4 histórias que a Syndel não contou para o Legolas escrita por Andy


Capítulo 1
O monstro de olhos verdes


Notas iniciais do capítulo

Olá! Sejam todos muito bem-vindos a esta nova fanfic! =)
Para quem já me conhece de "A Razão do Rei" e/ou "A Jornada do Príncipe", é um prazer revê-los! E para quem ainda não me conhece, olá, eu sou SakuraHime! Escrevi, em 2014/2015, uma fanfic chamada "A Razão do Rei" (https://fanfiction.com.br/historia/500297/A_Razao_do_Rei/), em que eu apresentei uma personagem chamada "Syndel" que, no meu universo, seria esposa do Thranduil e mãe do Legolas. Nesta fanfic, eu exploro alguns aspectos do relacionamento deles que não foram retratados naquela fanfic. Espero que vocês gostem!

A periodicidade da fanfic, por enquanto, será de 15 em 15 dias. Assim que possível, pretendo alterá-la para um capítulo por semana, como fiz com as outras fanfics.

Não se esqueçam de olhar nas notas finais sempre que virem um asterisco por aí no meio do texto, ok? ;)

Por favor, comentem suas opiniões sobre o capítulo! Vão me ajudar muito!

Xoxo



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Syndel se encolheu quando a brisa gelada passou dançando em meio a seus cabelos dourados. A neve havia acabado de derreter. Poças d’água podiam ser vistas por toda a parte, e as trilhas estariam lamacentas, se pés menos suaves que os dos elfos passassem por ali. Thranduil estendeu o braço, pousando-o sobre os ombros de Syndel num gesto completamente automático. Ela sorriu levemente, aconchegando-se a ele.

— Você acha que a clareira estará empoçada como a trilha? — Ele perguntou distraidamente. Seus olhos percorriam os grupos de elfos que trabalhavam nos preparativos para o dia de Achernar*, fazendo uma vistoria rápida. Não era sua obrigação naquele momento, mas ele não podia evitar. Era o costume.

— Acho que não. Há bastante grama lá, as raízes farão o seu trabalho. Mas estará úmido, sem dúvidas.

Thranduil não respondeu. Duas elfas de cabelos claros vinham na direção deles, sorrindo. Ele parou de andar e retribuiu o sorriso. Syndel parou ao lado dele e sorriu timidamente, um tanto desconfortável. Nenhuma das elfas olhava para ela. Elas se aproximaram e se curvaram. Thranduil retribuiu o cumprimento com um movimento da cabeça.

— Boa tarde, Alteza. — Mesmo os ouvidos de Syndel mal puderam compreender o que dizia aquela voz baixa. O rosto da elfa estava em chamas. Ela estendia uma maçã, segurando-a com as duas mãos. A fruta devia ter vindo de muito longe, já que estava fora de estação ali em Greenwood**.

O sorriso de Thranduil se alargou, e ele pousou suavemente as mãos sobre as da súdita. Ela olhou para ele surpresa, e ele manteve os olhos fixos nos dela enquanto gentilmente tirava a fruta de suas mãos e a levava aos lábios. Sem romper o contato visual por um segundo sequer, ele deu uma pequena mordida na maçã e a devolveu à elfa com a mesma delicadeza com que a havia tomado de suas mãos. Depois de engolir, ele lhe abriu um leve sorriso de canto, e a amiga dela se aproximou sutilmente, para o caso de a pobre elfa desmaiar, já que mal respirava. Syndel assistiu a tudo em silêncio.

Thranduil sustentou o olhar por mais uns breves segundos, depois se virou e recomeçou a andar pela trilha, sem dizer uma palavra. Syndel se apressou em segui-lo. A forma como ele sorria a incomodava. Ela olhou para trás a tempo de ver as duas amigas agitadas em torno da maçã. Quando perceberam que ela estava olhando, elas a fuzilaram com os olhos. Ela se virou e agarrou o braço do namorado, inquieta.

