Não faço ideia de quantas vezes elaborei essa conversa em minha cabeça. A única coisa que sabia era que deveria perguntar-lhe isso. Que devia a ele uma explicação decente. Porque na realidade nada que eu falasse iria justificar o que eu fiz.  

Não me pergunte por que eu me importava tanto com isso. A questão é que ele era muito importante para mim. Muito mais do que qualquer um pudesse imaginar. Até porque o amor pode doer e diante de tantas dificuldades você pode pensar em desistir. Mas quando se ama de verdade, o amor é muito mais forte do que qualquer percalço.

“Será possível, então, um triunfo no amor? Sim. Mas ele não se encontra no final do caminho: não na partida, não na chegada, mas na travessia.”

Rubem Alves

*****

Se você não está entendendo nada do que eu estou falando, permita-me explicar então...

Eu sou Astrid Hofferson. Creio que a mim vocês conhecem. Ou a Soluço. Ou a Banguela. Tenho certeza que alguém já escreveu sobre nós em algum lugar. Não consigo lembrar-me do nome dela agora. Ela me pediu uma história e foi isso que lhe dei. E acho que ela contaria essa história melhor do que eu, já que não sou tão sentimental quanto ela.

Você já deve saber que sou uma viking. Mas deve desconhecer a maioria das besteiras que eu já fiz em minha vida. Uma delas foi esconder algumas coisas de Soluço. Tá, eu escondi um plano inteiro dele.

Talvez você esteja pensando, isso não é nada demais. Sim, é. Soluço é extremamente compreensível. Eu sou extremamente inquieta na maioria das vezes. Mas sei reconhecer que o que fiz não foi certo. Porque quando você esconde as coisas da pessoa que ama acaba perdendo a confiança.

Não adianta, quando coloco uma coisa na cabeça só os deuses podem tirar. Se forem capazes.

Eu havia escondido o plano que tinha com Heather, tinha exposto ele e os pilotos a perigos inimagináveis... Tudo que eu fiz foi errado, quando deveria demonstrar uma forma de agradecer por tudo o que eles já haviam feito por mim, havia escondido as coisas deles.

Tinha exposto principalmente Soluço. Porque ninguém pode imaginar o quanto ele é importante para mim. O quanto ele já fez por mim sem nem perceber. Porque ele desperta em mim um lado totalmente desconhecido. Um lado sincero e doce que uma guerreira como eu nunca imaginaria ter.

Então eu queria pedir-lhe desculpas esperando que isso fosse o suficiente. Eu queria mostrar o quanto eu sabia que deveria confiar nele e contar pra ele tudo. Queria lhe dizer o quanto eu gostava dele.

Mas nem sempre eu sou a menina corajosa que todos pensam que eu sou.

Tinha meus 19 anos e nenhum sentimento sossegado em meu coração. Porque sair de minha boca palavras tão poderosas como um eu te amo era aterrorizante. Mas sinceramente era isso o que eu sentia por Soluço. Com todas as minhas forças.

Quando procurei por ele naquela noite as palavras ecoavam em minha mente. E, é claro, eu nunca as deixaria sair. Porque além do medo que sentia dessas palavras tinha medo de perdê-lo. E era por isso que queria conversar com ele. Para que pelo menos nossa amizade não acabasse. Porque ficar longe de Soluço doía.

Encontrei-o perto do penhasco, observando o horizonte. Ali não era tão iluminado quanto o resto do Domínio do Dragão. E olha que fizemos umas boas obras nessa ilha.

Soluço assumia uma expressão preocupada. Ele não estava na patrulha da ilha comigo naquela noite. E ele sempre se preocupava quando não era ele vigiando tudo. Não gostava de expor ninguém a nenhum perigo. Segundo ele, por isso que me quis no mesmo dia de vigia do que ele.

Eu realmente gostava de pensar nisso às vezes. Ignore que lhe contei isso.

Aproximei-me dele silenciosamente. Ele percebeu a minha presença e encarou meus olhos com um sorriso. Eu o devolveria se não estivesse tão nervosa.

—Oi Astrid – ele diz. Meus pensamentos embaralham-se. A voz dele era capaz de fazer isso comigo. – Melequento e Perna de Peixe já saíram para a patrulha. Ah, antes que eu me esqueça, Melequento insistiu para que eu lhe dissesse para não morrer de saudades dele.

