Wash It All Away escrita por Stormborn


Capítulo 1
Hands


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Quando Hatake Kakashi pôs pela primeira vez os olhos em Rin, ele não sentiu nada.

Ele apenas se perguntara – sem nenhum pingo de real interesse – o que uma garota com um sorriso tão genuíno daquele fazia na Academia Ninja. Ele teve vontade de manda-la sair daquele lugar, de colocar em sua cabeça que aquele estilo de vida não era brincadeira e que tiraria sua felicidade e motivo para sorrir pouco a pouco.

Mas Kakashi não se importava.

Ele continuou a andar em direção a sua sala de aula sem voltar a prestar atenção às pessoas ao seu redor.

O garoto não chegou a pensar novamente em Rin até que o nome dela fora anunciado juntamente com o seu e o de Uchiha Obito com membros do mesmo time genin. Kakashi sabia do procedimento de emparelhamento e balanceamento de equipes, mas com toda a honestidade, ele se sentia tão distante de sua própria realidade que não o surpreenderia se o tivessem designado como ninja solo.

Kakashi não esboçou reação alguma, entretanto, com o anúncio de seu sensei.

Ele havia sido colocado junto com o pior aluno da turma, o que deveria tê-lo deixado no mínimo frustrado. Mas o Hatake sabia ler nas entrelinhas; esse era só mais um jeito de dizerem que ele era o melhor. E era isso o que importava.

Ele não tinha nenhuma informação relevante da garota que seria sua companheira também.

Kakashi só sabia que ela aparentemente gostava de distribuir sorrisos para qualquer um que passasse por ela no corredor – inclusive ele – e que ela tinha a tendência de lhe lançar olhares inquisitivos quando achava que ele estava muito imerso na explicação da matéria.

Mas Kakashi nunca estava realmente prestando atenção.

Assim como ele nunca dera bola para Rin, seus olhares que pouco lhe interessavam.

A classe foi dispensada pela última vez e Kakashi só conseguia pensar que não sentiria falta daquele lugar. Ele vocalizara isso uma vez para seu grupo seleto de colegas, apenas para perceber que eles só se surpreenderiam se o mascarado falasse o contrário. Kurenai fora a única a colocar uma mão em sua cabeça em um simples gesto de compreensão.

Kakashi em momento algum se sentira propenso a sentir falta dos companheiros tampouco. Ele sabia que os cinco, Guy e Iruka inclusos, tornariam a se ver constantemente como shinobi da Vila da Folha.

E agora ele teria de incluir mais duas pessoas – três, se contasse com o futuro professor – a sua seleta lista de relações pessoais. Kakashi não era ingênuo de achar que poderia estar em um time sem se envolver minimamente com os membros e esperar que as missões se desenrolassem de forma satisfatória.

O ninja estava sentado à sombra de uma das enormes árvores do terreno da Academia quando notou Rin e Obito se aproximando dele. Eles já se conheciam e mostravam certa proximidade pelo modo como a garota o arrastava pela mão, Kakashi observou.

A julgar pelo tom de vermelho das bochechas de Obito, ele gostava de Rin.

Kakashi questionou-se sobre quão comprometida a dinâmica de grupo ficaria por causa disso.

Eles pararam de andar a alguns passos respeitosos de distância.

— Ei, Kakashi. Você saiu tão rápido que nem me deu tempo de falar alguma coisa na sala. — Ele olhou para Rin, olhos grandes e brilhantes e o sorriso intacto no rosto.

— Foi mal. — Mas não havia sinceridade em sua voz, ela apenas indicava indiferença.

Uchiha Obito remexeu-se desconfortavelmente ao lado da amiga. Ela apertou sua mão ainda conectada a dela e pareceu fazer evaporar toda e qualquer tensão do corpo do menino, justo quando Kakashi estava tão certo de que ele iria fazer algum comentário afiado.

Curioso.

O olhar vago do Hatake repousava sutilmente nas mãos dadas.

— Estamos no mesmo time, ahn. Quem diria... — Rin ajeitou uma mecha de cabelo solto. — Mas eu estou feliz com isso, assim podemos nos conhecer melhor.

O moreno bufou em irritação. Kakashi ignorou.

