A Inocência Perdida escrita por Ixia Liatris


Capítulo 1
Capítulo 1




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Único capítulo

Eu o amava. O amava com todo o meu ser. Eu o amava intensa e verdadeiramente. Ele era a luz no fim do meu túnel. A pessoa que me salvou da escuridão que era minha vida. Ele era meu chão, meu ar, meu tudo. Pode parecer um pouco dramático, é claro, mas eu era uma criança quando o amei.

O meu primeiro amor era o meu próprio irmão, e eu o matei.

****

Meu nome era Alice Keddrick e eu tinha dez anos quando perdi minha inocência. Morava com meu pai e meu irmão mais velho, Jace. Minha mãe morreu quando eu tinha oito anos, e desde então, meu pai tinha mudado. Ele não passava muito tempo comigo e nem com outras pessoas. Ficava o tempo todo dentro do seu escritório quando estava em casa. Minha mãe morreu por um “acidente”, mas só me falaram depois do meu “incidente”.

Sentia-me sozinha sem mamãe para brincar comigo e não tinha muitos amigos na minha escola. Eu era uma menina tímida e fechada. Para mim, não havia sentido em conversar com pessoas ou me relacionar com elas, pensamentos estranhos para uma criança ter, eu sei, mas tinha acabado de perder alguém que eu amava, então não conseguia me fazer falar com outras pessoas para perdê-las mais tarde.

Mas ele mudou a minha forma de pensar.

Meu irmão me entendia. Ele entendia minha solidão, então, mesmo ele tendo que lidar com sua própria dor, tentou amenizar a minha dor também. Ele passava o tempo vago dele comigo. No começo, eu não o queria perto de mim, mas aos poucos ele foi ganhando minha confiança e me fazendo acreditar que nunca o perderia. Eu acreditei nele, de tão ingênua que eu era, eu realmente acreditei que ele nunca sairia do meu lado, que viveríamos para sempre juntos.

Estava tão enganada.

Jace brincava comigo sempre que podia e em meus aniversários me enchia de presentes, e eu os amava por que ele tinha me dado. Uma vez ele me deu um ursinho branco com olhos pretos como a pedra ônix. Era o meu presente favorito e eu sempre o estava arrastando por ai, por todo lugar que eu ia, levava o ursinho junto.

 Meu irmão me tirou da escuridão e me mostrou a luz. Eu o amava tanto. E como eu disse, eu acreditava em tudo que ele me dizia. Então uma vez, quando estávamos assistindo a um desenho, ele me pegou em seu colo e sorriu para mim.

— Você adora esse desenho, não é, Lice?

Abri um sorriso para ele e o abracei.

 — Sim, mano.

Ele me põe sentada ao seu lado.

— Então vamos assisti-lo juntos.

Aninho-me contra ele e o abraço.

Quando o desenho termina com a personagem principal se casando e tendo o seu “feliz para sempre”, suspiro e encosto-me ao sofá.

Jace me encara surpreso com seus olhos azuis e pergunta:

— O que foi, Lice? Não gostou do filme?

— Gostei. Só estou triste.

Ele ergue uma sobrancelha loira.

— Por quê?

Levanto a cabeça para ele.

— Porque acho que nunca vou ter o meu “feliz para sempre” como ela. — Aponto para a boneca feliz na TV.

Ele sorri para mim.

— Você não acha que é muito nova para pensar em casamento?

Dou de ombros.

Ele sorri mais ainda.

— Mas por que você acha que não terá o seu “feliz para sempre”? — Falou ele fazendo sinais de aspas com os dedos.

— Por que não falo com ninguém e acho que ninguém gosta de mim.

Ele passa seus braços em minha volta e me sinto confortada.

— Você tem muito tempo ainda para superar essa timidez, Alice. — Então ele sorri de forma carinhosa para mim. — E se ninguém quiser casar com você, não se preocupe, eu caso.

Afasto-me dele e o encaro.

— Jura?

Jace levanta sua mão livre em minha direção e abaixa todos os dedos, exceto o mindinho.

— Juro.

E então ele enrosca seu mindinho no meu.

Naquele momento, eu realmente acreditei que ele iria casar comigo. Acreditei que ele estava falando a verdade. Mas ele estava mentindo. Ele só tinha me dito isso para me confortar. No entanto, eu era uma criança e o amava mais do que ele sabia e acreditava, então o levei a sério.

Um tempinho depois de ele me fazer essa promessa, ele acabou se afastando de mim. Ficava pouco tempo em casa e sempre voltava tarde. Porém, sempre com um sorriso no rosto, então eu ficava feliz por ele. Meu irmão me amava e sempre fazia questão de me lembrar disso. Mas Jace nunca me amou do jeito que eu amava ele.