Naquele dia, o treinamento não foi muito produtivo. As cascas das árvores ainda estavam muito escorregadias e havia pouco que eles pudessem fazer, mantendo-se apenas no chão. Depois de algumas horas, Thranduil propôs que eles dessem o dia por encerrado, e Syndel concordou. Por ela, eles continuariam ainda por algum tempo, mas ela sabia que as noites vinham sendo cansativas para ele. Ele estava ajudando na organização das festividades, e tinha feito um acordo com o pai para poder trabalhar durante a noite, apenas para poder treinar com ela durante a tarde. Ela tinha se proposto a ajudar com os preparativos, mas Oropher não permitiu.

— Continuamos amanhã, então?

— Claro... — Ele olhava para o céu, pensativo, enquanto punha a espada de volta na bainha.

Ela levou o arco às costas e se aproximou dele:

— E o que vamos fazer agora? — Ela lhe deu um beijo rápido.

Ele sorriu levemente e passou os dedos pelos cabelos dela:

— Voltar. Eu ainda tenho muito trabalho para fazer, seria bom poder adiantar alguma coisa.

Ela forçou um sorriso, tentando esconder a decepção.

— Tudo bem. Vamos nos apressar, então.

Os dois caminharam em silêncio pela trilha que levava de volta ao palácio. O sol já estava consideravelmente baixo no horizonte. A noite logo cairia. Os pássaros voavam sonolentos, se preparando para voltar aos ninhos. Um ou dois esquilos passaram correndo, com as energias recuperadas depois do descanso do inverno que se despedia. Os elfos se alegravam por ver a vida despertando na Floresta Verde. Ao leste, uma primeira estrela rebrilhava com sua luz pálida.

Quando eles se aproximaram da vila, Syndel estendeu a mão e entrelaçou seus dedos aos de Thranduil. Ele apertou a mão dela levemente, satisfeito por sentir seu calor aconchegante. Ali, vários elfos andavam de um lado para o outro, apressados. Quase todos paravam para cumprimentar o príncipe, que se esforçava para retribuir aos chamados. Poucos falavam com Syndel, e ela se matinha quieta como uma sombra ao lado dele. Não havia sinal das elfas que falaram com ele mais cedo, e Syndel ficou feliz por isso.

— Alteza! — A doce voz de soprano veio de trás deles. Syndel cerrou os dentes, irritada, e respirou fundo antes de se virar para olhar.

Ao se virar, Thranduil soltou a mão de Syndel. Outra elfa se aproximou correndo. Seus cabelos castanho-claros eram muito lisos e dançavam graciosamente atrás de si. O vento fez com que o perfume dela chegasse antes dela, envolvendo Syndel numa nuvem com aroma de jasmin. Ela franziu o nariz levemente. A elfa se curvou e sorriu calorosamente para Thranduil. Ele retribuiu o sorriso. Syndel discretamente tentou segurar a mão dele de novo, mas ele puxou o braço.

— Boa noite, Alteza! Perdoe-me por interromper a sua caminhada...

— Não se preocupe, está tudo bem. Você precisa de alguma coisa?

A elfa abaixou a cabeça, corando levemente.

— Eu? Não, meu senhor. Obrigada. Eu o chamei porque meu senhor Oropher me ordenou que o encontrasse. Ele precisa do senhor no palácio.

Thranduil suspirou e a súdita olhou para ele ansiosa, com medo de tê-lo incomodado. Ele percebeu a angústia nos olhos azulados dela e sorriu gentilmente, enquanto estendia a mão para afastar uma mecha de cabelo que caiu sobre seus olhos quando ela abaixou a cabeça. Ela arregalou os olhos para ele, corando ainda mais.

— Obrigado. Eu estou indo para lá imediatamente.

— Q-Quer que eu vá na frente para anunciá-lo, meu senhor?

— Não será necessário. Obrigado.

A elfa se curvou novamente e se afastou. Syndel notou que ela parecia um tanto desconcertada.

Thranduil cruzou as mãos atrás das costas e recomeçou a andar em direção ao palácio. Syndel o seguiu. Ela não tentou segurar a mão dele de novo. Ele olhava para o chão e andava a um passo apressado. Ela se esforçava para acompanhá-lo.

Quando os dois enfim chegaram à sala do trono, Oropher e a rainha conversavam com um elfo desconhecido. Ele era muito alto, mais que o próprio Thranduil, e estava de costas, de modo que tudo o que eles puderam ver foi seu longo cabelo castanho-escuro, penteado em uma trança intrincada. Nenhum dos três pareceu notar a chegada deles, tão absortos que estavam em sua conversa.

