Welcome to badlands escrita por patty


Capítulo 42
Capítulo Quarenta e Um: uma menina.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/688930/chapter/42

A mãe de Ingrid a acompanhava em todas as consultas, mas naquela ela preferia ir com o pai da criança. Keith sentia que os dois eram os pais mais novos na sala de espera.

Já haviam conversado sobre as probabilidades e nomes, mas Keith não sabia se ela tinha alguma preferência.

— Você tem preferência? – ele perguntou, encarando a barriga dela. Nem podia acreditar que em menos de vinte minutos descobririam.

— Contanto que nasça bem, não importa o que vem no meio das pernas – Ingrid deu de ombros enquanto folheava a revista de celebridades.

Keith notou que Ingrid não estava em seus melhores dias – o que acontecia com frequência perto dele – então resolveu simplesmente ficar quieto e aguardar.

Depois de alguns minutos, com Ingrid ainda folheando as páginas e Keith mexendo na perna para cima e para baixo, nervosamente, eles foram chamados.

Ingrid deitou-se na maca e Keith segurou sua mão, por alguns segundos ele pensou que ela se soltaria, mas retribuiu com um aperto fraco enquanto o doutor passava o gel em sua barriga. A camiseta estava dobrada até a parte de cima do seu peito e pela primeira vez Keith percebeu como sua barriga estava diferente, como se tivesse crescido de um dia para o outro.

— Vocês querem saber o sexo biológico? – ele perguntou, observando a tela. Keith observou também, mas não sabia bem o que via ali.

Keith começou a pensar em como era estranho aquilo, uma pessoa crescendo dentro de outra.

Mas quando percebeu, estava chorando. Não havia emoção no ar, era apenas um ultrassom mostrando que seu bebê ainda estava ali dentro, que um pedaço seu em breve estaria correndo pelo bairro.

Aquele pensamento o atordoou por alguns segundos.

Porque nada mais tinha importância quando o médico disse:

— É uma menina.

Ingrid começou a chorar de felicidade. Keith encarou o doutor e o bebê que aparecia no ultrassom e sorriu. Sentia-se feliz, depois de tanta infelicidade.

— O que você acha do nome Lara? – Ingrid perguntou, estavam sentados dentro do táxi de mãos entrelaçadas no banco de trás.

Keith sorriu e assentiu. Ele concordaria com qualquer nome que ela escolhesse.

Cada um foi para a sua casa no final daquela consulta. Ingrid precisava sair com sua mãe e Keith não havia sido convidado. Por isso foi para seu apartamento, aproveitar o restante daquela tarde sozinho e sem trabalhar.

Mas Keith odiava silêncio. Odiava solidão. Porque é quando você fica vulnerável com seus sentimentos e pensamentos. Ele ainda estava feliz e extasiado quando sentou-se no sofá, segurando uma garrafa de cerveja que Aiden havia comprado e pensou em ligar para o seu pai e lhe contar a novidade. E seu olhar cruzou pela sala, encarou o telefone perto da televisão.

Ninguém o usava. Era apenas um objeto inútil ali.

E então ele lembrou o porquê o comprou.

Não era a cerveja agindo por ele. Talvez fosse a emoção e a felicidade que sentia naquele dia.

Enquanto segurava o telefone na mão, o dedo a centímetros das teclas para discar o número, ele pensou na filha que ela carregava em sua barriga. E pensou na sua filha. Por alguns segundos caiu na ilusão. Como seria as duas crianças brincando juntas? Elas não tinham culpa alguma dos erros dos pais e Keith, além de pai, seria irmão mais velho.

Ele discou o número que (vergonhasamente) sabia sem precisar consultar e esperou. Pensou em desligar no segundo toque, mas antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, escutou uma voz fina e doce. Ele só reconheceu que era sua mãe quando a pessoa do outro lado falou, novamente – sem tanta paciência ou doçura na voz – "pois não?".

Keith estava acostumado com aquela voz, ríspida e impaciente.

Ele não conseguiu dizer nada.

Apenas repousou o telefone em seu lugar, sem muita delicadeza e sentou-se no sofá novamente, bebendo a cerveja para ignorar a vergonha que sentia.

Alguns minutos depois o telefone tocou e ele sabia que era ela. Mas não atendeu.

