Ainda era cedo quando eu me pus de pé para começar os preparativos. Um suspiro profundo foi o que eu fiz mesmo antes de abrir os olhos. Eu costumo suspirar fundo sempre que quero fazer com que um pensamento ruim desapareça. E geralmente funciona, mas não daquela vez. A série de sensações e devaneios que me perturbaram durante as últimas semanas voltou com força e a vontade de sair da cama diminuiu e eu acabei por me afundar mais ainda onde estava antes de me levantar de vez. Todas as minhas tentativas de olvidar o que incidira foram inúteis. As palavras, as ações, tudo estava muito bem impresso em minha mente. Tão bem cunhado que eu ainda conseguia ver cada detalhe da imagem que destruiu anos do que veio a se transformar nos dias mais felizes de minha vida.

Não foi por falta de avisos, tampouco de indícios. Sakura, Ino, Hinata e até mesmo Kiba e Lee já tinham me alertado quando tudo começou a ir a público. Eu mesmo já sabia da fama de destruidor de corações de Neji, mas tudo não pareceu fazer a menor diferença quando ele me encarou com um meio sorriso que fez desabar até mesmo a mais poderosa de minhas defesas. Não que eu seja o mais forte ou o mais emocionalmente estável, porém eu sempre achei que fosse capaz de resistir a qualquer investida de qualquer pessoa. Como eu me enganei. A lista já era enorme quando eu decidi que me juntar a ela não era nada demais e que talvez meu nome fosse o último a ser escrito. De novo, como eu me enganei.

Desde que éramos genins eu admiro Neji. Desde que nossa primeira luta se encerrou e trocamos palavras verdadeiras eu sou apaixonado por ele. O tempo não ajudou. Sakura não ajudou. Sasuke não ajudou. Independente de com quem eu estava me relacionando, era sempre ele quem surgia em meus pensamentos a todo o momento, afinal foram anos de sentimentos secretos. Todavia, naquele dia, tudo ebuliu e eu não mais pude conter o que sentia. Nem foram necessárias outras investidas anteriores para que eu me derretesse feito um bobo nos braços dele.

Ambos deveríamos retornar de nossas respectivas missões no mesmo dia, porém ele não voltou. Durante três dias eu ia verificar se alguma notícia chegara, mas a resposta era sempre frustrante, então me colocava a esperar no ponto mais alto e mais próximo à entrada da aldeia até que ele surgiu escoriado e sangrando, mas sustentando o típico sorriso satisfeito de um ninja que cumprira uma árdua missão. Precipitei-me até ele e servi de apoio até o ponto de reporte e depois até minha casa. Sim, o levei para minha casa para tratar das feridas. Em dois dias Neji já estava completamente recuperado, entretanto eu não sabia disso e acabei por dormir sobre seu peito na noite anterior. Ao acordar, a primeira visão foi um sorridente Hyuuga me encarando. Tentei me desculpar, mas não tive tempo. Nosso primeiro beijo me interrompeu. E depois se seguiram inúmeras primeiras vezes, depois ele gritou no meio do centro da vila que me amava e que eu era o único dono do seu coração, depois ele me traiu.

Eu levei exatos dezessete dias aprendendo a preparar Nishin Soba, fiz um cachecol com minhas próprias mãos e fazia questão de estar sempre em casa quando ele voltava de missões. Eu tentava ser o namorado perfeito e achei que estava conseguindo. Mais uma vez, como eu me enganei. Estava escurecendo quando eu saí para comprar alguma coisa para um jantar especial para comemorar nosso quarto mês juntos. Eu sorria feito um bobo e no caminho de volta resolvi pegar uma espécie de atalho por um dos becos da vila. Foi quando eu vi uma silhueta de duas pessoas quase fundidas em uma. Não precisei me aproximar muito para ver que uma das pessoas era Neji. Ele parecia tão satisfeito enquanto empurrava a virilha contra o traseiro daquele garoto. Minhas pernas não se moveram, meu cérebro não quis funcionar direito, nenhuma voz saiu, apenas lágrimas. De tão chocado em incredulidade, eu ri em meio a rios de lágrimas. Quando finalmente consegui ter forças para sair dali, continuei meu caminho e passei pelos dois de cabeça baixa. Minutos depois, Neji bateu em minha porta sob mil pedidos para que eu o deixasse entrar, para que eu o ouvisse. Eu, sentado num canto qualquer enquanto debulhava-me em lágrimas, não respondi.

