Nada Acontece em Granger Lake escrita por ChatterBox


Capítulo 1
A caminho da Cabana


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoal! Essa é a primeira história de mistério que me empolgou de verdade, e eu estou muito animada para fazer dela o melhor possível!
Aqui vai o primeiro capítulo, e espero que gostem.
Boa leitura.



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Angela estava perdida. Totalmente perdida. Não tinha começo, nem fim, nem meio. Estava no meio do nada. Fazia meses que não conseguia escrever uma palavra num papel, nada, e francamente, o que era aquela inquietação de um livro querendo sair de seus poros e sendo impedido por alguma parede sobrenatural?

Ela sabia que ele estava lá, o livro. Em algum lugar da mente dela, ansiando para surgir, ele se debatia em suas entranhas, mas sem conseguir encontrar o caminho de saída. E aquela estava sendo uma sensação angustiante o suficiente para começar a se preocupar.

Nunca teve tanta dificuldade antes. Escrever sempre foi tão simples quanto respirar para ela, era algo que fazia sem esforço. Sentava em frente ao computador, com uma xícara de café, e as palavras saíam como água corrente de um rio.

Mas uma crise criativa como aquela, ela nunca teve na vida, e também jamais a viu chegando. Foi do nada. Costumava entregar um livro ilibado à editora todo final de ano, e agora, isso.

Não sabia mais o que pensar, mas sabia que talvez a sua crise não tivesse exatamente uma data para ir embora. E se não fizesse algo rápido talvez ela quisesse fazer as malas e se mudar para sua vida, pelo resto dela.

Então pensou que talvez, o isolamento fosse a chave. É isso. Muitas infinidades de compromissos. Muitas coisas para fazer, muito com o que se distrair naquela cidade grande. E todo mundo sabe que um escritor precisa de solidão. É um trabalho solitário e imaculado, que precisa ser respeitado.

A imaginação sempre trabalha melhor quando estamos sozinhos, e é por isso que ela precisava sair.

Tinha que aproveitar a sua ainda suficiente reserva de dinheiro para fazer aquele investimento no seu trabalho. Mas para onde iria?

Ela podia alugar um quarto de hotel em algum lugar, ou... Não sabia. Mas só de se imaginar trancafiada num espaço pequeno de quatro paredes por dias, ou talvez meses, se sentia claustrofóbica.

E de qualquer maneira, ela continuaria estando no meio da cidade, e o movimento ainda estaria lá se ela pisasse os pés fora do Hotel, e não era isso que ela queria.

Fechou os olhos e idealizou, o que precisava. E aos poucos, as palavras foram aparecendo:“Paz”... “Serenidade”.... “Ventos frescos”... “Um LAGO”.

E de repente estava claro como o dia. Ela queria ir para um lugar próximo de um lago. Um local bucólico e sereno onde pudesse refrescar suas ideais e observar a natureza de uma distância ainda moralmente segura e confortável.

Sentada na sua escrivaninha, com o computador a sua frente, ela digitou “Cabana próxima ao lago”. E diversas opções apareceram na sua tela.

Entrou em diversos sites e examinou com cuidado todas as fotos, para ter certeza de que iria achar o que queria. Não queria nada muito cafona, nem muito luxuoso. Uma opção que coubesse no bolso, e no seu ideal.

Algumas eram em cidades grandes, outras caras demais. Mas no meio daquela infinidade de casas e casebres, ela encontrou um que despertou seu interesse: “Cabana modesta e aconchegante nas margens do lago”.

Ao abrir a foto, pareceu ter encontrado exatamente o que queria. Um lugar bem asseado, com sala de estar, cozinha e um quarto de casal, com a frente toda revestida de paredes de vidro. E ao lado, um pequeno píer de madeira sobre a margem de um lago que parecia quieto e pacífico. Ao redor dele estava uma linda floresta de pinheiros que espetavam o céu, envolvidos pela neblina.

Um cenário melancólico, seguro e inspirador, para uma escritora em uma fase de reconstrução.