*

Mikael teve uma vida difícil, como os garotos. Mas sua casa era amável. Tinha uma mãe que amava os filhos e um irmão mais novo divertido e engraçado. Às vezes sua mãe não tinha dinheiro para comprar alguma coisa e ele precisava trabalhar, desde pequeno. Mas Mikael nunca se meteu em nada de errado, porque amava sua mãe para colocá-la naquela situação.

Ele não julgava Sawyer, mas não fazia parte da sua realidade. Mikael entrou para as forças armadas porque, apesar de odiar o sistema daquele poder, ele queria que pessoas como ele se sentissem tranquilas se o vissem na rua, caminhando de uniforme. Não queria ser temido como os policias brancos eram, sacandos suas armas para aterrorizar o bairro.

Mas Mikael odiava Seth. Por ser o irmão mais velho e não conseguir ser capaz de ser uma boa influência para o irmão mais novo. Mikael cortava grama, passeava com cachorros, limpava carro. Fazia qualquer coisa para ter comida dentro de casa e aquilo durou por dezoito anos.

Até se mudarem para um lugar distante de tudo aquilo. Ele sentia falta. Sabia que seu irmão precisava dele naquele momento, mas queria melhorar sua vida.

Sawyer o admirava.

Conversaram tudo que nunca conversaram em anos na mesma turma na escola. Sawyer conheceu Mikael e se não fosse apaixonado por Aiden, teria caído de amores por ele. Mas a única coisa que ele sentia por Mikael era admiração e amizade.

Costumavam conversar enquanto trabalhavam – principalmente na jardinagem -, e aquilo fazia os sussurros entre os recrutas aumentarem. Eles ouviam tudo e Mikael sabia que Sawyer era homossexual, mas aquilo nunca havia sido um problema.

— Eu sei que deve tá sendo chato, ficam fazendo piadinha – Sawyer revirou os olhos. O dia que ele contou a Mikael sobre sua sexualidade o garoto apenas o encarou, sem expressão alguma, e disse "ah, é? Nem tinha reparado" e riu.

— E eu lá me importo com o que esses nanico falam? A gente acaba com eles em dois segundos – Mikael riu, remexendo na terra. Já havia se acostumado com a sensação da terra nas mãos. Até gostava.

Mikael nunca disse "só não vai dar em cima de mim que eu sou macho", ele simplesmente sabia que Sawyer não estava se declarando, estava apenas desabafando.

Sawyer sentia saudade dos amigos. De Aiden principalmente, mas era bom estar com Mikael e não ter medo de se esconder.

Apesar de ser uma experiência cansativa estar naquele alojamento, Mikael era o equilibrio que ele precisava lá dentro. Ignoravam os comentários e faziam apenas o que lhes era exigido.

*

Depois da aula de Tristan, Osmar o deixou na aula teórica de direção. Era noite, o único horário que Tristan tinha disponível por causa dos seus compromissos. Ele sentou-se na frente, pegou seu caderno e prestou atenção na aula, mesmo que fossem coisas que ele já sabia. Anotava no caderno e absorvia rapidamente o que era ensinado.

A sala de aula era pequena e havia umas vinte pessoas, todas de diferentes idades e etnias. Ao final da aula, Osmar estava parado ao lado do carro, esperando Tristan.

— E ai? – ele perguntou enquanto o garoto se jogava no banco do carona.

— Infelizmente ainda é o primeiro dia – ele suspirou, cansado.

— Não vejo a hora de parar de ser seu chofer – Osmar riu enquanto dava partida no carro para sair do estacionamento.

Seu cansaço não tinha a ver com a aula, ele gostava de aprender cada vez mais, mas seus dias eram cansativos. Ocupados. Ele já não lembrava quando havia sido a última vez que dormiu mais de oito horas. Porque quando sentia a insônia interrompendo sua concentração no sono, ele levantava e ia para o quintal fumar.

O quintal estava sujo, a grama estava alta e as paredes do muro com lodo, mas sua mãe não gostava nem de olhar para aquele lugar porque tinha tralhas da sua tia. Pneu, cadeiras enferrujadas, escada de madeira e uma mangueira furada. Mas era o único lugar onde estaria livre para fumar. Sua mãe não veria e não teria chances de Zion escapar e nunca mais voltar. O cachorro andava por tudo, fazia suas necessidades e sentava-se ao lado de Tristan no chão.