Thranduil se curvou levemente e Syndel o imitou, fazendo, porém, uma reverência um tanto mais profunda:

— Mandou chamar-me, meu senhor? — Ele perguntou, num tom baixo.

Oropher finalmente notou a presença do filho:

— Finalmente, Thranduil! Eu quero que você conheça uma pessoa. Este é Damian.

O elfo se voltou para cumprimentar Thranduil e se curvou:

— É uma honra conhecê-lo, Alteza.

Thranduil assentiu, mas não sorriu. Damian se reergueu e olhou para Syndel, abrindo-lhe um sorriso. Ela retribuiu o sorriso timidamente, enquanto ele se aproximava e tomava a mão dela:

— E quem é esta dama tão bela? Acaso é a princesa de Greenwood?

Syndel sentiu-se corando enquanto ele a olhava intensamente. Os olhos dele eram negros como a noite e levemente puxados nos cantos. Thranduil franziu as sobrancelhas.

— É evidente que não! — Oropher respondeu, em tom de deboche. — Ela é apenas uma elfa qualquer, que Thrand...

— Ela é minha namorada. — Thranduil interrompeu, num tom mal-humorado.

O sorriso de Damian se alargou levemente. Ele beijou a mão dela:

— Encantado.

— Igualmente. — Ela sorriu calorosamente para ele.

Thranduil se aproximou e pôs o braço na cintura da Syndel, puxando-a para perto de si.

— Quem é você, Damian, e em nome de quem vem a este reino?

— Thranduil! — A rainha ralhou, constrangida.

— Não se preocupe, minha senhora. — Damian a tranquilizou. — Eu venho em nome de Mestre Elrond, Alteza. Ele lamenta muito, mas não poderá estar presente no dia de Achernar. Eu venho para representá-lo e para oferecer a ajuda de minha guarda nos preparativos para o evento. Uma comitiva deve chegar dentro de alguns dias escoltando Lady Arwen, que fez questão de vir, como faz todos os anos.

— Você, Thranduil, ficará responsável por comandar os elfos que vieram com Damian. — Oropher ordenou. — Distribua-os pelas funções mais convenientes e fiscalize seu trabalho.

Damian pousou a mão sobre o peito e se curvou:

— Estou a seu serviço, Alteza.

— Meu senhor... — A rainha estendeu a mão e a pousou suavemente sobre a do marido, chamando sua atenção. — Nós não poderíamos dispensar Damian do serviço? É a primeira vez que ele nos visita, e eu tenho certeza de que ele gostaria de aproveitar os poucos dias que passará aqui para apreciar as belezas de nossa terra.

Damian se voltou para ela, sorrindo:

— Eu agradeço, minha senhora. Mas não desejo ser dispensado, quando meus homens estarão trabalhando tão duro em nome de meu senhor Elrond. Nada me dará maior honra que oferecer meus serviços à sua casa.

— Absolutamente! — Oropher se ergueu de seu trono. — Minha senhora tem razão. Se você vem como representante de Elrond, então é como se fosse Elrond ele mesmo aqui à minha frente. E eu jamais permitiria que Elrond trabalhasse em minha casa, ainda que ele m’o pedisse.

Damian se ajoelhou diante do rei:

— Se esse é vosso desejo, Majestade, então assim será. Eu agradeço vossa generosidade.

Oropher desprezou as formalidades com um aceno de mão e gesticulou para que o elfo se reerguesse.

— Vamos. — Ele disse. — O jantar deve estar servido. — Ele se voltou para o filho e para Syndel. — Vão se preparar e juntem-se a nós. — Ele lançou um olhar de desprezo para Syndel e se virou em direção à porta. Damian lhes lançou um último sorriso e se apressou em segui-lo.

O jantar prosseguiu de maneira calma e agradável. Thranduil havia cedido seu lugar ao lado direito do pai para o convidado e se sentava na outra extremidade da mesa. Syndel comia quieta a seu lado. Já havia anos que morava ali no palácio, mas ela ainda se sentia desconfortável à mesa real, principalmente com Oropher lhe deixando claro que ela não pertencia àquele lugar.

