O Ano Mais Silencioso de Alice escrita por Eponine


Capítulo 1
Capítulo Único




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Alice olhou ao seu redor, admirada.

Estar sozinha naquele trem a fazia tremer de excitação. Estava tão animada, queria saber para qual casa seria mandada, quem seriam suas companheiras de quarto, seus outros professores além de seus pais... Queria conhecer os times, os clubes, principalmente o de xadrez. Queria aproveitar cada segundo e cada coisa que Hogwarts podia lhe oferecer.

Ela sorriu quando a porta da cabine se abriu. Roxanne Weasley acenou, elas já tinham se visto em algumas festas da família Potter. Ela fez alguns sinais, como se quisesse que seus amigos entrassem na cabine. Alice assentiu, animada.

Observou todos rirem e conversarem, apesar de não ouvi-los, ela conseguia rir de suas expressões, a forma como o peito deles se moviam em cada riso, as palmas de excitação. Ela reconheceu Hugo Weasley ao lado de Roxanne.

Ele acenou, sorrindo.

Ela acenou, sorrindo.

...

A Longbottom gargalhava e gritava de animação no primeiro jogo de sua Casa, Grifinória.

Todas aquelas arquibancadas, lotadas, pessoas gritando de excitação, brandando palavras de força para seu time e pejorativas para o time rival. Ela olhava aquele silêncio absoluto, um pouco assustada por estar no meio de tanta gente, mas apaixonada pelo jogo. Ela amava como os jogadores não precisavam falar ou ouvir, eles precisavam se olhar. Era como se todos fossem surdos. Precisavam se conhecer e ler a mente de seus colegas para dar um passo.

Encolheu-se em seu cachecol da Grifinória, dando pulos na arquibancada e gritos de excitação, notou olhares perto dela: Um grupo de garotas riam e apontavam. Alice ruboresceu, constrangida. Ela sabia que sua voz saia estranha quando falava porque ela simplesmente não sabia falar. Ela nunca ouviu, como ela iria falar? O máximo que conseguia era emitir sons imitados pelo que saia da boca dos outros.

Colocou as mãos no seu casaco, envergonhada.

...

Ela dividia-se em olhar para o professor de Poções mostrando o frasco de Poções e sua interprete. Alice sempre sorria para ela, porque ela era rápida e precisa. Pouco antes do fim da aula, para exercitar o ensinado, o professor Slughorn pediu para que os alunos formassem duplas. Alice olhou para os lados, animada, mas todos já tinham duplas formadas e um garoto parecia relutante em sair de sua mesa, olhando professor com raiva. Ela perguntou-se se ele queria que ela fosse até a mesa dele.

Um menino caminhou até a mesa dela, parecendo irritado.

O professor disse algo para ele, rápido demais para ela conseguir ler seus lábios. O mesmo retrucou, parecendo irritado. Alice perguntou para sua interprete o que estava acontecendo. A mulher negra engoliu seco, parecendo constrangida.

“Ele não quer ser sua dupla”, disse ela.

“Por quê?”, questionou Alice, magoada. Sua interprete parecia desconfortável com sua posição. Demorou um pouco para dizer, lentamente.

“Segundo ele, vai ser difícil trabalhar com alguém surdo”.

Alice endureceu em sua cadeira e abaixou os olhos para ser livro, segurando o choro. Olhou para sua interprete, irritada, foi agressiva a fazer seus movimentos, trêmula.

“Diga ao professor que quero fazer sozinha”.

...

Alice observou suas companheiras de quarto gargalhando de algo, reunidas na cama de Pietra, a alemã. Sentiu falta de sua mãe, estava cansada de seu pai ser o único do colégio a conseguir falar com ela. Voltou a seu livro, sentindo-se o ser mais solitário do universo. Passaria seis anos de sua vida em silêncio absoluto?

Por ser surda, as pessoas não se aproximavam dela, como se ela fosse anormal. Será que aquelas meninas não notavam que ela gostava de livros tanto quanto elas? E que também gostava de moda, e maquiagem?

Os meninos nunca notaram o quanto ela adora assistir os treinos de Quadribol? Será que tudo isso nessa é desinteressante simplesmente porque ela não sabe falar? Mas também não queria que as pessoas se sentissem obrigadas a ficar perto dela simplesmente por ela ter problemas. Ela queria ser tratada como uma garota normal... Porque ela é normal.

Fechou seu livro e deitou-se, pronta para dormir.

Elas continuaram conversando, sem se incomodar com Alice.

...

O clube de xadrez era o lugar ideal para ela.

Ali, ninguém ligava se ela era surda ou não, e sim se ela consegue ou não usar a lógica e a concentração. Passava suas tardes de Domingo inteira naquela sala, com meia dúzia de pessoas. Era sua terceira partida e havia acabado de ganhar. Bateu palmas e riu de seu oponente, um garoto de aparelhos e nariz torto, que saiu da mesa, decepcionado.

Alice acenou a varinha, reorganizando as peças, excitada. Seu próximo oponente sentou-se. Ela o olhou, surpresa: Era Hugo Weasley. Ela sorriu para o garoto com óculos fundo de garrafa, visivelmente tímido. Ele sorriu de volta, aquecendo as mãos. Disse algo.

