O Teorema das Flores escrita por Miss Houston


Capítulo 3
Capítulo 3




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— Não acha que bebeu demais? — Alina questiona visivelmente irritada. Avery a encara com desprezo puxando as chaves de seu bolso e as deixando cair, dando uma gargalhada em seguida. — Você não está cogitando dirigir nesse estado, está? Eu vim te visitar porque precisamos conversar, Avery. A vovó...

        — Cale a boca por um minuto, Alina — a irmã pede abaixada tateando o chão. — Preciso de concentração para achar essas malditas chaves. — escuta a irmã bufar e sente algo roçar na ponta de seus dedos. Puxa e escuta o tilintar das chaves. — Vamos para casa.

        Alina entra na frente de Avery antes ela entre no banco do motorista.

        — Você não vai dirigir.

        Avery fecha a cara.

        — Você não é a minha mãe. — rebate sem atingir a irmã. Alina cruza os braços e bate o pé contra o chão, esperando que as chaves lhe sejam entregues. Avery revira os olhos e estende a chave para ela. — Eu quero chegar em casa ainda hoje. Preciso vomitar.

        Alina demonstra seu cansaço em um suspiro e entra no carro. Ela quer brigar com Avery por ser irresponsável ao ponto de beber até cair, mas sabe que está passando por um momento difícil. Era para ser sua despedida de solteira, porém seu noivo transou – e ainda transa – com uma das madrinhas de Avery, o que fez uma comemoração feliz se tornar um show de autopiedade.

        Contar sobre a saúde frágil de sua avó não parece propício, não com Avery aumentando o volume do rádio e cantando de um jeito desesperador. Antes de ir para a cidade atrás da irmã, Alina cultivava um rancor pela partida dela. Não pensou em ninguém quando arrumou as malas e foi seguir o seu sonho. Alina permanece ao lado da avó desde aquele dia, querendo que sua irmã diga que sente falta das duas e irá voltar.

        Só que nunca acontece.   

        — Você não precisa cuidar de mim! — Avery diz repentinamente.

        Alina a encara imaginando o quanto uma pessoa tão parecida fisicamente com ela, poderia ser tão diferente na personalidade.

       Eu não cuidaria se você não entrasse em um coma alcoólico todas as vezes em que saí. Deveria crescer, Avery. Não somos mais adolescentes. — responde mal humorada.

        Avery abre a boca pronta para retrucar, mas o que faz é gritar.

       Alina!

        Faróis as atingem e Alina tenta alcançar a mão de Avery antes de impacto. É tarde demais.

        Avery dá um passo para trás quase tropeçando em seus pés e olha assustada para a sua mão, onde o caule da astromélia deixa uma marca na palma. Encara Alina com os olhos arregalados, procurando uma explicação plausível para o que houve, mas nenhuma passa por sua mente.

        — Senhorita Hyden?

        Vira-se vendo o semblante preocupado do doutor Cavanaugh. Respira fundo, procurando retomar o controle da situação e solta a flor que ainda segura no chão.

        — Está tudo bem. — garante. — Pensei ter visto-a se mexer.

        Cavanaugh continua olhando-a preocupado, mas aceita a explicação. Muitos parentes que  vão visitar os pacientes nutrem a esperança que eles irão acordar a qualquer instante. O médico ajeita a prancheta e se aproxima, indicando para que Avery sente-se.

        — Queria conversar com a senhorita. — ele diz mantendo a expressão mais neutra possível, por mais que o assunto o incomodasse. — Queremos saber se você quer que desliguemos as máquinas caso sua irmã não acorde em um determinado período.

        Avery arfa com o questionamento.

        — E por que eu gostaria de uma coisa dessas? — indaga irritada.

        — Avery, você quer mesmo que sua irmã seja mantida desse jeito por anos? — pergunta com a voz suave. — O que ela faria no seu lugar?

        — Eu não sei — abaixa a cabeça, colocando-a por entre as mãos. — Alina sempre foi a racional de nós duas e eu... Estava lá. Fui embora, abandonei minha família e nem quis saber deles até esse momento. Agora minha irmã está em coma, minha avó doente e não sei como vou reorganizar minha vida quando voltar para casa. Nunca me senti tão perdida.

        Cavanaugh coloca a mão por cima da de Avery em uma demonstração de empatia.

        — Acho que deve ir para casa conversar com sua avó. — aconselha.

        Mexe a cabeça, concordando com o médico, pois é a única coisa racional que pode fazer. Apanha sua bolsa e se aproxima de sua irmã pela última vez para dar um beijo em sua testa. Dá um pequeno sorriso ao perceber que ela tem um arranhado na testa, como o testa. Apanha a flor no chão e põe de volta no vaso, hesitando ao observá-lo de perto. A sensação de estar conectada a sua irmã faz com que todos os pelos de seus braços se arrepiem.

        — Avery?

        Ela pisca.

        — Vou falar com minha avó e damos a resposta o mais rápido possível.

        Cavanaugh estende os papéis para ela.