A mesa do rei era muito bem servida e criados não paravam de entrar e sair com bandejas, trazendo sempre mais vinho. Damian comia pouco e devagar, enquanto os entretinha com histórias e anedotas de Valfenda. Syndel se esforçava para não rir alto demais. O elfo era muito divertido, especialmente em contraste com os elfos da casa real de Greenwood, sempre tão sérios.

Durante a sobremesa, Damian decidiu lhes contar os últimos relatos dos filhos de Elrond sobre a situação das terras ao Norte. Um clima de seriedade se estabeleceu na mesa, mas o ar ainda parecia suave no ambiente. Damian conseguia de certo modo controlar os ânimos dos presentes, ainda que as informações que trouxesse fossem das mais infelizes para todos.

Enquanto isso, Syndel, que já havia parado de comer, reparava melhor nele. Diferente de todos os elfos que ela conhecia, ele tinha uma longa franja, que caía sobre o lado direito de seu rosto. Ele havia soltado a trança que prendia parte de seu cabelo atrás, e agora ele caía solto sobre seus ombros. Os traços angulosos de seu rosto lhe davam certo ar de nobreza, e ele provavelmente pareceria intimidador se ficasse sério. Mas seu sorriso constante o fazia parecer sempre calmo e animado. Jovem, apesar de Syndel suspeitar que ele era mais velho que ela própria.

Os trajes que ele vestia eram elegantes, num tom profundo de azul-escuro, adornados com detalhes em dourado que cintilavam à luz quente da iluminação da sala de jantar. Syndel estava tentando compreender se o padrão intricado deles tinha algum significado, quando notou aquele detalhe: Damian ainda trazia o arco e a aljava às costas. Ela franziu a testa. Era estranho, e inclusive descortês sentar-se armado à mesa do rei. Mais que descortês, era proibido.

Ela se pôs então a analisar o arco, atendo-se pela primeira vez aos detalhes de sua composição.

Quando se deu conta do que se tratava, ela deu um pequeno gritinho, atraindo a atenção de todos. Thranduil olhou para ela como se ela tivesse enlouquecido:

— Syndel?

— Algum problema, Lady Syndel? — Damian perguntou afavelmente.

Syndel sentiu o rosto começando a arder e olhou para Thranduil ao responder:

— Desculpe... — Ela se virou para o convidado. — Desculpe, eu só... Esse arco... Por acaso ele é um arco de Ycophea?

Damian sorriu e assentiu:

— Sim, minha senhora. Ele me foi dado por Lady Galadriel. Ela me fez prometer que o traria comigo sempre, a todo momento, até o dia de minha partida para Aman***.

— Por favor, perdoe a falta de tato de Syndel. — Oropher olhou para a elfa em tom de censura.

— Não me senti ofendido, Majestade, em absoluto. — Ele olhou para Syndel e seus olhos ainda sorriam. — Deves ter ótimos olhos e grande talento, para tê-lo reconhecido tão facilmente, minha senhora.

Syndel sorriu, encantada.

— Syndel é a melhor arqueira que este reino já viu. — A rainha comentou num tom amável.

Damian olhou para ela.

— Verdade?

— Minha senhora exagera... — Oropher tentou intervir.

— Ela é. — Thranduil, que havia cruzado os braços, respondeu categoricamente. Sua expressão fechada não se suavizou, nem mesmo quando Syndel sorriu para ele.

Damian voltou-se para Syndel:

— Nesse caso, é uma honra ainda maior para mim, tê-la conhecido, minha senhora.

— Ora, o senhor me lisonjeia, Damian. — Syndel baixou os olhos modestamente.

O restante da refeição correu sem maiores incidentes. Depois que todos estavam satisfeitos, Oropher os convidou a irem para a sala seguinte, onde poderiam ouvir música e histórias, mas Damian declinou o convite polidamente:

— Mil perdões, Majestade, mas se me permitir, eu gostaria muito de me retirar agora para repousar. A viagem até aqui foi muito longa, e embora muito me agradasse ouvir o som de seu povo, não creio que eu seria capaz de lhe dar o devido valor e a devida atenção neste momento.

— Evidentemente! Perdoe a mim por minha desatenção. Vou ordenar que preparem seus aposentos imediatamente! Haverá ainda muito tempo para que você ouça as canções de Greenwood.

Damian se curvou:

— Eu agradeço profundamente, Majestade.