Rin, aparentemente, era a única dos dois que tinha educação para sustentar uma interação agradável.

— Parece que sim. — Ele esticou a mão direita. — Hatake Kakashi.

Os dois amigos exibiram níveis de surpresa bem distintos. Rin abriu um sorriso satisfeito ao pegar em sua mão e sacudi-la de leve, contente que seus avanços e tentativa de socialização haviam lhe proporcionado resultados. O Uchiha o encarava como se Kakashi subitamente adquirira uma segunda cabeça.

— Nohara Rin. E esse é o Obito, Uchiha Obito.

Um toque era um toque e não havia nada de especial no ato em si que fizesse Kakashi franzir o cenho como ele fazia no momento. Ele não estava acostumado com contato, de fato – reduzindo-o ao necessário – mas não fora isso que o deixara inquieto de um minuto para o outro.

Não, havia algo em Rin que ele não conseguia decifrar, mas que conseguia penetrar sua pele e proporcionar uma coceira quase física.

Talvez, só talvez, fosse o fato dela ser gentil demais para aquele mundo.

Gentil demais para estar falando com ele, tocando-o.

Kakashi encerrou o gesto sem pensar duas vezes. Ele olhou para Obito, que por sua vez o encarava de um jeito estranho. Não era do modo ressentido e resignado de antes. Parecia que ele tinha visto alguma coisa nova em Kakashi que o fizeram tomar outra posição perante o mesmo.

O Hatake não quis dar muito pensamento a isso.

— Uhum, Uchiha Obito. — Ele reforçou. — O futuro Hokage de Konoha.

Suas mãos se tocaram e Kakashi não sentiu nada.

[...]

Kakashi não sabia como proceder inicialmente ao se dar conta de que se sentia incomodado com a relação de Obito e Rin.

Dois meses haviam se passado desde o nascimento do Time Minato – eles não gostavam de se identificar pelo número que lhes fora designado, muito comum e impessoal – e o shinobi tivera tempo e oportunidade de sobra para observar os dois interagindo. Não que ele fizesse por querer.

O shinobi ainda se interessava muito pouco por qualquer coisa que desviasse do foco missão e treinamento, mas ele descobrira recentemente que podia sentir uma pequena pontada de satisfação ao irritar o Uchiha de seu time. Ele então o fazia, numa frequência tão baixa que os outros julgavam que era apenas por fazer, que ele não tirava nenhum proveito emocional da experiência.

Mas para que conseguisse arremessar a pedra certa com a intensidade certa e no momento certo, Kakashi precisava observar e isso infelizmente incluía ouvir conversas e presenciar cenas que já começavam a lhe proporcionar uma alteração na expressão toda vez que ele entrava em contato com.

Kakashi achava que após todo o incidente envolvendo seu pai, ele dificilmente voltaria a ser suscetível a emoções tão banais e simples como as que seu time lhe fazia sentir. Ele não se sentia particularmente feliz com isso e até acabava por descontar seu temperamento em cima de todos, até mesmo de Minato.

Ele pensou em Obito, Rin e novamente em seu pai, chegando à conclusão que não gostava do ar de seu time porque ele chegava muito próximo da borda de não ser profissional. Eles eram muito íntimos, muito apegados e isso custaria alguma missão no futuro.

E Kakashi jamais permitiria isso.

Mas talvez, só talvez, ele estivesse criando caso onde não havia a necessidade de ter um. A única coisa que atrapalhava o desenvolvimento deles era o hábito inaceitável de Obito de chegar atrasado em todos os compromissos do time. Sensei e Rin passavam a mão em sua cabeça, mas ele nunca faria isso.

Se existiam regras elas deveriam ser seguidas.

Ponto final.

E talvez, ele voltou a pensar, o que ele não queria admitir nem na segurança de seu quarto e na solidão de seus pesares, era que Hatake Kakashi não gostava da proximidade de Obito e Rin porque ele ficava de fora dela.

Kakashi não ligava para conversar ou muito menos passar seu tempo com a ovelha negra do poderoso clã Uchiha. Mas Rin era uma história (quase) totalmente diferente. Ela fazia um bom trabalho de tentar aproximar seus dois companheiros, mas a garota não era do tipo que forçava o que não cabia a ela decidir.