        — Caso se decidam por desligar as máquinas, assinem aqui. — indicou. — Não queremos que sua irmã morra, Avery, mas também não queremos que sofra ao retardar o inevitável.

                                                                   ******

        Avery estranha o silêncio da casa quando adentra. Demorou mais do que o planejado por conta do fluxo fraco de ônibus para aquele lado da cidade, por isso está parcialmente irritada. O restante do seu bom humor foi embora ao pensar na decisão difícil que teria que tomar e as explicações que queria pedir à sua avó.

        — Voltou cedo — sua avó observa sentada na poltrona terminando de amarrar um buquê delicado de flores vermelhas e brancas. — O que achou?

        Avery senta-se ao lado dela.

        — Quais são?

        — Milefólio e Papoula. — sorri satisfeita com seu trabalho. — Cura e ressurreição. Quero que leve amanhã para Alina.

        A neta franze o cenho.

        — Por que a senhora não foi visitá-la ainda?

        Valerie deixa seus ombros caírem, cabisbaixa.

        — Só vou ao hospital na hora certa. Quando Alina abrir os olhos, garanto que estarei lá. — ela diz e pousa os olhos averiguando sua neta. — Tem alguma coisa a incomodando. — afirma e estende a mão na sua direção. — O que foi?

        Avery não sabe por onde começar. Quer contar sobre a conversa que teve com José no carro e exigir o motivo da avó não contar sobre a saúde debilitada. Depois, quer perguntar o que tinha acontecido no hospital, como Avery tinha tido aquela ligação com sua irmã em coma como se estivesse em sua mente. Prefere começar pelo o mais urgente.

        — O médico Cavanaugh ofereceu que desligássemos os aparelhos de Alina. — diz estendendo os papéis na direção da avó que tem a expressão abismada. — Não quero fazer isso, mas se a senhora quiser...

        Valerie tosse lendo os papéis.

        — Isso é loucura. Não podem matar Alina desse jeito, sem dar a chance dela lutar.

        Avery coloca uma mão no braço de sua avó.

        — Vó, José conversou comigo sobre a senhora e...

        Valerie se afasta brusca.

        — Estou ótima — levanta-se pegando o buquê. — Precisamos ir ao hospital.

        Avery se alerta.

        — A senhora está bem?

        — Estou ótima, querida, mas eles não podem fazer isso com Alina.

        Arrependida, Avery para na frente de sua avó segurando os seus ombros com delicadeza, sentindo o calor na pele dela. Ela pensa em tudo o que Alina diria nesse momento para acalmar a sua avó e se repreende por ter começado com um assunto que na cabeça de sua avó seria mais importante do que a própria saúde.

        — Eles não vão fazer nada sem esses papéis. — Avery garante. — Agora conte-me o que a senhora tem.

        Valerie avalia a neta por poucos segundos antes de retornar a poltrona. Ela larga o buquê na mesa e suspira, visivelmente cansada, quase amargura de um jeito que Avery nunca tinha visto antes. Ela senta ao lado da avó e espera que organize os seus pensamentos.

        — Por favor, não me diga que é câncer — Avery pede fechando os olhos. Está cansada de ver uma pessoa que ama definhando na sua frente.

        — Não é câncer. Tive pneumonia, mas já passou.

        — Quem disse isso? Você ou os médicos? — põe a mão por sobre a de sua avó e se exalta. — Você está com febre, vó! Precisa voltar ao médico e...

        — Não precisa se preocupar comigo. — Valerie garante dando um riso amargo. — Sua irmã, que tema vida toda para frente, e estão tentando matar. Eu já estou velha. — ela levanta a mão, interrompendo a reclamação de Avery. — Não venha dizer que estou errada.

        — Isso não significa que a senhora tem que morrer.

        Valerie abaixa os olhos tristes.

       

                                                                   ******

        — Avery, você pode ajudar o José lá trás?

        Irritada, ela acata a ordem de sua avó e vai atrás de José no depósito. Ele está terminando de arrumar as folhas em grandes vasos para colocar na parte da frente da loja e se sobressalta quando vê que não está sozinho.

        — Precisa de ajuda? — ela pergunta.

        — Não precisa. — diz e dá um sorriso. — Estou terminando. Acho que sua avó quer que fiquemos sozinhos de qualquer jeito.

        Avery dá de ombros.

        — Talvez precisemos conversar. — diz tímida fazendo com que José erga uma sobrancelha e se recoste na parede, curioso. — Tentei conversar com minha avó sobre a saúde dela, mas esqueci de quem herdei a cabeça dura.

        José solta o ar como se já estivesse acostumado.

        — Não me surpreende. Sua irmã e eu tentamos de todos os jeitos, mas ela só coloca os pés no hospital quando tem que ser internada. — ao perceber que Avery equilibra o peso do corpo de um pé para o outro, fica atento. — Mas não é única coisa que está te incomodando, certo?