Oropher se afastou, seguido pela rainha. Thranduil se levantou e fez uma breve mesura, no que Syndel o imitou:

— Boa noite, Damian. Espero que aproveite sua estadia aqui em Greenwood. Sua companhia foi certamente um adendo valoroso à nossa noite. — Talvez Damian não notasse, mas Syndel podia ouvir a leve ironia na voz dele e podia ver o brilho malicioso em seu sorriso.

Os dois já iam saindo, quando Damian chamou suavemente:

— Lady Syndel.

Eles se voltaram para ele novamente.

— Sim?

— Eu tenho um convite a lhe fazer. — Ele sorriu. — Gostarias de experimentar o arco de Ycophea?

Os olhos dela cintilaram à simples menção daquele nome:

— Oh, não, eu não poderia...

— Seria uma honra para este arco, estar em suas mãos. E seria uma honra para mim, poder vê-la atirar.

— Eu não sei... — Ela olhou para Thranduil, em dúvida. Ele não parecia estar gostando nem um pouco daquilo, mas sua expressão severa se desmanchou um pouco ao ver a ansiedade estampada no rosto dela. Ela olhou para Damian novamente: — E se... O senhor estará livre amanhã à tarde?

— Por favor, não me chame de “senhor”, minha senhora. E sim, estarei livre, já que meu senhor Oropher me dispensou de meus deveres para com sua casa. A não ser, é claro, que Vossa Alteza precise de mim...

— Não preciso. — Thranduil respondeu secamente.

— Nesse caso, e se nós, uh... E se nós nos encontrássemos no campo de treinamento amanhã após o almoço? Nós podemos atirar lá... — Ela se virou para o namorado: — E assim você não precisaria treinar comigo e poderia trabalhar o dia inteiro, para compensar por hoje à noite.

— Para mim, parece o arranjo perfeito. — Damian concordou.

Thranduil o encarou por alguns longos segundos, e depois olhou para Syndel. Os olhos dela pareciam lhe implorar. Ele pôs os braços em volta dela, puxando-a para si num abraço:

— Tudo bem por mim.

Syndel lhe abriu um grande sorriso, e ele sentiu que só por vê-la tão feliz, aquilo tinha valido a pena, por mais que o desagradasse. Damian sorriu levemente:

— Obrigado, Alteza. E obrigado, minha senhora. Nós nos vemos amanhã à tarde, então.

Thranduil suspirou profundamente ao se sentar na larga poltrona e fechou os olhos. Estava tão cansado que parecia-lhe ter vivido três dias em um. Os elfos de Valfenda eram muito competentes em tudo o que faziam, e deles ele não podia se queixar, mas o fato de não ter trabalhado na noite anterior realmente o atrasara. Agora, graças a ter passado a tarde inteira reorganizando tudo, tinha conseguido recuperar o tempo perdido. Mas mesmo assim, ele estava num dos piores humores em que já se encontrara.

Ele não abriu os olhos quando ouviu passos cautelosos se aproximando. Suas sobrancelhas se franzindo foram o único sinal de que ele os havia escutado.

— Meu senhor... — Airetauri começou, hesitantemente.

— Agora não, Tauri. Seja lá o que for, eu não quero resolver mais nada por hoje. — Ele pressionava a têmpora com dois dedos, apoiando o cotovelo no braço da poltrona.

— Sim, senhor. — O guarda se curvou, ainda que o príncipe não estivesse vendo, e se virou para sair.

— Tauri.

— Senhor?

— Você viu a Syndel por aí? — Ele abriu os olhos.

— Não, senhor. Quer que eu a procure?

— Não será necessário. Obrigado. — Ele dispensou o guarda com um aceno de mão. — A propósito... Menos “senhor”. Somos amigos, e estamos só nós aqui.

O guarda sorriu levemente e se retirou.

Thranduil ficou olhando para o teto, pensativo. Não tinha visto Syndel desde o almoço naquele dia. Era estranho. Ultimamente, ele não andava muito entusiasmado com os treinamentos juntos, e nem passava muito tempo com ela fora deles, mas agora ele sentia falta disso. Era como se seu dia estivesse incompleto, mesmo tendo sido um dos mais longos que ele já havia vivenciado. Ele estava pensando nisso, quando ouviu passos irregulares se aproximando no corredor. Damian e Syndel irromperam na sala, rindo alto. Foi Damian quem primeiro notou a presença dele. Ainda rindo, ele se curvou:

— Muito boa noite, Alteza. — A voz dele saiu num sopro, enquanto ele tentava conter a risada.