Então ela se via presa entre uma pessoa que (quase) fazia questão de sua companhia – Kakashi ainda não se sentia disposto a admitir esse fato – mas que não a deixaria ficar sabendo disso por um bom tempo e outra que deixava bastante claro sua posição e seus sentimentos.

Não era difícil de entender porque Rin preferia passar a maior parte de seu tempo livre com Obito ao invés de Kakashi.

Mas não era fácil de engolir o bolo que se formava em sua garganta toda vez que o Hatake percebia que passaria mais uma tarde olhando para o nada.

[...]

Kakashi nunca chegara a ser próximo de Uchiha Obito até o fatídico dia de sua morte. Mas após quatro meses de existência do Time Minato, eles começaram a se suportar. Ou o mais próximo que eles chegariam disso sem o drama do campo de batalha os incentivando a finalmente uma interação “saudável”.

Os dois passaram a interagir e a estar numa distância consideravelmente pequena sem que o moreno fizesse uma careta ou Kakashi desistisse de tentar falar com Obito antes mesmo de se dar conta de que queria fazer isso. Rin passara a sorrir muito mais após esse grande avanço.

Kakashi precisava se lembrar todos os dias que não fizera isso por ela.

Mas parecia não funcionar em cem por cento das vezes.

— Fico feliz que você tenha dado uma chance para o Obito. — Rin soltou em uma tarde ensolarada enquanto curava um de seus ferimentos.

— Aa, não faz diferença. Se não acrescenta ou interfere nas missões para mim tanto faz.

Rin olhou para onde seu sensei disputava uma série de taijutsu com Obito e Kakashi seguiu seu olhar.

— Não faz mal se importar, Kakashi, você não precisa ter medo.

Ele a olhou de soslaio.

— Rin, não ache que você sabe de tudo.

Apesar de suas palavras apresentarem nenhum sinal de conforto, seu tom de voz estava longe de ser duro ou acusativo. Kakashi não era rude e talvez nunca conseguiria ser com Rin. Ele falava de um jeito inalterado, calmo e quase desleixado. Qualquer ouvinte menos atento poderia dizer que ele não se importava com o tópico.

Mas Rin não era qualquer pessoa.

— Eu estou longe de saber tudo. Mas não ache você que ninguém consegue ler através dessa sua fachada, Kakashi, porque eu consigo. — Ela o olhou então, quase o afogando na imensidão de sua determinação. — E eu conseguia muito antes de você saber meu nome.

Kakashi colocou sua total atenção na garota, quase sem saber o que fazer ou falar. Rin era tão doce e gentil, mas tão ávida e fatal que o Hatake se sentia desnorteado. Ele nunca conhecera ninguém como ela – não era como se ele falasse ou percebesse as pessoas também – e ele duvidava que a negação do contrário fosse verdade.

E, mesmo assim, ela parecia saber mais dele do que Kakashi conhecia dela.

Ele se sentiu incomodado, no mínimo.

Kakashi se viu subitamente desnivelado nesse campo de batalha.

[...]

O Time Minato era excepcional em suas missões e o Relâmpago Amarelo não protestou quando Kakashi fez o papel de lhe contar que os três se sentiam prontos para prestar o Exame Chuunin naquele ano, o mesmo de sua formação.

Minato entendia a necessidade de continuar seguindo em frente de Kakashi e julgou que ele daria o seu melhor para garantir que seus companheiros conseguiriam acompanhar seu ritmo durante os desafios e provas, mesmo que eles claramente não chegassem a seu nível.

O Namikaze estava errado.

Durante a segunda fase do teste, uma prova longa e exaustiva de sobrevivência entre os poucos que conseguiram passar da fase inicial, o local dos exames foi atacado por ninjas da Grama.

Eles estavam em período de guerra, mas ninguém realmente cogitou que os inimigos fossem alvejar meros gennin da Folha.

Obito e Rin se feriram durante uma investida combinada entre quatro shinobi. Kakashi apresentava cortes leves e superficiais e conseguiu derrotar dois deles sem muito esforço. Ele achou que seus companheiros dariam conta dos restantes e não piscou duas vezes antes de se concentrar somente na tarefa a sua frente.