        Pensa em contar sobre desligar as máquinas de Alina, entretanto não queria preocupá-lo mais ainda. E queria tratar de um assunto que não conseguiu com sua avó e a estava crepitando em sua mente. Olha para as flores ao seu redor e respira fundo, sentindo aquela sensação de paz interior que sempre tinha quando pisava na floricultura.

        — Ontem, quando estava com Alina, me lembrei do que aconteceu. — sussurra. Escuta José se aproximando e parando na sua frente. — Foi estranho... Estava colocando uma das flores que minha avó deu nas mãos dela e recordei de tudo, como um deja vu estranho. E o pior não foi isso. Foi saber que a culpa de tudo é minha. Alina estava me levando para casa depois... — interrompe-se resolvendo não dizer que a festa seria dela, se seu ex-noivo não fosse um filho da mãe. — uma festa em que bebi demais. Um carro bateu no nosso. — ela respira com força em uma tentativa falha de conter as lágrimas já com voz embargada. — Ela tinha ido contar sobre nossa avó e eu não dei a mínima.

        — Você não tinha como saber, Avery — José toca em seu ombro, atraindo sua atenção. — Estava vivendo a sua vida na cidade grande e nós seguimos aqui. Não poderia adivinhar que exatamente naquela noite alguém bateria no carro de vocês. Não quero que fique se culpando.

        Avery abre a boca para adicionar mais um tópico a sua lista de culpa – a culpa de ter deixado José sem nenhuma explicação coerente – quando o barulho de algo quebrando chama a atenção de ambos na frente da loja. Ambos correm e Avery freia assombrada vendo sua avó deitada no chão apertando a mão contra o peito. Desesperada, ela se joga no chão, pegando a mão da avó.

        — Ligue para uma ambulância — ela grita para o nada. — Alguém, ligue para a emergência. — acaricia o rosto da avó que tem medo em seus olhos e espasmos no corpo. — Fica comigo, por favor. Não posso perder mais ninguém. — chora. — Vó, por favor.

        — O buquê — Valerie sussurra. — Dê para Alina.

        Avery ignora limpando as lágrimas que teimam em descer por seu rosto.

        — José!

        — Eles estão a caminho, Avery — ele diz com sério e se senta em frente a Avery, pegando a outra mão de Valerie. — Valerie, não pode fazer isso conosco. Não agora. Suas netas precisam de você. Nós todos precisamos.

        Alguns cliente que permanecem na loja tentam ligar para emergência e murmuram entre si. Avery é puxada bruscamente pela blusa por sua avó até que seus rostos estejam a poucos centímetros de distância, a mão de Valerie treme e seu rosto se retorce de dor.

        — Dê o buquê para Alina.

        A ambulância chega e leva Valerie para o hospital Mercy. Avery segura a mão de sua avó durante todo o caminho, ignorando os termos técnicos que são ditos pelos enfermeiros enquanto cuidam de sua avó. Ela se vê em um replay de sua vida, onde dias atrás estava fazendo o mesmo com Alina quando ambas eram encaminhadas para o hospital.

        — Por favor, não posso perdê-la. — Avery suplica soluçando. São as mesmas palavras que usou com Alina — Não posso.

                                                                   *****

         Avery a perde.

        Os médicos dizem ter feito tudo o que é possível, mas Valerie não resiste. O mundo de Avery se torna escuro e vazio, onde sente falta de alguém que afastou por anos da sua vida. Planeja voltar para a cidade por não conseguir pisar na casa sabendo que não encontrará a avó com suas flores ou seus biscoitos.

        — Peguei algumas roupas para você. — José diz ao chegar com uma bolsa. Ele é o seu suporte no momento. — Passei para ver Alina — ele conta e solta um muxoxo. — Não acredito que Valerie se foi.

        — Nem eu. — murmura sem vontade de conversa. — Não tenho minha irmã, não tenho minha avó e mais ninguém.

        José coloca um braço ao redor de seus ombros.

        — Você tem a mim, Avery. — ele desvia os olhos por um segundo. — Se quiser, claro. — acrescenta. Avery sente seu peito um pouco mais leve. — Achei o buquê que sua avó tanto falava. Deixei no quarto de Alina.

        Um pequeno alarme soa em sua mente e ela se sobressalta. Sua avó insistiu bastante naquele buquê, mas não deu tempo de entregá-lo. É loucura pensar, mas e se seu ataque cardíaco não tiver sido repentino. Se Valerie planejou tudo. Avery chacoalha seus pensamentos insanos, por mais que a lembrança do toque da astromélia não a abandonasse.

        — Queria que Alina estivesse acordada para se despedir da vovó.

        — E talvez ela possa.

        Avery levanta os olhos para o doutor Cavanaugh e percebe o brilho estranho nos olhos do médico. Um brilho que não vê nos próprios a tempos: esperança.

        — Sua irmã acordou, Avery.

        Suas mãos vão para a boca, surpresa e as lágrimas descem por seus olhos. Duas palavras habitam sua mente no momento em que abre a porta do quarto da irmã e vê o buquê nas mãos de Alina: Milefólio e Papoula.  

 


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