Um pouco de cor naquele mar de cinza escrita por Helen
Pérgola está sentada em uma cadeira de praia, pernas cruzadas, no topo de um prédio de apartamentos. Diante de si há um cenário cinzento e um grande telão simulando um pôr do sol. Seu pulmão reclama da poluição, e a mulher é obrigada a por uma máscara. A sua boca e seu nariz são encobertos do mundo, deixando que seus olhos de um tom azul claro e forte ganhassem mais destaque.
Um sorriso confiante se abre para ser visto por ninguém, quando Pérgola ouve alguém abrir a porta que levava até ali. Reconheceu a pessoa apenas pela forma como andava.
— Me achou novamente, eita. — comentou Pérgola. — Vai me dar outra lição de moral?
— Não. — a voz era de um homem. — Sua irmã quer que eu te leve pra casa.
— E você? Quer fazer isso? — ela se virou na cadeira, encarando-o.
— Adoraria. Srta. Sidra ficaria feliz em te ver segura.
— Ugh. Você não ouviu o que eu disse, ouviu? — ela se recostou na cadeira, decepcionada.
— Claro que eu ouvi, palhaça.
Ela virou-se de volta para o homem. Riu com desdém, pegou a pistola que estava no seu colo e então a ficou balançando, enquanto falava.
— Ninguém me chamou de palhaça e ficou vivo pra testemunhar. — ela pegou uma mecha do cabelo curto e vermelho, que graças ao volume se expandia como pequenas asas abertas ao lado da cabeça. — Ou tu tomou algum álcool forte ou tem um motivo muito bom pra me chamar assim.
— Srta. Sidra sabe muito bem o que você andou fazendo no verão passado. Disse que se você quiser partir pegando qualquer rumo que a vida lhe dá, não há problema nisso, porém prefere que escolha entre ficar perto do "habitat" da srta. Sidra, ou a leve ao seu "habitat".
— Oh, então é assim que ela chama. — Pérgola passou algum tempo refletindo. — Se ela quer tanto, vou voltar. Mas da próxima, você vai buscar nós duas, entendeu, Richard?
— Yes, lady.
— Hehe, ótimo! — a mulher levantou-se da cadeira.
Pérgola arrumou a gola do casaco preto e folgado que usava por baixo do vestido curto sem manga e bege. Este último pertencia à sua irmã, mas depois de tantos usos, ela passou a considerar seu. A mulher acompanhou-o e desceu as escadas, indo direto para o elevador. Desceram vinte andares e chegaram à sala de espera. Passaram por ela e depois pela recepção, que já conhecia bem o rosto da srta. Pérgola.
Saíram do prédio e entraram em um carro azul. O homem deu a partida e foi dirigindo. Até a metade do caminho a mulher ficou quieta, mesmo sorrindo por nada e olhando o vazio. Foi apenas ela perceber que estava quieta demais.
— Ei ei, Sidra pergunta por que eu saio por aí que nem uma louca? — ela se vira para ele.
— Sim, mas só pra si própria. — ele suspira.
— Pois bem! Vou te dizer, aí você passa pra ela.
— Não seria mais fácil dizer a senhorita mesma?
— "Meh". Acha que ela escutaria? — Pérgola não esperou resposta. — Quero que todos nessa cidade saibam meu nome! Quero entrar em todos os prédios, todas as casas possíveis! Quero ter amigos de todos os tipos e idades, violentos ou amorosos, ricos ou pobres, fúteis ou prodígios!
— Redes sociais são pra isso. A senhorita não precisa se arriscar andando pelo meio do mundo só pra encontrar amizades.
— E daí? Qual é a graça de ficar o dia todo na frente de um computador, se eu tenho um monte de dinheiro pra gastar? As tecnologias só servem pra preguiçosos, desmotivados e pobres.
—... A senhorita pode se meter em problemas que o seu dinheiro não pode cobrir.
— Ora, eu tenho uma arma. Qualquer coisinha, "pew pew"! Já era.
Incrédulo, o homem deu uma rápida olhada para a mulher, como se perguntasse se ela estava realmente falando sério. Sua voz e seu discurso soavam como os de uma criança.
— Enlouqueceu, só pode. — sussurrou.
Pérgola deu um grande suspiro, encostou o cotovelo no apoio do carro e olhou para a paisagem cinza.
— Ser um pouco de cor nesse mar de cinza é pedir demais?
Sem resposta, o homem continuou a dirigir. Ainda não conseguia engolir a falta de responsabilidade da mulher que estava sentada ao seu lado, contudo, por mais que a tentasse odiar, a inocência da sua motivação brilhava. Como se ela dissesse que sua dona era pura de coração, apesar de tudo. Seus sonhos e esperanças a fariam andar pelo caminho certo.
Chegaram na grande casa, que era rodeada de jardins com árvores bonitas e coloridas. Pérgola saiu do carro e logo foi recebida por outras pessoas, preocupadas com seu paradeiro. Ela deu as mesmas desculpas, e foi direcionada para casa. Ela acenou para o homem antes de ir, sorrindo, relembrando a ele que da próxima vez, ela levaria a irmã numa aventura.
A irmã de Pérgola, Sidra, quatro anos mais velha, era bem menos radical. Tímida, porém capaz de criar um rebuliço se tivesse motivação. Seu biotipo era mais gordo que o da sua irmã. Era abastada de riquezas graças a sua versatilidade no ramo dos negócios. Fazia de tudo, e era útil em qualquer organização grande. No momento, ela estava tricotando mais um suéter para si mesma.
— Olá. — disse, sem tirar os olhos do suéter. — Já sabe que não quero te ouvir.
— Sim, Richard me disse. — mentiu, mesmo sabendo que sua irmã sabia que era dedutível que já não aguentasse as suas desculpas.
— Pois bem. Me dê a arma. — ela fitou a pistola nas mãos de Pérgola com os olhos dourados.
Contra sua vontade, Pérgola deu a sua arma. Sidra segurou o objeto, analisou-o, apontou ele para a irmã e então atirou. Estava sem balas.
— Achou que conseguiria enganar alguém só com isso? — ela pôs aquilo numa mesa perto. — Nem a mim você consegue.
— Richard sim. Ele fez uma cara engraçada quando viu. Me segurei pra não rir.
—... Você não presta.
Sidra parou a confecção do suéter. O deixou de lado, e amarrou os cabelos roxos em dois punhados, e por fim arrumando sua grande franja para o lado esquerdo, como de costume. Mandou a irmã lavar as mãos e se preparar para o jantar. Pérgola o fez. As duas jantaram sozinhas. No fim da refeição, os empregados levaram os pratos e Sidra continuou a bordar o suéter. Pérgola, sem sono e nem o que fazer, observou a irmã.
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