O preço era um pouco salgado, mas viável. Talvez pudesse fazer algumas negociações pelo telefone e angariar algum desconto. Discou o telefone que estava na tela e esperou ser atendida em um tempo razoável, mas foi surpreendida quando o dono atendeu logo no segundo toque.

 — Alô?

Disse uma voz masculina que pelo sotaque, parecia pertencer a um homem quase idoso do interior do Texas.

— Ahm, oi. — respondeu, estranhamente um pouco nervosa — Aqui é a Angela Fiatti, eu estou ligando por conta do seu anúncio da casa em aluguel.

— Ah sim, olá Angela! — saudou, com um tom bastante cativante — Meu nome é Bart Frankley, estou feliz que tenha ligado. E então, gostou da casa?

— Ah sim, parece ser exatamente o que estou procurando, mas... Queria saber mais algumas coisas, eh... A vizinhança é segura? O que você pode dizer, é um lugar calmo?

— Ah sim, muito calmo! Mal pode-se ouvir o som de uma abelha em Granger Lake!

Disse Bart, e soltou uma gargalhada bem humorada.

—  Ah ótimo, eu estou realmente precisando de um lugar como esse, eu vou porque preciso de um lugar sossegado para trabalhar no meu livro.

— Ah, encontrou o lugar certo!

— Tenho um pouco de dificuldade com o preço... Eu não tenho certeza se vai caber no meu orçamento...

Aplicou.

— Hm... Eu entendo. É uma casa muito conservada, mas eu sei que vai cuidar bem dela, então posso fazer um desconto de 5%, o que acha?

— Ah, seria ótimo sr. Frankley! Eu ficaria muito agradecida.

— Tudo bem, tenho costume de ser gentil com os meus inquilinos. E então... Pretende ficar quanto tempo?

— Hmm... Ainda não sei, talvez em torno de um mês ou dois... Só até eu recuperar a minha inspiração.

— Sim, claro. Está tudo bem para mim.

Antes de desligar, os dois conversaram sobre o dia da viagem, a localização da cidade e a forma de pagamento.

A casa ficava numa cidadezinha chamada Granger Lake no estado do Arizona. Quando criança, Angela já tinha estado lá algumas vezes, com os seus pais que tinham uma vida cigana, imigrantes do Brasil.

Não gostava muito do seu passado nômade, mas tinha algo de bom em conhecer os caminhos das estradas de cor e não ter nem um pouco de medo de viagens interestaduais.

Quanto aos preparativos, resolveu que levaria todos os seus suéteres, toucas e meias de lã. O local, segundo Bart, era úmido, frio e nebuloso nessa época do ano. Ficava numa distância de 10 km do centro da cidade e tinha um péssimo sinal de telefone celular.

Sabendo que ia ficar boa parte do tempo isolada, resolveu que não queria passar dificuldades. Colocou na bagagem objetos e utensílios que talvez pudesse precisar numa emergência. Lanternas, um lampião, cobertores, spray de pimenta...

Pela quantidade de tempo livre que teria, era bom levar alguns passatempos saudáveis que não dependessem de um bom sinal de internet. Livros, caça-palavras, música, seu tapetinho de praticar yoga...E claro, Golias, seu gato persa cinza e fiel escudeiro.

Quando viu que estava tudo pronto, resolveu que partiria no dia seguinte. Não queria perder mais tempo com sua mente ociosa.

No final das contas, tudo estava sendo muito empolgante para Angela, que era um tanto antissocial, e por mais que estivesse tentando esconder, estava adorando a ideia de estar partindo para um lugar onde pudesse ficar sozinha, sem ser incomodada.

Poderia ficar num território seguro de isolamento e poder fazer suas esquisitices. Como jogar xadrez consigo mesma. Nada que gostasse mais do que o conforto de seus próprios pensamentos.

Partiu pela manhã, na sua caminhonete cinza. Pegou a estrada logo cedo.

Passou a viagem toda ouvindo algumas músicas country e umas sinfonias de música clássica. Apreciou a paisagem remota. Parou algumas vezes para encher o tanque do carro e comprar guloseimas. Deixou que Golias esticasse as patas.