Ele se arrependeu dessa decisão no momento em que foi de encontro ao local onde eles batalhavam.

Obito estava inconsciente e Rin se colocava ferozmente a sua frente, numa posição defensiva e ao mesmo tempo decidida de quem morreria tentando proteger seu melhor amigo. A kunoichi estava uma bagunça, visivelmente cansada e sem uma gota de chakra.

Ela não podia fazer nada contra o shinobi que caminhava predatoriamente em sua direção, claramente pronto para vingar seu companheiro agonizando mais ao extremo da arena.

Rin iria morrer se ele não se movesse rápido o suficiente para salvá-la.

E teria sido inteiramente sua culpa.

Hatake Kakashi pensou em seu pai enquanto corria ao encontro de sua companheira. Ele se lembrou da tristeza e da dor da perda. Ele se lembrou que não queria sentir a mesma coisa de novo.

Aquela sensação horrível de impotência.

Kakashi pegou uma kunai de sua bolsa de armas e jogou precisamente no ninja da Grama. Ele não pensou, apenas seguiu seus instintos e o sangue que latejava em sua cabeça e lhe gritava para fazer alguma coisa ou Rin morreria.

A kunai acertou a garganta do homem.

Ele parou e caiu morto no chão de concreto.

Kakashi não se importou com isso naquele momento, apenas correu até que suas pernas não aguentassem mais e cedessem, fazendo seus joelhos tocarem dolorosamente o chão. Ele estava perto de Rin, perto o suficiente para ouvir seu choro incontrolável e sua respiração entrecortada.

Ela não olhou para ele até que o Hatake levantou uma mão trêmula e a colocou nos cabelos castanhos e cobertos de sujeira de Rin. Seu toque era quase gentil e temeroso, como se não acreditasse que Rin estava viva, bem à sua frente e que ele podia tocá-la e sentir seu calor humano.

Kakashi sentiu alguma coisa em seu peito se contrair e apertar com tanta força que ele cedeu a vontade de puxá-la para si e colocar um braço ao seu redor, se dando conta de que Rin estava viva, que seu coração batia descompassadamente contra o seu tórax.

Ele salvara Nohara Rin.

E ele matara um shinobi para isso.

Kakashi não percebeu quando começou a chorar. Ele só sabia que já não era mais possível separar as respirações ofegantes dos dois e muito menos os soluços, as lágrimas. Parecia que eles eram um só ser, a mesma dor e o mesmo sofrimento somado ao mesmo alívio de estar vivo e nos braços de uma pessoa conhecida.

Ele sentiu sua companheira de time agarrar com punhos de ferro sua camisa azul.

Kakashi cedeu a mais uma vontade ao se deixar falar:

— Você estará sempre a salvo comigo.

[...]

A dinâmica entre os dois mudou significativamente após o Exame Chuunin.

Obito e Rin foram internados no Hospital Geral de Konoha e Kakashi não deixava de visitar os dois em seu tempo livre. O Uchiha se recuperava lentamente de uma lesão grave na cabeça e a kunoichi era mantida em monitoramento para acompanhar a evolução ou regresso de seu quadro psicológico.

Mas no geral, ela melhorou exponencialmente rápido e foi liberada sem muitas enrolações por parte da ala de atendimento. Afinal, eles tinham pacientes com casos mais graves para atender e se preocupar.

Kakashi tornou um hábito verificar sua companheira de time até mesmo quando ela ficou reclusa em seu quarto. Ele descobriu onde Rin morava através de sua ficha ninja e com a ajuda de Minato e passara a lhe atender visitas noturnas todos os dias, batendo em sua janela e esperando pacientemente até que ela abrisse e o recepcionasse.

Até que ela começou a deixar sua janela permanentemente aberta para ele.

Eles nunca chegaram a falar sobre o acontecido na grande Arena da Montanha e ambos sabiam que não era preciso. Tudo havia mudado e Kakashi se sentia confortável com isso. O jeito como Rin lhe olhava, tocava, tudo gritava para ele o que a garota sentia.

Ele se sentia grato por ser alvo de um sentimento tão puro.