— Thranduil! — Syndel, que ainda ria, pareceu notá-lo pela primeira vez.

Thranduil se empertigou na poltrona:

— Boa noite! O que é tão engraçado?

Os elfos se entreolharam e caíram na risada novamente. Thranduil franziu a testa. Por fim, Syndel respondeu, enxugando as pequenas lágrimas que o riso fez brotarem em seus olhos:

— Você não entenderia... É coisa de arqueiro.

Ela e Damian trocaram um olhar confidente, e ele olhou para Thranduil.

— Bom, está entregue. — Depois tornou a olhar para Syndel: — Foi realmente uma honra treinar com você, Syndel. Eu a verei mais tarde no jantar, está bem?

— Claro... Até lá! — Ela lhe sorriu.

Damian fez uma reverência para Thranduil e desapareceu por uma porta do outro lado do cômodo. Syndel sorriu timidamente para o príncipe, que a encarava, e se aproximou dele. Sentando no braço da poltrona, ela se inclinou para lhe dar um beijo rápido.

— “Você”? — Ele perguntou, erguendo uma sobrancelha para ela.

— O qu...? Ah! Não é culpa dele. Eu que pedi para ele não me chamar de “senhora”. Afinal, eu não sou uma princesa, nem nada.

Thranduil ergueu a mão e afastou uma mecha de cabelo do rosto.

— Você é. Minha princesa.

Ela sorriu e se inclinou para beijá-lo de novo. Ele retribuiu. Quando seus lábios se separaram, ele suspirou, cansado. Não estava nem um pouco disposto a se juntar aos outros para o jantar.

— Como foi o seu dia? — Ela perguntou suavemente, acariciando os cabelos dele.

— Longo demais. Na verdade, eu estava mesmo pensando em não ir a esse jantar... Eu acho que simplesmente vou dormir.

O sorriso sereno dela desapareceu.

— Mas... E quanto ao Damian?

— O que tem ele?

— Ele é um convidado especial de seu reino... Você não deveria jantar com ele...?

— Eu já lhe dei essa honra na noite passada. — Thranduil respondeu secamente.

— Sim, mas ele... A companhia dele é tão agradável. — O rosto dela se iluminou novamente. — Você devia vê-lo, Thranduil! Ele é incrível! Não apenas o arco, mas ele... Ele é tão sábio. Ele é quase tão bom quanto a Aurial, e isso significa muito! E o jeito dele de ensinar, ele é tão divertido! — Ela parou quando viu a expressão no rosto de Thranduil. — O que foi?

Ele respirou fundo antes de responder:

— Nada. Só estou cansado. Você parece ter se divertido.

— Bom... Sim, foi ótimo! Eu estava sentido falta de treinar assim. Um intensivo de arco-e-flecha, sabe? Fazia muito tempo...

— Que bom para você.

Ela olhou nos olhos dele por longos segundos, tentando ver além de suas palavras. Ele desviou o olhar e a afastou, levantando-se.

— Aonde você vai? — Ela perguntou.

— Jantar. — Ele disse, mal-humorado. — Ande logo, vamos.

Ela sorriu e o seguiu.

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Próximo capítulo: "O monstro de olhos verdes (pt. 2)"


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Notas finais do capítulo

*Achernar é o nome de uma estrela. Eu inventei essa festividade na minha fanfic “A Razão do Rei”. Ela acontece na mudança de estação entre o inverno e a primavera e é uma festa que envolve todo o reino. O Baile da Estrela é festejado no palácio do rei de Greenwood e todos os elfos do reino são convidados.

**Assim como em “A Razão do Rei”, eu optei aqui por utilizar “Floresta Verde” para me referir à floresta em si e “Greenwood” para me referir ao reino élfico (que ocupa apenas a parte norte da Floresta), mesmo sabendo que na verdade os dois termos significam a mesma coisa (e se referem à floresta em si).

***“Aman” é um dos nomes dados às Terras Imortais, também conhecidas como “Valinor”.