Flor da meia-noite escrita por Tha


Capítulo 3
III - O que é ser humano afinal?


Notas iniciais do capítulo

OPA, TUDO BOM QUERIDOS?



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Quando voltei para casa, encontrei meus pais na sala. Estavam sentados um de frente para o outro, cada um em um sofá, sérios e com as mãos sobre o colo. Minhas bochechas ficaram dormentes quando todo o sangue de repente se esvaiu. Minha casa era o que Hazel sempre descrevia como “aconchegante à moda antiga”. O tipo de casa em que era fácil se sentir à vontade e relaxar. Naquele momento tive a impressão contrária, e a tensão se acumulou em meus ombros.

— A vovó está bem? – Perguntei. Era a única coisa que me ocorria para justificar ambos em casa no meio do dia e tão sérios. O sorriso que surgiu no rosto da minha mãe pareceu complacente e imediatamente me colocou na defensiva.

— Sim, Ally, a vovó está ótima. Todo mundo está bem. Por que não guarda a mochila e depois vem sentar com a gente? Precisamos conversar.

Fui para o meu quarto e imaginei o que aconteceria se me trancasse lá dentro. Até olhei para a estante alta perto da porta, que poderia ser arrastada para bloquear a entrada, como se a ideia fosse realmente válida. Se eu não saísse nunca mais, eles não poderiam me dar a notícia que os preocupava tanto. Andei de um lado para o outro por alguns minutos, revendo minhas opções, e depois saí.

Minha mãe apontou para a solfrona (Apelidada assim por ser menor do que um sofá, mas maior do que uma poltrona). Ficava encostada na parede entre os sofás, e sentei nela. Enfiei as mãos entre as coxas para evitar roer as unhas.

— Alguém vai me contar o que está acontecendo? – Olhei diretamente para minha mãe, esperando que ela contasse.

Independentemente do que fosse, minha mãe diria com mais cuidado. Ela reconhecia a existência de sentimentos. Diferente de meu pai, que parecia achar que as pessoas eram como os programas que ele desenvolvia: fáceis de reconfigurar quando não reagissem como o esperado. O rosto dela não disse nada a princípio, depois suavizou e assumiu uma expressão parecida com pena. Não era um bom sinal. Mas foi meu pai que começou a falar:

— Bom, você sabe que é adotada né? Sempre procuramos falar isso pra você para que não vire uma daquelas adolescentes que fica revoltada – Eu sorri e cheguei um pouco mais pra frente.

— Então é isso? Ah pai, tudo bem.

— Não, não é isso – Minha mãe suspira – Seus pais biológicos entregaram você pra gente por ser mais seguro já que você não é muito... normal.

— Normal? Eu não sou normal? Mãe, eu sou bem normal.

— Você sabe que a sua mãe tem uma formação bem completa em misticismo.

— É, eu sei, que que tem?

— Eu estudo sobre as coisas sobrenaturais que rodeiam nesse mundo – Mamãe toca meu joelho e eu começo a achar aquela conversa estranha, eu não sendo "normal", meus pais falarem de coisas sobrenaturais.

— Eu já falei que respeito suas crenças, mãe, mas essa coisa de seita de vampiros e...

— Allyson – Meu pai repreende e eu me afundo no sofá de novo – Sua mãe já comentou de uma espécie de... humanos-anjos aqui em casa, nephilins.

— É, eu sonhei com isso noite passada, eu acho, agora eu não me lembro direito.

— Você sonhou com isso? E não nos contou?

— Não achei relevante.

— Mas é claro que é relevante! - Meu pai se levanta e eu me assusto com seu repentino ataque de pelanca.

— Martim, ela não sabe, não tem como...

— Eu sei, eu sei, só não consigo lidar com isso, não sei como contar pra minha filha que ela não é humana!

—Epa, espera aí, o que deu em vocês? – Me levanto também e meu celular vibra no meu bolso. A foto da Hazel aparece na tela e eu bufo – Oi, não posso falar agora.

— Liga sua televisão, agora! Coloca no noticiário.

— Tá, tô ligando – Pego o controle ainda com o celular na orelha e ligo a tv da sala, e coloco no canal 10 e o âncora do jornal tem uma expressão preocupada.

— Allyson, estamos no meio de uma discussão.

— Espera um pouco, pai, só um minuto. Hazel, te ligo depois.

— Foi encontrada hoje uma garota de dezessete anos às margens do lago perto do centro da cidade, com a garganta cortada. Seu nome era Zoe Paxton, fazia parte do editorial do jornal do Lincoln High – Zoe? A mesma Zoe com quem eu falei hoje de manhã? A Zoe de cabelos cacheados que vivia com a caderneta na mão? Essa Zoe? Eu não podia acreditar – Embora esse fato tenha sido brutal o suficiente, a perícia observou uma enorme cicatriz em suas costas, um V de cabeça pra baixo, e uma adaga alojada no encontro das duas linhas. O que poderia ter acontecido? É possível que... – Paro de escutar, minha mente fica zonza e eu caio no sofá ao lado da minha mãe. Zoe Paxton?