Kakashi talvez não conseguisse retribuir da forma adequada ou da maneira que ela merecia – e ele tinha certeza que ela sequer sabia que seu amigo a via de uma forma especial – mas tentava lhe dar todo o conforto do mundo e nunca lhe faltar com o respeito ou trata-la mal.

Ele mantinha o tratamento especial para com Rin sob sigilo de seus outros colegas de time. Mas Minato era esperto e conseguia ver todas as suas ações. Certa vez, passado certo tempo da liberação de Obito do hospital e da retomada do time Time Minato as missões, o sensei chamou sua atenção.

— Kakashi, eu sei que você entende a relação do Obito com a Rin.

Ele olhou de soslaio para o louro.

— E eu aprecio que você considere isso.

Kakashi não estava entendendo o ponto e nem o motivo de toda o papo constrangedor.

— Obito gosta da Rin e ela gosta de você. É esperto esconder que você toma parte nesse triângulo para não arruinar o time.

O Hatake deu de ombros e olhou para Rin e Obito, deitados na grama e apontando com animosidade para as estrelas que revestiam o céu.

Kakashi nunca faria nada para prejudicar o time.

Missões e sua vida de shinobi eram uma prioridade.

E nem Rin mudaria isso.

[...]

Precisou que Uchiha Obito morresse para que Kakashi e Rin se entregassem um ao outro pela primeira vez.

Ele estava em sua casa, grande e vazia, revestida por todos os fantasmas do passado quando ouviu batidas em sua porta. Kakashi se sentia péssimo, esgotado e mal teve força de vontade para se levantar do futon e averiguar quem quer que estivesse o visitando.

Haviam se passado semanas desde o acontecimento fatídico. Ele seguira com a sua vida como shinobi normalmente, fazendo missões solo pelo bem de Konoha e nunca aceitando ser emparelhado com outras pessoas, nem mesmo Rin e Minato.

Kakashi, entretanto, passava todo o seu tempo livre visitando o tumulo de Obito ou definhando emocionalmente na solidão de seu quarto. Ele mal comia e falava com outras pessoas, acreditando que não era digno na companhia de shinobi tão bons e que o lembravam tanto de Obito.

Obito representava o fogo da Aldeia da Folha e não estava mais vivo.

Isso doía.

Kakashi abriu uma pequena fresta na porta de sua sala e se deparou com Rin. Não era a primeira vez que ela lhe visitava e em todas as outras vezes anteriores ele a dispensara com algumas palavras secas. Dessa vez, ele não reuniu coragem para fazer isso.

Algo em sua expressão quebrou o que restava do coração de Kakashi.

Ele abriu espaço para que a garota entrasse e ela o fez em silencio, sua estatura ainda mais diminuta pela tristeza e pesar. Rin aparentava fragilidade, como se um mero soprar de ventos fosse a derrubar violentamente no chão.

Kakashi não suportou olhar por muito tempo para sua amiga.

Eles ficaram num silencio desconfortável até que Rin suspirou, endireitando-se e fixando um olhar firme e sério em seu rosto. O Hatake tentou não ceder à pressão da garota, mas um toque de suas mãos pálidas e delicadas em seu rosto e sua guarda foi por água abaixo.

  Sua voz era rouca e irreconhecível quando Rin falou.

— Kakashi.

O shinobi fechou os olhos rapidamente, sentindo uma dor quase física.

Os dedos de Rin queimavam em contato com sua pele.

— Kakashi. — Ela repetiu, mais firme e decidida. — Por favor, não faz isso comigo.

Ele deu um passo para trás, querendo impor alguma distância física de Rin, já que não conseguia se manter emocionalmente distante. Ela, entretanto, o seguiu, sem interromper o contato.

Nohara Rin colocou a outra mão no rosto de Kakashi.

Seus olhos se abriram relutantemente.

— Não faz isso com você.

Os olhos de cor chocolate de Rin estavam trêmulos e desfocados, como se ela tivesse passado muito tempo chorando e agora se controlava para impedir novas lágrimas de caírem em seu rosto.

Seu cabelo antes tão bem cuidado perdera um pouco de sua vida e Kakashi estreitou os olhos com a visão.

Rin parecia tão acabada quanto ele, se não mais.

Ela mordeu o lábio inferior antes de circular seu pescoço com ambos os braços e enterrar o pescoço no vão entre sua cabeça e seu ombro. Kakashi não fez menção de parar o contato e ela tomou seu tempo em aproveitar da sensação.