*

Na primeira noite de Sawyer longe, Aiden adotou um hábito para não sentir tanto a sua falta, ou esquecer por alguns segundos que estavam à distância. Ele ligava para o celular desligado de Sawyer e lhe deixava uma mensagem na caixa postal. Contava sobre como havia sido seu dia, dizia que sentia saudades. Tentou contar detalhadamente as reações do Keith e da Ingrid ao ver o berço. Falava sobre algo que o fez lembrar-se dele durante o dia "pediram seu lanche favorito na lanchonete" ou algo pequeno. A verdade era que ele sempre pensava em Sawyer, mas não queria dizer aquilo para ele assim, queria falar na sua frente.

No dia que Keith descobriu sobre Lara, Aiden deitou-se em sua cama à noite e ligou para o número de Sawyer.

— Hoje Keith descobriu o sexo do bebê. Vamos ser tios de uma garotinha – ele riu – não sei se você gosta de crianças, mas eu não vejo a hora de ela nascer e brincar aqui no apartamento.

Viu Seth pelo bairro e percebeu que ele estava pior, mas nem viu Aiden. Ele até pensou em conversar com Seth sobre Sawyer, mas não queria mais um motivo para sentir saudades. Contou a Sawyer como foi ver seu irmão longe dele. "Seth parece outra pessoa quando está sozinho". Como se não tivesse forças nem para olhar para cima.

Mas Aiden não gostava muito de falar sobre Seth ou seus amigos. Gostava de falar sobre os dois.

— Acho que é a primeira vez que ficamos longe assim. É estranho saber que não vou te ver amanhã. – Aiden fez uma pausa e olhou para a hora em seu celular quente. Já passava das três e seu celular estava com 23% de bateria. Decidiu que a ligação não seria longa porque já não sabia o que dizer. E a saudade não o permitiria continuar – Será que você tá conseguindo lidar com tudo? – uma última pergunta sem resposta antes de Aiden desligar o celular e se ajeitar na cama para enfim dormir.

*

Ingrid estava mostrando a Keith uma revistinha com acessórios e roupas para meninas, mas ele estava distraído. Encarando Aiden, que seguia seu trabalho normalmente naquela tarde. Na noite passada, quando Aiden finalmente chegou do trabalho, Keith já estava trancado em seu quarto, tentando esquecer a voz da mãe em sua cabeça. O telefone não voltou a tocar, mas aquilo não o deixava aliviado. Apenas decepcionado.

— Achei que se interessava pela nossa bebê – Ingrid o encarou até Keith desviar os olhos de Aiden e encarar os furiosos dela.

— Estou pensando em uma coisa, mas posso confiar em você um segredo? – sua voz era um sussurro, embora fosse desnecessário, Aiden estava concentrado em limpar o chão, que estava grudento por causa do tanto de refrigerante derramado.

Ingrid deixou a revistinha de lado e encarou Keith, de repente animada.

— Por favor, você precisa fingir que nunca te falei nada! – ele implorava enquanto encarava Aiden por trás dos ombros de Ingrid, passando pano no chão entre as mesas.

— Ai, Keith! Eu vou contar pra quem? Fala logo.

— Você já notou algo diferente entre o Aiden e o Sawyer? – Ingrid teve de se inclinar para perto, para escutar seu sussurro rouco. – Romanticamente falando... – ele acrescentou e ela assentiu, finalmente entendendo.

Mas não sabia o que pensar sobre aquilo. Nunca havia notado porque nunca prestou atenção nos dois, mas lembrou-se do pedido de Aiden para ficar com o apartamento só para si. E que ele levaria uma pessoa.

E sim, tudo fez sentido de repente. Mas ela não contaria nada a Keith, ela confiou a Aiden aquele segredo.

— Porque você gosta de se meter na vida dos seus amigos? Principalmente de Aiden. Se for verdade, você tem algum problema com isso?

Keith franziu o cenho, pensativo. Não havia pensado por aquele lado.

— Não – ele deu de ombros, após alguns segundos de consideração com seus pensamentos – Só é ruim eles não confiarem em mim e no Tristan.

— Eles devem ter seus motivos. Mas porque não conversam sobre isso quando Sawyer voltar?

— Não conversamos sobre essas coisas – Keith respondeu rapidamente na defensiva, da mesma forma que agiu quando a viu quase assaltando a loja na Costa Rica.

— Seja como for, se ou quando eles quiserem, vão falar. Mas Aiden merecia alguém melhor – ela murmurou e pegou sua revista novamente, já desinsteressada com a fofoca.

