- Você demorou. É falta de consideração deixar um irmão esperando. Quanto mais um irmão que é, decididamente superior. – disse com a voz calma e seu natural tom polido de sempre assim que sentiu que não estava sozinho.

- Perdão, senhor. Mas seu recado demorou a chegar até a mim. Só soube...

- Não preciso das tuas desculpas, Zacariah. Entenda que nada do que eu faço acontece antes da hora. Meu recado chegou até você porque você não teve a iniciativa de me procurar. Eu lhe dei o benefício do livre arbítrio...

Zacariah sentiu as bochechas queimarem. Queria explicar-se, mas sabia intimamente o quanto seria inútil.

- Não precisa ter medo. Incomoda-me pensar que vocês ainda me enxergam e temem como se fosse o monstro de chifres pintado pelos humanos.

Caminhou lentamente pelo jardim, observando Joshua que se concentrava em uma das tarefas rotineiras de jardineiro do Éden. Escolheu uma árvore frondosa e se permitiu tirar os sapatos brancos, as meias e sentou no chão, olhando para o rosto redondo de seu interlocutor, ainda de pé e um pouco distante.

- Você trouxe o que eu pedi?

Zacariah esticou a mão e entregou o colar. Ele balançava o cordão preto diante de si sem fitá-lo exatamente. Parecia mais preocupado em imaginar as inúmeras possibilidades que aquele instrumento lhe permitiria. Depois sorriu.

O outro anjo sentiu-se tremer. Realmente Lúcifer era o mais belo dos anjos. O sorriso calmo acompanhado de um brilho firme nos olhos seriam capazes de conquistar o mundo.

Respirou fundo pensando o quanto teve que tramar para conseguir tirar de Castiel e Dean aquele colar. O teatro que teve que fazer, as informações desconexas plantadas entre os demais anjos e o prêmio dado aos caçadores para que mandassem os irmãos Winchester para seus domínios.

Ali, naquele pedaço do purgatório, ele era o senhor supremo. A realidade era exatamente da maneira como ele queria que fosse. Podia transformá-lo num verdadeiro paraíso ou numa tormenta sem fim.

Quando Lúcifer o procurou, pedindo pelo colar de Dean, ele sabia exatamente como conseguir. Foi difícil chegar até ali, no purgatório, mas isso permitiu convencer outras pessoas como Ash e Pamela de que se tratava de fato do céu.

O passo seguinte veio de uma frase da qual Lúcifer gostava e havia dito para Zacariah inúmeras vezes: o que lhe deixa forte também é a única coisa capaz de lhe tornar fraco.

E a idéia surgiu. Assim, simples e óbvia como o sol nascer pela manhã e as estrelas brilharem a noite. Se um irmão se apoiava no outro, se eram capazes de morrer para se protegerem, precisaria apenas desmanchar aquela imagem de família amorosa perfeita.

As recordações de Sam, de coisas banais que nem ele mesmo se lembrava de ter vivido, seriam o começo. Assim que Dean acreditasse que ali veriam o melhor de suas vidas, como de fato acontece no céu, só precisaria deixar claro que o melhor para Sam sempre foi longe dele.

Não seria preciso mais nada. O fingimento com Mary foi só um toque de crueldade, que ele não poderia abrir mão depois de ter sua competência colocada em xeque por dois míseros mortais.

Lúcifer agora acarinhava o amuleto depositado na palma da mão esquerda com a ponta do indicador. As pupilas dilatadas e os ombros levemente tensos eram as únicas indicações de que tudo aquilo era realmente importante demais.

- Eles desistiram, senhor. Os três. – ajuntou Zacariah.

- Eu sei. – murmurou quase sem abrir os lábios.

- O mais novo vai lhe dizer “sim” antes do esperado.

- Também sei disso.

- E mesmo assim ainda vai atrás d’Ele?

Lúcifer fechou a mão segurando com força o amuleto. Olhou Zacariah, com um ar de quase desprezo antes de responder:

- Não. Vou atrás do filho dele!

E antes que Zacariah pudesse expressar qualquer reação, Lúcifer já se tinha ido.