Se fosse para ser completamente honesto, Hatake Kakashi precisava disso tanto quanto ela.

Ele demorou algum tempo para retribuir o abraço em si. Com certo cuidado, ele colocou uma mão dentro dos fios frizzados de Rin e outra em sua cintura coberta pela roupa que ele tanto adorava nela.

Kakashi sentia tanta faltava de Rin, do seu calor, do seu abraço, seu riso e sua felicidade.

E pensar que ele arriscara perder tudo isso por causa de uma missão.

Ele nunca se perdoaria por isso, nem se vivesse outras cem vidas para tentar se redimir. Kakashi se sentia tão, tão culpado. Tanto por Rin quanto por Obito.

Ele nunca mais seria o mesmo.

Kakashi sentiu os ombros de Rin se movendo levemente, espasmodicamente, e ele soube imediatamente que ela estava chorando. O Hatake engoliu em seco e apoiou o queixo na cabeça da kunoichi, tentando confortá-la tanto quanto tentava confortar a si mesmo.

Rin se separou um pouco de seu aperto e o olhou de forma penetrante.

Ele se lembrou do que ela falara naquele dia.

Ou pelo menos tentara.

Rin o amava, independentemente de suas escolhas e erros. Ela o amava, como Obito a amara.

O coração de Kakashi se apertou e ele não pensou ao fazer o que julgou ser a melhor forma de acalmar seus pensamentos e sentimentos.

Kakashi colocou seus lábios nos dela, com força. Não era um ato carinhoso ou gentil como ele sonhou em fazer infinitas vezes com ela. Era duro, guiado pelo instinto e pela vontade de conforto que ele sabia que não receberia com apenas um beijo.

Ele a beijou por Obito, que nunca poderia fazer isso.

Ele a beijou porque queria.

Precisava.

A mão que estava nos cabelos da garota os agarrou em desespero, implorando para que ela retribuísse seu contato ou fizesse alguma coisa para pará-lo. Ele só não queria que ela permanecesse estática.

Seus lábios estavam umedecidos pelo choro quando Rin abriu a boca e o deixou invadí-la e continuar com o que quer que estivesse sendo guiado pela tristeza a fazer.

Rin entendia Kakashi.

Eles se beijaram como se buscassem alguma coisa um no outro. Kakashi tinha seu próprio ritmo agressivo e forte até mesmo no contato íntimo e Rin procurava acompanha-lo, arfando e se sentindo sem ar com mais frequência do que gostaria.

Subitamente, enquanto enfiava a língua na boca de Rin, na esperança de que ela o retribuísse – e ela o fez, avidamente, ele soube o que queria fazer.

Kakashi tinha apenas treze anos mas sabia que queria amar Nohara Rin de todas as formas e com tudo o que tinha, pelo menos por um dia.

Porque ele sabia, a lembrança de Obito nunca os deixaria ficar juntos.

Hatake Kakashi levantou sua companheira sem esforço pelo braço que repousava em sua cintura e sussurrou em seu ouvido sem pensar duas vezes quando ela envolveu seu quadril com suas pernas.

— Eu preciso de você.

[...]

Kakashi e Rin nunca chegaram a falar sobre o ocorrido.

A noite que passaram juntos se tornara um tabu e permaneceria eternamente apenas nas lembranças dos dois. Ninguém sabia que havia acontecido, ninguém saberia.

Meses se arrastaram até que eventualmente eles pararam de se olhar como se lembrassem dos toques e dos beijos a cada vez que isso acontecia. Eles voltaram a se tratar como antes da morte de Obito e talvez tenha sido para o melhor.

O Time Minato já não mais existia em essência quando lhes foi dada a última missão oficial.

Kakashi não sabia que sua vida podia piorar até que novamente se provou impossível que o garoto crescesse e vivesse uma vida sem maiores traumas.

Rin morreu.

Rin foi morta.

Ele matara Rin.

Com sua própria mão.

A mão que tocara seu cabelo, seu rosto, toda a extensão do seu corpo.

A mão que a amara, representando todo o seu ser.