*

A aula de Tristan acabou mais cedo naquela tarde porque sua professora de direito constitucional deu-lhes uma tarefa para fazer em casa e entregar na semana seguinte. Os seus colegas estavam se programando para ir ao barzinho em frente à universidade e Tristan pegou sua mochila, pronto para sair da sala e ligar para Osmar, quando escutou alguém chamando seu nome.

— Quer ir com a gente? – um garoto alto perguntou. Ele estava sentado na sua mesa conversando com duas garotas quando Tristan se aproximou, assentindo.

Ele aceitou porque poderia ficar por aqueles quarenta minutos com seus colegas, conhecê-los melhor. E também porque não gostava de abusar da boa vontade de Osmar, que poderia muito bem estar ocupado naquele momento.

O bar em frente à faculdade estava cheio, ninguém se importava que era dia de semana. Sentou-se em uma mesa com seus colegas e de repente algumas pessoas de outros cursos se juntaram, fazendo um círculo grande e desorganizado nas mesas de plástico coloridas. Tristan bebeu cerveja e fumou seu cigarro. Ele não sentia-se diferente ou deslocado porque aquelas pessoas pareciam ele: vidas difíceis e apenas seguindo seu sonho.

Um dos garotos, estudante de filosofia, se aproximou de Tristan. Ele era carismático e educado. Tristan percebeu que seus olhos eram diferentes e ele comentou:

— Você tem heterocromia – ele apontou para os olhos do garoto. O seu olho esquerdo era castanho escuro com um tom de azul na parte inferior. E o direito era azul claro. Tristan não pensou antes de falar, mas nunca havia visto alguém assim e não deixou de expressar sua surpresa. O garoto riu, sem se importar com o comentário.

— Única coisa em mim que é hétero – ele riu, fazendo Tristan arregalar os olhos, surpreso – Desculpa, sempre respondo isso – ele parecia tímido, mas então voltou a atenção para Tristan. – Quer mais cerveja?

— Não, não – Tristan pigarreou – Eu preciso ir, na realidade – começou a levantar-se e jogou sua mochila no ombro – tenho aula de direção – ele sorriu, sem graça.

— Se quiser, eu te levo! Não bebi, juro – ele levantou, tentando alcançar Tristan, que despediu-se rapida e timidamente dos colegas.

— Tudo bem, pode ser – Tristan foi até o caixa e pagou sua cerveja, pegou seu celular e avisou Osmar que só precisaria da carona quando acabasse a aula e foi até o carro com seu novo amigo.

— Meu nome é Tobias, aliás – ele sorriu e cutucou Tristan com o cotovelo.

— Tristan – ele tentou sorrir.

Entraram no carro, que tinha cheiro de novo e colocaram os cintos em silêncio. Tristan disse onde era e Tobias deu partida no carro.

Tristan não estava acostumado a socilizar fora do seu grupo de amigos, mas achou Tobias um garoto simpático, porém quando pararam em frente ao prédio ele desligou o carro e encarou Tristan.

— Você curte garotos? – ele perguntou, sem timidez alguma. A luz no carro amarelada iluminava seus rostos, mas Tristan queria se esconder.

— Não que eu saiba – ele respondeu, sincero. Sentiu a voz fraca e tossiu – Nunca experimentei ficar com um garoto – Tristan encarou o prédio a frente enquanto as pessoas entravam. Tobias ainda o encarava, curioso e interessado.

— Você gostaria de experimentar comigo?

Tristan sentiu vontade. Não porque sempre se perguntou como seria ou porque duvidava da sua sexualidade – que ele ainda não havia encontrado -. E ele queria descobrir se era disso que gostava. Se conseguiria.

Tobias se aproximou, calmamente, como se pedisse permissão. Os lábios quentes do garoto encostaram na boca com cheiro de cerveja de Tristan. O beijo era calmo e Tristan gostou da forma que as bocas se encaixavam, mas quando Tobias ameaçou erguer a mão para tocar sua coxa, Tristan afastou o rosto e deu um safanão em sua mão.

— Eu preciso ir – ele disse, tentando abrir a porta e pegar sua mochila ao mesmo tempo. Saiu do carro com pressa, entrou no prédio e sentou em seu lugar, sabendo que Tobias não o seguiria e estava seguro ali.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Welcome to badlands" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.