Ouviu as últimas notícias da rádio. Conversou em voz alta com Golias, que já estava de saco cheio daquele carro. Olhava para sua dona quase como se a fulminasse com seus olhos felinos e era como se conseguisse ouvir sua voz dizendo que a estava odiando por tê-lo trazido na viagem.

— Vai ficar tudo bem Golias, eu não tinha com quem te deixar, está bem?

Angela tentou cativar seu gato e acaricia-lo no banco do carona, mas ele se esquivou e escondeu-se na parte de baixo do banco, zangado. Ela riu, já previa que aquilo iria acontecer.

— Vamos Golias... Nós vamos nos divertir, viu? Vamos para um lugar cheio de pássaros para você caçar e provavelmente insetos à beça.

O gato não se mexeu, se enrolou no próprio rabo e tentou ignorar o quanto estava irritado com aquele sacolejo.

Aproximadamente às oito da noite, eles chegaram ao seu local de destino. A cidadezinha silenciosa e bucólica de Granger Lake. As ruas eram largas, não se viam grandes prédios, apenas pequenas lojas e comércios, iluminados de forma modesta naquela noite de outono.

Angela estacionou na frente de um pub onde tinha marcado de encontrar sr. Frankley aproximadamente naquele horário, o “Timber Pub”. Quando desligou o carro, Golias levantou sua cabeça instantaneamente com a expectativa de ter chegado a hora de ser libertado daquela prisão.

— Chegamos garoto. Fique aqui que volto já, ok?

Sua dona saiu do carro a caminho do pub. A porta tocou um sino anunciando sua chegada. Lá dentro, haviam alguns homens sentados solitários em suas mesas, tomando alguma dose de conhaque. Um balcão de bar do lado esquerdo, mesas de sinuca ao fundo. Uma balada dos anos 90 envolvia o ambiente num volume suave.

A cabeça de Angela girou para um lado e para o outro a procura de alguém que fosse o máximo parecido com o homem que falou ao telefone e como havia descrito sua aparência.

Bart Frankley, um senhor de 68 anos, cabelos brancos, olhos azuis e alguns quilos a mais, mas que continuava esbanjando uma vivacidade digna de um texano aposentado, estava sentado confortavelmente em uma das mesas do fundo do bar e a reconheceu facilmente.

Angela não era uma garota jovem comum. Ela não andava por aí desfilando vestidos primaveris ou sequer sabia o significado da palavra maquiagem. Esporadicamente fazia as sobrancelhas, e um jeans e uma camiseta, talvez um casaco por cima, era o mais próximo de moda que ela conhecia. Os cabelos eram curtos, negros e ondulados num corte que aumentava o comprimento de forma crescente da nuca até a orelha. Os óculos tinham uma armação nem um pouco moderna e os pés a maioria das vezes estavam calçados com botas ou tênis surrados.

Bart veio ao seu encontro, com um olhar gentil e estendeu a mão para cumprimenta-la.

— Muito prazer, Bart Frankley.

— Angela Fiotti.

— Como foi a viagem, tudo tranquilo?

— Sim. — respondeu ela, e enfiou as mãos nos bolsos do casaco verde-oliva que usava — meu gato Golias está um pouco impaciente, será que podemos ir até a casa?

— Ah sim, claro.

Afirmou Bart, com uma gargalhada que fez tremer a pança. Os dois saíram do bar e se dirigiram para os seus carros. Angela na caminhonete e Bart na sua picape dos anos 90.

Percorreram a cidade até um caminho afastado, que levava a uma estrada rodeada de pinheiros, que se seguiram até as margens de Granger Lake. Pela janela do carro, Angela admirou a paisagem. O lago era extenso e calmo, quase um reduto de paz absoluta no planeta terra, e naquela noite refletia a luz da lua nas suas águas tranquilas.

Mais adiante avistou um píer, estava muito escuro, quase que sem iluminação, mas conseguia ver a sombra da cabana ao seu lado, habitando serena nas margens do lago.

Os dois estacionaram em frente à casa, e iluminaram a sua fachada com os faróis por breves segundos antes de desligar o carro. Angela abriu as portas para que Golias saísse. Esse estava muito curioso e ao mesmo tempo desconfiado ao caminhar por aquele território desconhecido. Permaneceu com os passos cuidadosos e majestosos ao lado da sua dona, enquanto ela se aproximava do cenário ainda sombrio da cabana.

