Espiã escrita por Lorde


Capítulo 1
Capítulo Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/689021/chapter/1

Avistei ao meu redor qualquer movimento que pudesse indicar perseguição, porém tudo que observei foram apenas o singelo balançar de folhas, feitas pela brisa que me cercava. Ótimo, missão bem sucedida. Pulei do galho mirando o chão, a sola de minha bota militar amassando os galhos secos, num estralo relaxante. Segui o som de água corrente até chegar num pequeno riachinho que dava caminho para uma caverna.

Ajoelhei-me na margem, sujando levemente minha calça preta, até enxergar meu reflexo que reluzia na água, que logo se desfez após minhas mãos formarem uma concha e levar o líquido até meu rosto, retirando uma maquiagem temporária. Repeti o movimento até a água ter apenas água. Abaixei minha cabeça até que tudo fosse apenas o riacho á minha volta, sentindo-me imersa. Afaguei meus cabelos, os penteando com os dedos até voltarem a sua cor originar, deixando um rastro leve de tinta que logo iria se decompor.

Levantei-me sentindo o ar voltar aos meus pulmões, respirando calmamente. Num vislumbre descuidado, encarei-me no espelho natural.

Droga.

Pulei para trás, numa tentativa de esquivar de meu erro, obviamente em vão. A imagem de meu ser agora fixava-se na minha memória, ressurgida e forte.

Pessoas como eu não tem rosto, não tem identidade. E por mais que o destino e os superiores insistam em fazermos engolir essa crença, basta baixar a guarda por meio segundo que sua sanidade e orgulho batem na sua porta, e nem mesmo você consegue segurá-la.

Já fazia muito tempo que esquecera meu rosto. Alías, aquilo era mesmo meu rosto? Poderia ser um disfarce. Tentei buscar nas minhas memórias mais profundas, em vão. A “eu” do ano passado era eu mesma ou um disfarce? Os sorrisos que eu via era realmente pra mim? De qualquer forma, não importava, há outra missão.

Repita comigo, não temos laço nenhum para nos segurar.”

Esse era meu mantra interno, este que era tão contraditório, visto que quem me deu essas palavras era a pessoa com o qual eu mais me importava. Teria ali um sentido ambíguo?

Quando você volta?”

Como eu previ, as memórias retornam do passado e martelam agora em minha mente. Tenho certeza que mesmo que eu pudesse destruir tudo ao meu redor nesse exato momento, elas não parariam, experiência própria. Tudo que me resta é caminhar como se nada tivesse acontecido, caso contrário, logo serei um cadáver qualquer, escondido e jogado num poço onde milhares iguais eu estarão apodrecendo.

Você está vivo?”

Checo sua respiração e seus batimento cardíacos. Seus olhos permanecem sua expressão de terror que mantivera em seu rosto assim que me avistara. Obviamente, seres dessa laia já sabiam que a morte lhes cercavam.

Você está sorrindo, não está?”

Há muito que o sofrimento alheio não consegue mais me dar satisfação o suficiente para preencher a falta de objetivo próprio. Antes um sádico do que uma casca vaga. Invejo eu aqueles ninjas que conseguem sentir orgulho de suas habilidades.

Criada eu para não ter mais sentimentos, o único que não eliminaram foi minha tristeza, que mais nem pode ser chamada assim. Seria esse o tédio, mesmo numa vida corriqueira? Viro-me de costas, saltando pela janela sem deixar rastros ou minha sombra a pairar.

Não existe amor nesse mundo.”

Eu recebo essa confirmação todos os dias e mesmo que o mundo trate de mudar, confirmarei eu mesma. Trago desespero e ódio para os vivos, enquanto os mortos tentam me esmagar. O que um dia meu coração bateu, este o massacrei e o massacraria de novo.

Porque sentimentos são desnecessários.

Eles não me sustentam, eles me destroem. Minhas vagas lembranças do passado em torno de sangue e terror me comprovam isso.

Me prometa.

Promessas são coisas fúteis, não acha, mestre? Um dia, sei de ser uma pessoa, enquanto no próximo segundo, sou outra. Este é o meu destino. Consequentemente, minha lealdade pode ser facilmente questionada e você sabe disso, razão destes seguidores atrás de mim. Os amadores que são seduzidos por suas palavras não passam de marionetes, não é? Ao menos minha lâmina há de brilhar.

“Minha única certeza são as lágrimas das vítimas.”

Lembro-me bem de ter lhe dito isto. Sorrisos que lançam-me são efêmeros, contudo, nunca se esquecem da face da desgraça, cá estou.

Avanço os passos subitamente, imaginando a expressão de seus subordinados. Não lhes devo nada, portanto, sou de fazer o que quiser, agindo de acordo com meu instinto. Isso é outro que não conseguira arrancar de mim. Pois tente.

Crave suas garras em minha alma para tentar, mestre.

Não aceitamos falhas, concluindo que caso falhem em uma missão, suicídio são suas únicas opções.”

Eles não se dão o trabalho de caçar devotados, permitindo lhes o amargo fracasso lhes corroer. Contudo, quem consegue pensar em meio as agulhas que lhe prendem, são caçados.

Irei correr pela floresta, como se a escuridão que me envolver pudesse dar-me uma saída. Quem dera puder me sustentar da ira dos sobreviventes, ou do amor dos desconhecidos, porém, contentar-me com tão pouco não é de meu feitio. Pouso meus pés no solo e ergo minha adaga.

A dor de viver… a morte será sua salvação.

Pois comprovem o que dizem, lacaios! Nossos rostos cobertos com máscaras decidirão o futuro de uma vila, um país, enquanto sujamos nossa honra com puro sangue. Não há nomes a serem sujos, portanto, quem reclamará da face de uma besta traidora?

Você perdeu, mestre. Não treinou-me suficiente para a vida, e não espero que se orgulhe de mim. Mais ainda, não atreva-se a ter piedade.

Se um dia erguer sua mão ao meu relento, cortarei-a.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Espiã" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.