Flor escrita por Lady Lanai Carano


Capítulo 1
Capítulo Único - Palavras, flores e mães


Notas iniciais do capítulo

Repito: minha mãe está viva, mas eu quis dar uma representatividade àqueles órfãos de mães.
Eu fiquei muito na bad escrevendo, e mil desculpas se eu deixei alguém assim também. Mas isso surgiu apenas como uma one shot comum, e eu quis postar.
Enfim, aproveitem a leitura e me doem lencinhos de papel, porque tá difícil.
Beijos de Mel ^^



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— Eu vou dar um celular para a minha mãe - um deles disse, apontando para o próprio peito estufado. - Aqueles de última geração com capinha e tudo!

— Eu vou dar várias caixas de chocolates - uma garota falou, enrolando a ponta do cabelo no dedo. - Tudo da minha mesada.

— Comprei ontem mesmo um conjunto de porcelanas que minha mãe estava querendo faz tempo - outro tagarelou, se exibindo. - Ela vai ficar super contente.

— E você? - Os três se viraram para mim. - O que vai dar para a sua mãe de dia das mães?

Baixei os olhos. Mãe...

— Uma flor - falei, baixinho. Tão baixo que eles não escutaram; vendo suas faces confusas, murmurei um pouco mais alto: - Uma flor.

Eles se entreolharam, desconsertados.

— Er... Hm... Legal... - a menina disse, confusa. - Mais alguma coisa?

— Mamãe não poderia usar nada que eu desse para ela mesmo. - Dei de ombros.

Depois de um tempo tentando entender, desistiram e voltaram a falar entre eles sobre os presentes caros que dariam para suas mães. Agradeci aos Céus quando a aula acabou. Era sempre a mesma chateação, todos os dias anteriores ao Dia das Mães.

No domingo, papai e eu costumávamos acordá-la com um café da manhã na cama. Nele, eu sempre punha uma dose exagerada de calda nos waffles, do jeito que ela gostava. Depois, saíamos juntos e sentávamos na calçada em frente à sorveteria, eu bem no meio dos meus pais, e tomávamos sorvete juntos, contando histórias e compartilhando experiências.

Mamãe sempre foi muito boa em contar histórias. Ela tinha o dom de pegar a história mais sem graça e transformá-la em algo que valesse a pena ser contado desde que nasceu.

— Eu não sou escritora, meu bem - ela dizia, bagunçando meus cabelos. - Eu sou apenas uma contadora de histórias. Meu papel na Terra é alcançar o coração das pessoas com as palavras de uma história.

— Como palavras podem alcançar um coração, mamãe?

— Não são bem as palavras, meu amor. Palavras não bastam, é preciso que quem conte a história queira causar efeito. É esse o verdadeiro poder de uma história: os sentimentos por trás das palavras.

E as palavras de mamãe sempre tinham sentimentos. Quando eu cresci e adquiri um gosto mais refinado por literatura, além de senso crítico, eu li todos os livros que minha mãe escrevera. Ela o fizera tão bem que eu conseguia imaginá-la a cada curva das letras, a cada virar de página. Suas palavras eram ela.

Quando domingo chegou, meu pai e eu fomos presentear mamãe. No caminho para encontrá-la, eu me vi encarando a paisagem do lado de fora do carro, passando como um borrão. Foi quando eu tive um déjà vu doloroso.

Naquele dia, eu tinha acordado com energia e disposição. Meu despertador, como todo Dia das Mães, tinha sido regulado para despertar às seis horas da manhã, uma hora antes do horário normal da mamãe. Pulei da cama, calcei os chinelos e corri para a cozinha, já procurando pelo açúcar para fazer a calda que minha mãe tanto gostava.

Estranhei papai não ter acordado junto comigo. Então fui até o quarto deles e encontrei-o sozinho, sentado, com o rosto escondido nas mãos. Seu corpo dava tremidas violentas.

E então, memórias do dia anterior retornaram a mim. A chuva, o preto que todos fizeram questão de vestir, as flores, os brados incompreensíveis do pastor. Eu tinha me rebelado contra aquilo; mamãe gostava de alegria, de cores, do sol e da vida. Aquilo não tinha nada a ver com ela.

Naquele dia, eu usara roupas pretas também; mas me recusei a tirar o cachecol vermelho, o único ponto de cor em todo aquele negrume.

Eu chorei com papai, chorei sozinho no meu quarto, chorei quando eu e papai saímos para visitar a mamãe naquele mesmo carro, naquela mesma posição e com a mesma melancolia que eu estava agora. Chorei quando passamos em frente à sorveteria. Chorei quando pedi para o papai comprar sorvete para nós dois. Chorei o dia todo.

Qual o sentido do Dia das Mães quando eu não podia tomar sorvete com a minha mãe e ouvi-la tagarelar por horas sobre o novo romance que estava escrevendo?

Fechei os olhos. Há muito eu consegui parar de chorar. Percebi que minha tristeza só estava sendo um fardo para todos, principalmente para os que tinham suas mães e comemoravam felizes com elas. A falta que eu sinto dela não justificaria nenhum rancor pelo Dia das Mães e por quem as tinham. Afinal, há apenas alguns anos, eu era uma daquelas pessoas.

Chegamos. A cada passo, a ferida que eu tinha no coração parecia arder mais e mais, como um corte recente que nunca cicatrizaria. Agachei junto ao bloco de concreto e deixei um lírio branco ali. Cada ano era uma flor diferente. Cada Dia das Mães era uma dor diferente.

— Hey mamãe - comecei, com a voz rouca por falta de uso. Eu tinha ficado calado desde que acordara. Pigarreei e prossegui: - Há muito tempo, você disse que as palavras podem alcançar o coração de uma pessoa, se os sentimentos de quem as dita forem verdadeiros. Eu só queria dizer que... - Engoli em seco, mas me recusei a parar. - Eu queria dizer que eu li todos os seus livros do ano passado para cá. E eu vi seus sentimentos em cada página. Por que você não pôde terminar de escrever a história da Hannah e do Benedict? Droga, mãe, você me fez adorar a droga de um romancezinho de época francês. Suas palavras conseguiram alcançar o meu coração com tanta facilidade que eu me assusto. - Sorri, retendo as lágrimas que insistiam em querer sair. - As suas palavras tocaram meu coração, mamãe, nunca... Nunca se esqueça disso, que eu nunca esquecerei também, ok?

Agarrei a grama em torno do túmulo e fechei os olhos. Eu já estava tremendo.

— Feliz dia das Mães, mamãe. Eu te amo, muito. Nunca vou me esquecer das suas palavras que você tanto amava... E agora estou amando também.

E quando eu menos esperava, já estava chorando.


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Notas finais do capítulo

Desculpa. Sério. Eu não queria que tivesse saído tão triste. Mas não queria deixar de postar "/
Beijos de Mel ^^