— Quê? – Alice rezou para não ter gritado e nem que sua voz tivesse saído bizarra, mas provavelmente saiu, já que todos olharam. Hugo arregalou os olhos e então sorriu.

— Eu disse que preciso de sorte! – sibilou ele, devagar.

—Ah! – riu Alice. Ele coçou a cabeça rapidamente e então fez uns movimentos com a mão, estava estranho, mas aparentemente ele quis dizer ‘oi’ em BSL¹ (British Sign Language). – Você sabe falar em bsl?

Novamente todos olharam, fazendo um ‘xiii’ silencioso para Alice. Ela rubesceu, segurando o riso. Hugo riu, ainda olhando para o tabuleiro.

— Eu já tirei notas baixas assistindo sua intérprete em vez de... – ela não entendeu o resto, mas deduziu. Ela o olhou, admirada. Ele queria aprender bsl. Quase falou, mas conteve-se em dizer a ele, em uma mimica bem mal feita, que poderia ensiná-lo. O garoto pareceu impressionado com o dito e acenou freneticamente.

Os dois jogaram xadrez em silêncio, entre risos e olhares de surpresa e confidência.

...

A garota sentou-se na escadinha da casa de Hagrid, o observando alimentar os pássaros.

Ela nunca pôde ouvir seus pais, o choro de seu irmãozinho mais novo, nem mesmo o que as garotas tanto riam de sua cara quando apontavam. Se ela fecha os olhos, ela também não escuta sua mãe brigar com ela, batendo as mãos violentamente. Ela tinha um mundinho pequeno e particular, já que eram raros os bruxos que nasciam surdos.

Às vezes, ela sentia raiva. Pelo mundo não estar pronto para ela. Por saber que muitas vezes ela não pode ver um filme no cinema simplesmente por estar em inglês, então todos podem ouvir. Todos, menos ela. Por seus colegas terem preguiça de perder alguns segundos amais tentando se comunicar com ela. Por pensarem que ela é incapaz de conseguir se comunicar e gostar de coisas que os outros podem gostar.

Pegou mais uma uva de sua tigela e olhou o castelo.

O mundo era silencioso para ela, mas nunca fora tão quieto como em Hogwarts, o lugar em que ela mais ansiou em sua vida. Queria fazer o que seus pais fizeram... Jogar Quadribol, ir para Hogsmeade escondido, quem sabe até mesmo participar de uma festa? As pessoas eram ignorantes e malvadas com quem era diferente, ela sabia que quando aquela garota da Sonserina começou a aparentemente berrar para que ela ouvisse não foi por inocência, e sim maldade.

Entendeu o receio no rosto de seu pai quando ela citava Hogwarts.

...

These Days – St. Vicent

Por sorte, Hugo era o que ela chamaria de nerd hardcore.

Ele aprendia de tudo com muita facilidade, era estranho ele ser da Grifinória e não da Corvinal, pois era extremamente inteligente. Após a pausa do Natal, ela passava suas tardes na biblioteca, o ensinando com muito cuidado cada movimento de cada palavra.

Os dois riam, no jardim, falando palavras de baixo calão em bsl.

Ele explicou para ela que não tinha muitos amigos, apenas alguns do Clube de Xadrez, ninguém de sua família puxou o interesse do Vovô Weasley por artefatos trouxas, apenas ele. Hugo mostrou a ela como funciona por dentro de uma CPU e coisas sobre tecnologia como robôs e a possibilidade de carros voadores. Ela mudou o termo nerd para geek hardcore.

Através dele, ela conheceu mais algumas pessoas, também interessadas em aprender bsl, e os que não queriam, achavam mais fácil conversar com ela através da escrita. No último dia em Hogwarts, ela já tinha algum pingado de pessoas para sorrir e acenar no próximo ano.

Pensou animada se poderia fazer os testes para o time no 3º ano, quem sabe chegue até mesmo a ser a capitã.

“Meu pai ama Quadribol”, contou Hugo. “Eu não sei jogar, então ele joga sozinho ou com meu primo James, seria legal se você participasse”.

“Eu adoraria!”, disse Alice, animada. “Eu quero muito, obrigada pelo convite!”

“Ok... Então eu te vejo nas férias?”

Ela sorriu para ele.

— Sim. – disse ela, não ligando se gritou. Hugo riu e deu a mão para que ela apertasse. Alice sempre fora risonha e sorridente demais para as pessoas, mas Hugo adorava aquilo nela, por mais que ficasse envergonhado. Ela apertou sua mão e os dois trocaram olhares constrangidos, partindo em direções opostas.

O mundo pareceu mais barulhento ainda.


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Notas finais do capítulo

¹BSL é British Sign Language.
²A Alice não fala, ela solta sons semelhantes a palavras. Como ela nasceu surda, ela não sabe falar, eu não deixei isso claro na história, há algumas pessoas surdas que tocando seu rosto e lendo seus lábios, elas conseguem IMITAR o som, mas nunca sai perfeito, na verdade é até pouco inteligível.

O que acharam???


Beijos!