— Martim...

— Eu sei, Lanna, não precisa me lembrar do quanto estamos correndo perigo agora. Acha que foi ele?

— Não sei, de verdade.

— Vocês sabem de algo? Me falem. Essa menina era da minha escola! Caramba, o que tá acontecendo?

— Existem forças no Universo que não somos capazes de explicar, criaturas, criadas a partir do mal, com o único propósito de desejo e possessão, sem sentimentos ou algo que indique humanidade. Máquinas de matar, bebedores de sangue, lobos com sede de matança.

— Meus pais acreditam em vampiro, que legal.

— Allyson...

— O que? Querem mesmo que eu acredite nessa insanidade?

— O bem existe também, e ironicamente nasceu do mal, pessoas boas, servos da luz.

— Deixa eu adivinhar, eu sou uma serva da luz e meus pais biológicos eram grandes seres do mal que saíam matando todo mundo?

— Não.

— Poxa, que alívio - Ironizo e mamãe revira os olhos - Eu tô achando esse papo muito interessante, sério, mas tenho que estudar - Aponto para as escadas e vou andando de costas - Então a gente super pode discutir sobre vampiros depois

— Não são vampiros.

— Certo, lobos.

— Lobos não, anjos.

— Isso, muito legal.

Sorrio e começo a subir o lance de escadas que dava no corredor do meu quarto. Tranco a porta e me jogo na cama pegando o ipod, mas desisto da ideia assim que lembro que uma colega da escola foi assassinada de um jeito muito...

Sinistro — Clove comenta quando nos sentamos nas cadeiras da sala de biologia, era uma atividade em dupla e Hazel fazia a aula em outro horário, obviamente por causa de Liam Fernandes – A garganta dela... meu pai falou que não é de um assassino comum, é uma característica milenar de alguma coisa, eu só prestei atenção no pescoço.

— Sem detalhes, por favor, sabe que tenho pavor de sangue, e só a menção me faz querer vomitar.

— Desculpa, mas tem que admitir que é sinistro.

— É bem... estranho.

Clove falava da garganta, mas eu não parava de pensar na forma com que aquela cicatriz parecia diferente. Quem tinha una cicatriz enorme daquela em forma de V? Zoe apanhava demais em casa? Uma vez eu ouvi dizer que muita gente tem medo de levar o caso a polícia, mas parecia grave demais pra mim.

— Abram no capítulo de genética, quero que montem um esquema de genes modificados pra cada uma das doenças que estão marcadas em cima das suas bancadas – O Senhor Carter entra na sala já dando ordens e abro o livro resmungando – Sobre a nossa excursão do fim de semana, vai rolar, então passem as autorizações pra dupla de trás e tragam amanhã bem cedo.

— A excursão de biologia devia mudar de nome pra algo do tipo mais selvagem que rola nas barracas depois da meia noite – Clove sussurra e eu rio, mas paro assim que noto Jason entrando na sala. O que? Ele vai fazer biologia também? Como se não fosse irritante o suficiente ter ele ao meu lado enquanto a professora fala de Hard.

— Essa excursão promete – Jake se inclina no seu lugar atrás de mim e sussurra no meu ouvido. Arrepios tomam conta de mim e um sorriso safado surge em meus lábios.

— Com toda a certeza – Clove escuta e revira os olhos.

— Preciso de um namoradinho.

//

— Sei que você tá chateado comigo, mas preciso da sua ajuda - Digo assim que Adam resolve atender o celular – Cheguei a conclusão que as últimas doze chamadas perdidas eram porque estava bastante ocupado.

— Bem, eu não estava bastante ocupado.

— Estava sim, calado – Abro meu laptop e penso um pouco se eu deveria sequer considerar essa possibilidade insana, impossível e completamente absurda.

— Então, o que quer?

— Seu pai ainda tem aqueles livros antigos do qual ele se gaba tanto?

— Ah, acho que sim.

— Traz aquele de mitologia pra mim.

— Mas eu tô estudando.

— Vamos estudar historia.

— Ally, se você acha que pode me tratar igual aqueles seus escravocetas, e me dizer o que fazer e quando fazer, você está completamente...

— Não acredito que falou escravoceta — O interrompo rindo –  Te espero em 5 minutos – Então desligo e espio pela janela.

Adam que antes estava fazendo alguma coisa no computador, olha pro celular, totalmente frustrado, logo depois bufa e se levanta. Ótimo. A campainha toca lá em baixo e eu corro pra abrir a porta.

— Chegou cedo, veio correndo?

— Morar na frente da sua casa facilitou – Ele sorri e entra sem cerimônias – Oi Senhora Hale!

— Adam? – Minha mãe surge na porta do escritório ajeitando o óculos no rosto – Faz tempo que você não vem aqui.