A mesma mão que agora tocava o seu coração e sugava sua vida com cada segundo em que o chidori ressoava em seus ouvidos.

Kakashi viu o resto vivo de Rin pela última vez naquela missão. Pálido. Os olhos arregalados, lábios escorrendo sangue e deixando sair seu nome em um suspiro espectral. Fantasmagórico.

Que o iria assombrar pelo resto de suas noites.

Hatake Kakashi matara a mulher que amava, que deveria amar por Obito mesmo de longe.

Kakashi quebrara sua promessa.

Ela não estava mais segura em seus braços. Ela estava morta.

Rin.

Morta.

[...]

Kakashi desenvolvera transtorno de estresse pós-traumático por causa da morte de Rin.

Ele revisitava em seus pesadelos, todas as noites, o momento em que a kunoichi se colocara na frente de seu raikiri e o fizera arrancar sua vida contra sua vontade.

Não era justo.

Rin fora egoísta e agora ele sofria por causa de seu erro.

Ele chorava todas as noites, chegando até mesmo a fazê-lo durante o sono.

Kakashi olhava para sua mão esquerda e via o modo como Rin se contorcera de prazer em sua cama.

Kakashi olhava para sua mão direita e via sangue.

O sangue dela, jorrando de seu peito e infestando seu braço e o chão da floresta.

Ele via sua mão matando Rin.

Ele aprendera a lavar a mão constantemente.

Kakashi lavava e esfrega sua mão direita até que ela ficasse vermelha e a esponja esfolasse a pele sensível.

Ele chorava enquanto fazia isso, desejando que pudesse lavar de sua mente a imagem de sua companheira morta.

Mas ele nem mesmo conseguia lavar o sangue que persistia em ficar em sua mão.

Ele constantemente desmaiava por não conseguir suportar a dor.

[...]

Kakashi precisou de anos para superar o TEPT e se sentir confortável com todas as perdas do passado. Sakumo, Obito, Rin, Minato e seus inúmeros companheiros de Academia e ANBU se tornaram apenas parte da história do Copy-nin, elementos que o transformaram e fizeram evoluir na pessoa que se mostrava agora.

Ele aprendera que não valia a pena passar a vida chorando pelos que se foram.

Eles deveriam servir de ensinamento, não pedras no sapato que impediriam Kakashi de seguir em frente.

Kakashi pensou nisso enquanto observava Haruno Sakura, Uzumaki Naruto e, interessante, um Uchiha (Sasuke) durante sua primeira lição como Time 7. Ele olhou para os três jovens e viu seus próprios ex companheiros, um sorriso melancólico por baixo de sua misteriosa máscara.

Ele sentia as mãos firmes dos seus amigos em seus ombros, o impulsionando, toda vez que ele falava alguma coisa para o seu time – quem diria, ele agora era um sensei assim como Minato – após ter se atrasado para o treinamento matinal – um hábito do Uchiha que ele incorporara sem querer ao perder a noção de tempo – e dirigindo-lhes um sorriso aberto e amigável que não poderia ter aprendido com outra pessoa que não fosse Rin.

O jounin se sentia feliz com a sua nova família.

Eles lembravam o Time Minato em todos os aspectos e ainda assim, possuíam características que os tornavam únicos no coração de Kakashi.

Ele estava grato por ter tido a oportunidade de conhecer pirralhos tão cativantes.

Kakashi achou que sua vida fosse começar a se afastar cada vez mais e totalmente da escuridão que um dia lhe dominara. Ele chegou a pensar que nunca mais teria que passar por momentos complicados como os de sua infância, que nunca mais teria de presenciar os horrores do mundo shinobi com tanta intensidade.

Mas ele estava errado.

No final, ele acabou matando Haku do mesmo jeito que matara Rin.

Ele se jogara em sua direção e Kakashi só conseguia ver pares de olhos castanhos, cabelos de cor chocolate, sangue na boca e ouvir seu nome sendo suspirado de novo e de novo.

K-kakashi...

Kakashi matou Haku com a mesma mão que matara Rin.

A mesma mão que amara Rin.

Seus pesadelos voltaram como se nunca tivessem parado em primeiro lugar.  


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Notas finais do capítulo

Obrigada por terem lido e aprecio comentários. ♥



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