A Alabarda de Ouro escrita por Untitled blender


Capítulo 2
De como um assalto à geladeira pode ser perigoso




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/689310/chapter/2

Eu não acordei arfando. Apenas abri os olhos. Eles se acostumaram à escuridão do meu quarto, enquanto eu me lembrava do sonho. Eu estava preso na escuridão pura e absoluta. Paisagens conhecidas e desconhecidas giravam ao meu redor. Eu estava correndo, de vez em quando vendo como as folhas passavam rapidamente sob meus pés.
Eu não pensava. A única coisa de que estava consciente (em um sonho, como se pode estar consciente?) era do medo apertando minha garganta. Eu voava pela escuridão, mais rápido do que carros ou animais, movido por puro medo.
Eu não sabia o que me perseguia, mas, fosse o que fosse, eu sabia que não queria ser pego por aquilo. Meus olhos se acostumaram à escuridão, revelando os contornos do meu quarto em tons de preto.
Pus meus pés para fora da cama. Por um piscar de olhos, senti mãos agarrando meus tornozelos. Quando olhei, não havia nada. Suspirei.
–Você tem quinze anos, cara. - disse para mim mesmo.- não tem nada debaixo da cama, só meias sujas. Na verdade, nem meias sujas tem.
Levantei os olhos para a janela, pensando. Tinha cinco opções. Acontecia de vez em quando, insônia. Algumas vezes por mês.
Opção 1: tentar ligar a TV do meu quarto e assistir qualquer coisa (minha mãe ouviria).
Opção 2: ligar o PC e criar alguma coisa no Blender* (minha mãe não ouviria, mas a renderização iria levar a noite inteira e ela saberia de manhã).
Opção 3:ligar o celular e descobrir novos aplicativos (essa não era de todo ruim.
Eu poderia ter usado o aplicativo que transforma o celular em controle e ligar a TV no volume mínimo, mas resolvi deixar quieto).
Opção 4: tentar dormir de novo (o que era sabidamente impossível).
Ou...
Opção 5: assaltar a geladeira.
Eu fiz a coisa mais óbvia. Uma das coisas de que mais me arrependo na vida. Eu fui assaltar a geladeira. Aqui tenho que fazer uma pausa e explicar algumas coisas sobre a minha casa. É um sobrado médio num bairro tranquilo de Curitiba, azul, com um jardim legal e bem cuidado.
Meu quarto é o do meio no andar de cima, sendo que à direita está o quarto de meus pais, e à esquerda, um banheiro. Eu abri a porta lentamente e passei em frente ao banheiro para descer as escadas.
As escadas eram uma série de toras lisas na parte de cima, cortadas em forma de paralelepípedos e embutidas na parede. Não havia qualquer espécie de corrimão nem nada por baixo das escadas. Agora que penso nisso, se houvesse um corrimão, quem sabe eu estivesse morto. Uau.
Desci até o oitavo degrau de cima para baixo. Quando estava baixando meu pé esquerdo para o nono degrau, algo brilhante passou em frente ao meu rosto e acertou a parede. E eu, como todos os idiotas nos filmes, olhei para a parede. Um dardo tranquilizante. Impossível.
Ok, isto é o Brasil. Nenhum, assaltante no Brasil iria usar dardos tranquilizantes. Aliás, nenhum assaltante fora dos filmes no mundo inteiro. Tiros à queima roupa geralmente são muito mais práticos. E rápidos. E baratos.
Virei-me para a direção de onde viera o dardo. Idiota. Quatro pessoas vestidas de preto me apontaram armas de longo alcance com miras laser. Cinco. Uma delas me apontou uma zarabatana com mira laser. Isso, além de assustador, era incrivelmente engraçado.
Eu quase ri. Depois notei os capacetes com óculos de visão noturna. Eu só enxergava os contornos deles, mas eles me viam em HD.
–Desça devagar, cara- disse uma voz abafada.
Senti que logo seria espetado por um dardo, por que o pontinho vermelho subiu até o meu pescoço, desaparecendo do meu campo de visão. Ouvi o dardo antes de vê-lo.
Meus reflexos nunca foram muito bons, mas, de repente, desviei do dardo, que se cravou na parede. Outra coisa impossível para uma zarabatana.
Eu havia acabado de acordar, mas senti como se nunca mais fosse precisar dormir. E fiz a coisa mais idiota que me lembro de ter feito. Eu pulei da escada em direção aos meus atacantes, dois metros abaixo.
Você deve estar pensando “que coragem”, ou “que retardado!” (o que é mais provável) mas eu sabia de uma coisa que eles não sabiam. O sofá da minha mãe acabaria salvando minha vida. Ele era branco, por isso brilhava naquele breu como uma lanterna. A sala de estar ficava do lado direito da escada, e a cozinha, á frente.
Atirei-me em sua direção, sentindo meus joelhos bambearem quando meus pés entraram em contato com o tecido. Assim que aterrissei, sobre as mãos e os joelhos, rolei e , me sentindo um completo imbecil, me atirei sobre o cara da zarabatana.
Não que não tenha dado resultado. Ele caiu, e a arma que tinha nos lábios lançou um dardo no sujeito ao lado. Eu roubei a arma dele, e apontei para a pessoa que parecia ser o líder.
Eu queria falar algo corajoso como “vocês vão recuar devagar, pôr as mãos na cabeça e me dar tempo para fugir” ou “abaixem as armas senão eu atiro”. Talvez até mesmo puxar o gatilho. Em vez disso, saí correndo na escuridão. Acho que talvez você lembre-se do que eu esqueci.
Quem iria lembrar que eles tinham óculos de visão noturna?
Então a bala me atingiu.
Sabe aquela frase clichê que os autores colocam em seus livros “a dor era como se uma barra de ferro incandescente atravessando meu peito”?
Então... Eles estão errados.
A dor fica um tiquinho acima de “era como se houvessem pego uma motosserra, amarrado arame farpado de cerca elétrica, afiado todos os dentes, prendido cacos de vidro neles, enchido os espaços vazios com chumaços de algodão encharcado em gasolina e ateado fogo.” Isso com a motosserra ligada me transpassando de um lado a outro.
Senti a dor excruciante até o exato momento em que colidi com o piso. E desmaiei. Ou, como diriam nos Best Sellers, “mergulhei na escuridão”.
*Blender é um programa de manipulação 3d com software livre mantido por contribuintes. (n.d.a)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Alabarda de Ouro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.