— Meu caro amigo não estava muito receptivo nas últimas semanas, mas vamos estudar no meu quarto, então qualquer coisa, grita – Puxo adam pela mão e subimos as escadas. Eu tranco a porta e me sento na frente do laptop novamente – Procura algo sobre misticismo relacionado a deuses, anjos e todas essas crenças.

— Porque?

— Meus pais estão estranhos e falando dessas coisas pra mim, quero acreditar que é uma crise de meia idade, mas vai saber.

— Ah... eu acredito às vezes.

— Em anjos? Quanto tempo tem que a gente não se fala? – Brinco girando a cadeira pra trás enquanto ele folheia o livro. Adam levanta a cabeça apenas pra dar um meio sorriso e depois volta pra leitura – Vai pra excursão?

— Não sei, você vai?

— Sabe que amo ciência.

— É por isso, você é lógica demais pra acreditar nesse tipo de coisa.

— Posso te contar uma coisa, e você promete não falar pra ninguém? – Me inclino e sussurro mesmo sabendo que é impossível alguém escutar.

— Allyson...

— É, eu sei, pacto dos segredos e tal. Mas enfim, eu tô com medo porque... meus pais disseram algo sobre eu não ser humana – Assim que as palavras saem da minha boca, Adam deixa o livro cair no chão e arregala os olhos – O que? Eu sou humana!

— Não, não é isso - Ele pega o livro do lugar onde tinha caído e tenta disfarçar dando um sorriso - Seus pais são hilários.

— É, eu sei. O que achou?

— Pouca coisa sobre anjos. Tem um conto de Licaão, e algo sobre uma maldição relacionada ao sol. Aqui diz que existem vários grupos de anjos diferentes. Os anjos da morte, os mensageiros, os protetores, os curandeiros, os caídos, os...

— Caídos? – Me interesso e sento na cama ao seu lado – O que são os caídos?

— Anjos que por algum motivo infringiram leis do mundo sobrenatural, ou de Deus, ou não respeitaram o equilíbrio da natureza, e foram fadados a viver na Terra como exilados, sem asas, sem poderes, sem sensações.

— Ouvi algo sobre caídos em um sonho, mas agora não tenho certeza. Pesquisa aí pra mim: Adina.

— Seu nome de batismo?

— É, anda – Adam resmunga antes de sentar na frente do laptop e começar a digitar, pego o livro e procuro algo a mais.

"Segundo o mito, alguns cidadãos gregos acreditavam que deviam suas vidas mais a Prometheus do que aos deuses do Olimpo. E alguns seguidores até tinham nomes pra honrar os titãs ao invés do deuses. O filho de Prometheus, Licaão, não apenas se recusou a honrar os deuses, ele os desafiou: Convidou Zeus para um banquete e tentou servir a carne de um humano. Enfurecido, Zeus destruiu o lugar com relâmpagos, e puniu Licaão e seus filhos, transformando-os em lobos"

— Adina foi uma das primeiras nephilins a desafiarem caídos há muito tempo atrás, teve até uma guerra, que legal. Tá, pelo menos foi a única coisa útil que eu achei, o resto só dá uns sinônimos e sugestões pra nomes. Quem colocaria o nome da filha de Adina?

— Obrigada Adam, muito gentil – Ele ri quando percebe o que falou – Pesquisa sobre nephilins agora, quero saber muito mais.

— Ally, não acho que...

— Que autorização é essa? – Mamãe chega com o papel da escola na mão nas não dou muita atenção, mergulhada na leitura.

"Acredita-se que a degeneração e a corrupção da raça humana começou a se instaurar na Terra nos tempos de Enoch, um dos sucessores de Noé, depois de sete gerações, e persistiu até o tempo de Jared, neto deste peculiar e misterioso profeta da bíblia atual. A razão dessa degeneração foi a queda dos Anjos que antes eram amados e queridos por Deus, mas tamanha tentação pelas filhas do homens da Terra os fizeram desonrados perante os olhos do criador. E ao cair, as possuíram e tiveram com elas uma geração, chamados Nephilins, uma raça nova, altos como três mil varas."

— Excursão de biologia amanhã, assina pra mim?

— Onde vocês vão?

— Pra reserva.

— Não acho viável, é muito perigoso e...

— Ah, pelo amor de Deus, mãe – Fecho o livro grosso e antigo e me viro pra porta – Não pode me privar das coisas da escola.

— Não tem ideia do que está em jogo.

— Tenho, as minhas notas. Mãe, por favor.

— Adam vai?

— Sim! – Respondo rápido demais e minha mãe me joga um último olhar desconfiada antes de voltar pra sua biblioteca particular – Parece que você acabou de arrumar um programa pro fim de semana.

— Odeio você.

— Não seja tão modesto, Lindinho.

— Tenho que ir, para de pesquisar sobre essas coisas, sério Ally.

— Claro.

 


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