Quando ele apareceu com uma namorada do nada, eu fiquei chocada e sem reação. Ele passou a leva-la para nossa casa e sempre que eles tentavam brincar comigo, eu os ignorava e ia para o meu quarto. Voltei a me sentir sozinha e sem importância. Contudo, não era como se Jace tivesse esquecido se de mim, ele sempre vinha falar comigo em meu quarto, mas eu o ignorava. Depois de algum tempo, ele parou de aparecer lá. Isso me deixava cada vez mais triste, saber que ele não se importava me deixava triste e machucada.

E então aquele dia chegou. O dia que cometi um pecado.

Achando que meu irmão não estivesse em casa, desci para a sala. Eu queria assistir desenho e como no meu quarto não tinha TV a cabo, decidi ir para lá. No entanto, eu estava enganada. Meu irmão estava lá, sentado no sofá que ficava de costas para a janela. Ele estava assistindo futebol americano e quando percebeu que eu o estava encarando, sorriu doce e carinhosamente para mim.

 Meu coração bateu mais rápido.

― Então você finalmente decidiu descer? ― Pergunta levantando-se do sofá e caminhando em minha direção. ― Já estava cansado de esperar.

Olho para ele com os meus olhos cheios de lágrimas.

― Você não se esqueceu de mim? ― Pergunto baixinho.

Ele arregala os olhos.

― É claro que não. ― Ele fica de joelhos e me abraça. ― Eu nunca iria te esquecer.

Afasto-me dele.

― Jace... Você me ama? ― Pergunto séria.

Ele sorri com amor para mim.

― Eu te amo, minha baixinha.

Abraço ele bem forte e ele ri.

― Senti sua falta. ― Sussurro para ele.

 Ele aperta seus braços em minha volta.

― Eu também senti a sua.

Depois disso, ele decidiu que a gente veria uma animação. No entanto acabo pegando no sono logo no começo do desenho. Quando me acordo, estava deitada no sofá com um cobertor sobre mim. Jace deve ter me tapado. Foi o que pensei sorrindo ao lembrar que ele me ama.

Levanto-me e escuto um barulho na cozinha. Pego meu urso favorito e vou em direção do som. Quando chego na porta da cozinha, escuto vozes. Uma delas era Jace e a outra eu não reconhecia.

― Acho que sua irmã tem ciúmes de mim. ― Diz uma voz feminina.

Escuto um suspiro que provavelmente é de Jace.

― Ela irá se acostumar com você. ― Diz com uma voz animada. ― Ela anda muito sozinha e eu queria que ela tivesse uma companhia.

Sorrio. Então ele estava pensando em mim.

― Mas e se ela não gostar de mim? ― Pergunta ela.

Com um sorriso no rosto entro na cozinha para dizer que não tinha como eu não gostar quando meu irmão diz que não me quer sozinha, quando escuto a resposta dele:

― Se eu te amo, ela também vai te amar.

Congelo quando escuto essas palavras e o vejo se inclinar até a garota e tocar seus lábios nos dela. Algo se racha dentro de mim e uma presença negra sai do meio dessa rachadura.

Ele mentiu para você. Diz uma voz na minha cabeça. Ele não te ama. Ele te traiu. E ele merece morrer.

Quando os dois separam-se, meu irmão olha para mim e sorri.

Oh, você estava ai. ― Diz ele enquanto abaixo a cabeça e deixo o meu ursinho cair. ― Eu queria te apresentar a...

Mas ele não termina a apresentação. As gavetas do armário se abrem e um monte de garfos e facas voam delas e flutuam no ar atrás em frente à Jace

― O que é isso...? ― Ele não termina a frase a tempo. Os talheres voam em sua direção e o fura em todos os lugares do corpo, menos o coração, o grudando na parede. 

Levanto a minha cabeça e encaro seus lindos olhos azuis assustados.

A garota que até agora estava quieta, grita.

― Você mentiu para mim. ― Digo em um sussurro que só os dois escutam. ― VOCÊ NUNCA ME AMOU!

Uma grande faca de cortar carne sai de outra gaveta e flutua em direção ao coração de Jace, o matando na mesma hora.

A garota grita novamente e eu encaro o sangue que sai de seu corpo e cai em pingos no chão, impressionada. Então desperto da nevoa que envolvia meu cérebro e percebendo o que fiz, ajoelho-me no chão e começo a chorar.

Por que eu fiz isso? Como eu fiz isso? Jace não vai mais voltar? Nunca mais vou o ver sorrir ou sentir seus braços em minha volta? QUERO JACE DE VOLTA!!!