Eu revirei os olhos e ele riu. Não pude evitar um sorriso que logo se desfez.

—Soluço – mecho excessivamente minhas mãos. – Preciso falar com você.

Ele encara meus olhos como se tentasse adivinhar o que eu queria falar com ele.  Tento regular a minha respiração. Eu sabia que ele não confiava mais em mim. Não quando eu menti para ele, quando eu o enganei. Foi assim que me senti. Enganando a pessoa que mais confiava em mim.

Releia o que eu contei até aqui. Você deve perceber que quando eu coloco uma coisa na cabeça é difícil tirar. Sou durona e carrancuda. Ninguém consegue me contornar tão fácil. A não ser... Bem... A não ser Soluço... Droga, às vezes estar apaixonada é horrível.

—Aconteceu alguma coisa? – ele perguntou, com um tom de preocupação.

—Não, é só que... Eu... Será que poderíamos conversar em outro lugar? Sei que os gêmeos estão por aí, nos espionando – eu digo, com uma das mãos na cabeça.

Sim, eu tenho um sexto sentido para os gêmeos. Anos convivendo com as loucuras deles, você acaba desenvolvendo um senso de: eu sei onde os gêmeos estão e eles vão aprontar algo.

—Como ela descobriu? Você disse que era um ótimo esconderijo – escuto a voz de Cabeça Quente e vejo os dois saindo correndo de uma moita.

—Eu sei lá, vai ver ela tem olhos em todo o lugar – Cabeça Dura diz.

Soluço e eu observamos os dois voltarem correndo para o seu alojamento.

—Gêmeos – ele diz e ri.

—Eu disse - falei.

—Então vem, quero te mostrar um lugar legal – ele diz e puxa minhas mãos.

O simples contanto de suas mãos nas minhas me fizeram sorrir. Deixei que ele me levasse para dentro da floresta do Domínio do Dragão. Chegamos até uma clareira, muito parecida com a de Berk em que encontrei Soluço com o Banguela.

—Uau – exclamei ao adentrarmos a clareira. – É tão parecida.

—Eu sei. Por isso gosto dela. Encontrei com o Banguela em uma noite... Em que não consegui dormir – ele diz. Sinto que aquilo não era toda a história, mas não perguntei sobre isso.

—Soluço, eu... Eu queria te perguntar algo – eu digo, pensando nas minhas palavras. Mais uma vez todos os diálogos possíveis surgiram em minha mente.

—Pergunte Astrid.

—Você não confia mais em mim, não é? – joguei as palavras. Ele arregalou os olhos assustado. Talvez não tenha sido a melhor forma de começar.

—Astrid...

—Eu sei que não, não precisaria que você me dissesse isso. Eu sei que foi errado, eu ter mentido para você durante tanto tempo – eu virei de costas para que ele não notasse as lágrimas formando-se em meus olhos. Outra coisa que não estava em meus planos era chorar. – Eu devia ter te contado o que estávamos fazendo, não devia ter escondido. Quando você disse que éramos uma equipe, ou que achávamos que éramos uma equipe, você não tem ideia do que eu senti. Eu queria contar, Thor, como eu queria, mas nós duas sabíamos que se fizéssemos isso, você não nos deixaria continuar com o plano. Mas eu devia ter contado e não teve um só momento que eu não me sentisse fazendo a coisa errada. Um só momento – algumas lágrimas escaparam de meus olhos. – Na verdade, parecia que não era eu quem fazia aquilo. Não parecia comigo, mas... Eu sinto que você não me perdoou por isso e eu...

Senti seus braços ao redor de mim, envolvendo-me em seu abraço. As lágrimas voltaram a cair. Desde muito tempo os meus sentimentos por ele estavam cada vez mais fortes. Eu tinha certeza que amava ele. Muito. Algo que nunca pensei que sentiria por alguém que não fossem meus pais.

Eu amava Soluço. Sem dúvidas. Já devo ter mencionado isso.

