela estava gostando, a professora sempre tivera as palavras certas na ponta da língua, porém, naquele dia, o silêncio foi seu melhor amigo.

Os olhos de Miku pareciam tristes, do jeito que ficam quando nos lembramos de algo que nos chateia, o esverdeado vibrante deu lugar á um mais ameno, mais calmo e tristonho, calmamente, Luka pousou sua mão sobre a de Miku, e, como um gesto de reconforto, acariciou-a, Miku esboçou um sorriso de canto, devolvendo o afeto sutilmente.

O gesto de Luka mudara completamente a feição de Miku que, soltando um breve suspiro, devolveu o ar carismático ao rosto, e deu uma piscadela para Megurine.

— Que tal pedirmos mais um café e irmos para o Instituto de Advocacia? Acho que você ainda não foi visitar lá. – Luka sugeriu, exibindo um sorriso amigável no rosto.

— Claro!

Megurine fez um sinal para o garçom mais próximo, que anotou o pedido da mesa em que estava e se dirigiu á mesa das professoras, o jovem era um dos alunos da classe do terceiro semestre de Luka.

— Boa tarde, querem fechar já? – O menino perguntou.

— Antes eu quero mais um expresso... – Luka apontou para a xícara vazia. – E ela vai querer...?

— Um caramel macchìato, por favor. – Miku disse sorridente.

— Coloca na minha conta. – Luka finalizou o pedido, o menino sorriu para as duas e saiu rapidamente.

— Deixe que eu pago, Luka. – Miku disse em um tom constrangido.

— Não se preocupe com isso, considere uma troca de favores. – Luka sorriu animadamente, fazendo Miku rir.

— E o que eu posso fazer em troca por você? – Miku perguntou.

— Poderia aceitar ir jantar comigo na sexta-feira, conheço um ótimo restaurante mexicano no centro... – Luka disse, tentando fingir que não estava nervosa.

O rosto de Miku se aqueceu quase no mesmo segundo e ela não pode evitar a vermelhidão, o convite lhe pegou de surpresa, porém o que mais lhe deixou chocada era o fato de como tinha se deixado seduzir tão facilmente por Luka Megurine, ela quase cômico.

Sem rodeios, Miku ofereceu um sorriso animador.

— Eu adoraria!