Mas ele não te merece. A voz diz em minha mente na mesma hora que a garota loira sussurra para mim.

― Você matou seu próprio irmão. ― Levanto minha cabeça e encaro a garota com lágrima nos olhos. ― SEU MONSTRO!

Isso mesmo. Isso é minha culpa. Eu o matei.

Meus olhos se enchem com mais lágrimas e noto que a garota começa cambalear em minha direção com uma faca. A faca que acabou com a vida do Jace.

Eu merecia. Eu matei alguém que me amava e iria para o inferno. Eu estava bem com isso.

A culpa não foi sua. A mesma voz fala em minha cabeça. A culpa foi dela. Levanto a cabeça e encaro a garota que tinha cabelos loiros e olhos castanhos, que estavam vermelhos de tanto ela chorar. Ela tentou roubar seu irmão. É culpa dela. Ele está morto por causa dela.

A culpa não é minha, a culpa é dela, se ela não tivesse aparecido isso nunca aconteceria e Jace estaria vivo. O monstro é ela.

― Sim, e a culpa é sua. ― Sussurro enquanto me levanto do chão. ― Você queria rouba-lo de mim.

A garota me olha com seus olhos castanhos vermelhos arregalados, entretanto continua cambaleando até onde eu estava.

O que eu faço agora? Foi o que pensei depois de levantar e encarar a garota que estava mais perto de mim apontando-me a faca.

A resposta veio com a mesma rapidez que o pensamento apareceu. Mate-a. Mate-a para ela implorar perdão no inferno.

E foi o que eu fiz. Imaginei todos os talheres saindo do corpo de Jace e voando para o corpo dela. Um de cada vez para torturá-la. Para ela sentir dor. Para ela implorar pela morte. E quando ela implorou para eu parar, finalizei a vida dela com várias facadas em seu coração.

Nunca me senti culpada pela morte dela.

O chão ficou lavado de sangue por causa da tortura e por estar no chão, meu ursinho ficou sujo. Peguei meu ursinho e me virei para a porta da cozinha.

Meu pai estava parado lá, me encarando com surpresa. Não vi medo e nem nojo. Só surpresa. E então ele me explicou sobre o que aconteceu: nós tínhamos um poder que não conseguíamos controlar. Era algo movido pela nossa raiva. Pelo nosso ódio. Ele não sabia o que era, mas sabia que tínhamos que ter o controle sobre ele. Também confessou que foi ele quem matou a mamãe. Que foi sem querer. Pensou que ela o tinha traído e isso o fez ficar com ódio e descontrolado, o que acabou matando a mamãe. Nesse momento, não senti ódio dele. Eu o entendi. Eu não consegui controlar aquela força negra que vinha de dentro de mim. Era algo que estava longe do meu alcance e do papai também. Mas diferente do papai, nunca me arrependi de ter matado a garota.

Papai disse para eu nunca contar para ninguém sobre esse poder. Quando a policia foi até nós, ele se entregou no meu lugar, dizendo que ele mesmo os tinha matado.

A última coisa que ele me disse foi:

― Eu levarei esse segredo ao túmulo. ― E então foi levado pelos policiais e me deixou sozinha.

Depois desse incidente, fui morar com uma das minhas tias e tive uma vida normal. Apaixonei-me, me formei numa faculdade, casei e tive filhos. Ninguém nunca soube do que eu era capaz de fazer. Eu escondi o máximo possível e torci para que nenhum de meus filhos tivesse ganhado essa “habilidade”. Eu também nunca mais a usei. Depois de alguns anos meu pai morreu e levou esse segredo ao túmulo como prometeu.

E agora eu estava prestes a partir também.

Eu nunca esqueci o que fiz. Nenhum dia da minha vida. Eu ainda amava meu irmão. Não de maneira doentia como já amei um dia, mas ainda o amava. Estava esperando que eu fosse para o céu, mesmo sabendo que irei queimar nas chamas do inferno.

Eu amei meu irmão com todo o meu ser. E por amar ele, acabei tirando sua vida. Eu não merecia algo de bom. Nunca mereci. E mesmo assim, tive uma vida maravilhosa, mesmo tendo matado duas pessoas. Já sei que vou para o inferno encontrar meu pai lá. Mas não me arrependo de nada, nunca me arrependi. Talvez de matar o meu irmão, porém, nunca de matar a garota, que descobri que se chamava Monique.

Será que Jace aceitaria minhas desculpas se eu o visse?

E com esses pensamentos, fechei meus olhos nesse mundo pela última vez.


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