Bart caminhou até a porta e tirando um isqueiro do bolso, acendeu o lampião que pendia ao lado, deixando o lugar bem menos assustador. Colocou a chave na fechadura e abriu a porta de vidro.

Dentro da casa, acendeu a luz, dando visibilidade à sala de estar e cozinha. Era tudo aconchegante e simples. Os sofás ficavam em frente à  uma TV muito antiga, que pela aparência, já não devia funcionar a muito tempo. Ao lado dela havia um antigo aparelho de rádio, e na parede da direita, uma lareira. O lugar estava limpo, o que indicava que provavelmente Bart encontrou alguém para fazer uma faxina antes da sua chegada.

Uma estante com alguns livros velhos deixou Angela contente. A cozinha era americana, de tamanho razoável. Tinha um fogão comum, e um à lenha. Uma geladeira modelo antigo, mas que ainda deveria funcionar. Os balcões e armários eram de madeira, assim como o chão. Nas paredes haviam alguns quadros bonitos de paisagens, todos assinados pela sigla “L.V.”.

Angela parou em frente aos quadros, todos enfileirados de cima para baixo e de baixo para cima, tomando toda uma parede da direita, em frente à cozinha e à mesa de quatro cadeiras, e observou, curiosa.

— Bonitos, não é? Minha esposa os pintou. — comentou Bart, parando ao lado de Angela e apoiando as mãos nos quadris, para vê-los — nós costumávamos passar todos os feriados nessa casa e ela adorava pintar durante a tarde, enquanto admirava a natureza. Depois de alguns anos ela teve alguns problemas de saúde e ficou muito frágil. — suspirou, pesaroso — Tivemos que aposentar a cabana e ficar permanentemente na casa da fazenda.

— Eu sinto muito.

Murmurou Angela.

— Bom, — Bart pairou para inflar o peito de ar e bateu uma palma no ar, como se para retomar o tom animado — o quarto fica aqui. — andou até a parede no fundo da cabana e abriu uma das duas portas, entrando no cômodo, acendeu um dos abajures sobre um criado-mudo. O lugar era pequeno, com uma cama de casal coberta com uma manta de retalhos e algumas cômodas decoradas com cacarecos artesanais. Parecia muito confortável.

Angela deu uma boa olhada no lugar, e em seguida, Bart saiu, levando-a para o próximo cômodo, abrindo a porta do lado direito do quarto. Era o banheiro. Bastante rudimentar, porém charmoso, o banheiro tinha chão de pedras, uma banheira de louça e um chuveiro sobre ela. Uma pequena janelinha deixava entrar a luz da noite enluarada. E a lâmpada acesa, dava ao lugar uma luz amarronzada elegante.

— Todas as torneiras tem aquecedor.

Avisou Bart. Depois disso, os dois voltaram para a sala e ele a entregou a chave, junto com as últimas instruções:

— Qualquer problema, me ligue. Como eu já disse o sinal de telefone celular é muito ruim e às vezes, acontecem algumas quedas de energia, mas não duram mais que dez minutos. Se precisar muito ligar e não conseguir, o sinal é bom na cidade, e no “Corn & Evans” eles tem computadores com internet, 3 dólares a hora. Evite deixar as janelas abertas quando não estiver no cômodo, porque alguns guaxinins e esquilos entram de vez em quando. Fora isso, acho que nada.

Angela sorriu minimamente para Bart e agradeceu antes que ele fosse embora.

— Não há de quê.

Respondeu ele, deixando o local em seguida na sua picape.

Angela deu uma olhada para Golias, que já havia explorado boa parte da casa e agora se encontrava em cima de uma poltrona ao lado da lareira, e suspirou. Agora eram só ela e ele por mais alguns longos dias de outono.


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Notas finais do capítulo

Fim do primeiro capítulo.
O que acharam? Espero vê-los no próximo capítulo, se comentarem eu agradeço!
Bjitos, Chatterbox.



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