—De onde tirou isso tudo Astrid? – ele perguntou com doçura na voz. – É claro que eu confio em você. Eu sei que às vezes você faz coisas loucas e devo dizer que irresponsáveis. E não vou mentir dizendo que não fiquei chateado quando não me contou da Heather, mas eu sei que posso confiar em você Astrid. Eu preciso de você, sabe disso. E não... Não conseguiria não perdoar você por algo que você faria. Você é inquieta Astrid, uma guerreira que faz de tudo para proteger as pessoas que quer bem. E eu gosto demais desse seu jeito de ser. Só... Tenta fazer as coisas da melhor maneira possível da próxima vez, deveria ter me contado.

—Eu sei disso – ele encara meus olhos e enxuga as minhas lágrimas. O carinho de suas mãos deixava-me aliviada. Eu me sentia leve. – Muito obrigada por isso, por ter me perdoado, eu... Estava muito preocupada, se você não me perdoasse... Eu nem sei o que eu faria.

—Não sei por que se importa tanto com o meu perdão – ele diz, baixando o olhar.  – Somos amigos... Apenas isso. Não seria difícil para você arranjar amigos mais legais que eu, sabe... Eu não sei – ele desvia mais uma vez o olhar.

Sinceramente não sei se pensei em algo naquele momento. Eu apenas o beijei. Toquei seus lábios delicadamente. Ele ficou surpreso, mas rapidamente entregou-se ao beijo e puxou minha cintura para mais perto dele. Não importava muito coisa enquanto estávamos ali. Só o que eu sentia. Só o que ele sentia.

Por mim não me separaria dele por nada nesse mundo, mas precisávamos de ar, então nos separamos. Ele colou nossas testas com suas mãos em cada lado do meu rosto. Eu sorri enquanto tentava me lembrar como se respirava.

—Eu nunca vou achar ninguém como você, Soluço. Ponha isso na sua cabeça – eu digo. – Você não tem ideia do quanto eu gosto de você, não tem ideia.

Ele sorriu. Como se tudo na sua vida fizesse sentido naquele momento, ele sorriu. Baguncei seus cabelos e lhe abracei, deitando minha cabeça em seu ombro. Era aconchegante.

—Você sempre me surpreende senhorita Hofferson. Sempre.

—É uma de minhas habilidades – encarei seus olhos. – Você é a pessoa mais importante da minha vida. Não tem ideia do quanto sofri pensando que nunca me perdoaria, porque não conseguiria viver longe de você. Naquela vez que... Que você quase foi embora de Berk eu senti que iria me despedaçar – ele acariciou meu rosto e eu desviei o olhar. - Mas nada se compara ao que senti quando você descobriu o que eu fiz. O quanto eu fui burra.

Ele puxou delicadamente meu queixo e me fez encarar seus olhos. Eu sorri com seu carinho.

—Já te disse para não se culpar, eu já te perdoei apenas se esqueça disso – eu assinto com a cabeça. – Eu te amo ouviu, mais do que tudo. Desde quando nos vimos pela primeira vez eu te amo. Eu não suportaria perder você e é por isso que o meu instinto é sempre protegê-la com todas as minhas forças. Astrid, eu sempre vou estar aqui pra você, basta você me querer ao seu lado.

—Acredite é tudo o que mais quero – eu sorrio e fecho meus olhos. Tinha algo em mente. – Então, você aceita namorar comigo?

Abri os olhos a tempo de ver os dele arregalados. Eu ri de sua expressão. Afinal, não são as garotas que pedem os garotos em namoro. Mas sinceramente quem se importa, não é mesmo? Ele riu junto comigo.

—Como foi que eu disse? Você sempre me surpreende senhorita Hofferson – ele aproxima seu rosto do meu e sinto sua respiração. Sinto um arrepio percorrer meu corpo e sorrio. – Bom, como eu não aceitaria?

*****

Quando eu me lembro do quanto o nosso início foi cômico... Ainda rio de tudo isso. Mas foi tão incrível, porque a nossa relação é totalmente incrível. Eu amo cada momento com ele, cada beijo, cada abraço, cada carinho.

Eu amo de verdade estar com Soluço. Amo sua capacidade de me perdoar. Amo nossa relação de confiança. Porque ele é tudo pra mim. E tudo em mim ama tudo nele.

Astrid Hofferson Strondus.