Depois daquele dia, eu não mais quis ver Neji. Até que fui encurralado por ele num dia depois da festa de aniversário de Sakura.

— Por favor, Neji, eu só quero ir pra casa. – Eu não podia mais sequer encara-lo, muito menos ficar por perto dele.

— Por favor, Naruto, me escuta, por favor. Eu errei, eu sei disso, mas eu te amo. Por favor, me perdoa.

— Eu não sei como fazer isso. E mesmo que eu fizesse... Em que ia dar? – Minha voz embargou.

— A gente ainda pode ser feliz...

— Não, a gente não pode. – Interrompi. – A única coisa que eu consigo ver pra um “a gente” é arrependimento. Neji, eu tô aprendendo a viver sem você e tá sendo a coisa mais difícil que eu já fiz. Eu não quero mais ser um fantasma na sua vida, nem quero você sendo um na minha. Não tem mais como ter um “a gente”.

— Claro que tem. Eu te amo e eu tenho certeza que você também me ama. – Ele se aproximou e me beijou. Antes que eu me deixasse levar mais uma vez, o empurrei para afastá-lo.

— Quem você pensa que é? – Os prantos rolaram sem meu consentimento. – Você já teve o que você queria. Já conseguiu incluir o nome do bobalhão aqui na sua lista. Naruto Uzumaki já está na sua interminável lista. O que mais você quer de mim? – Eu sentia minhas bochechas quentes e um súbito mar de lamentações acumuladas tomou forma e começou a escoar por meus lábios. – Não tenho mais nada pra você. Eu te dei meu tempo, meu corpo, minha vida, meu amor... Neji, eu dei meu coração pra sua coleção. E você fez questão de desprezar isso quando enfiou toda sua virilidade naquele outro rapaz. O que mais você quer? Que eu arranque meu coração e dê literalmente pra você? Eu não tenho mais nada.

— Não fala assim, Naru-kun. Eu tô tão arrependido e te amo tanto. – Ele começou a chorar também.

— Eu também te amo. Mas não quero te amar. Eu não sei mais confiar em você. – Meu coração doía, por que a verdade que meu sentia era a de correr até ele, o abraçar e nunca mais soltar. Mas eu não queria isso, não queria mais cicatrizes daquela relação. – Lembra do dia que você gritou no meio da vila? Lembra de tudo que você me prometeu? Que seu coração era só meu, que você era só meu, que a gente ia viver junto pra sempre... Você quebrou todas elas de uma vez só. Você me machucou tanto que acho que eu deveria ter evitado aquele beijo naquela manhã. – Eu sorri um sorriso triste.

— Naru-kun... Eu te...

— Eu também. – Interrompi mais uma vez. – Mas agora já deu, Hyuuga. Você está livre pra voltar a deixar seu rastro de cicatrizes e corações partidos por ai. Só não seja mais tão frio, ok. Adeus. – Eu passei por ele do mesmo jeito que passei na noite em que ele me traiu e rumei até a mansão da Hokage.

Com minhas coisas já totalmente organizadas, fui até o Ramen Ichiraku para almoçar e lá encontrei Ino e Choji. Eles pareceram meio desconcertados, mas acabaram por tocar no assunto e me falaram que Neji estava muito mal e que sempre perguntava por mim ou como eu estava ou se ainda havia alguma chance para nós dois a todos os nossos amigos. Fui educado o suficiente para responder que não havia possibilidade nenhuma de uma volta e que estava superando tudo aos poucos. Acabei por pedir o ramen para viagem e comi em casa. Com a autorização da Hokage para uma temporada longe do vilarejo em mãos, peguei minhas coisas e saí em direção à vila mais distante dali possível.