Welcome to badlands escrita por patty


Capítulo 32
Capítulo Trinta e Um: limpando a sujeira dos outros.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/688930/chapter/32

Pela primeira vez Tristan acordou feliz ao ouvir o despertador, mesmo sendo sete horas da manhã. Ele olhou pela janela e encarou o tempo nublado, mas sabia que o dia seria ensolarado naquela manhã. Pegou a camiseta que era pequena demais para ele e a vestiu. O seu uniforme todo o fim de semana a partir daquele sábado. Zion o encarava com a cabeça repousando em cima das patas, os olhos tristonhos como se soubesse que ele o deixaria sozinho.

Tristan escutou um barulho vindo da sala, mas estranhou porque normalmente àquela hora sua mãe estava na rua, caminhando. A única pessoa que caminhava pelo bairro por lazer. Já tinha algumas inimizades, mas preferia nem prestar atenção, então ignorava e seguia caminhando, com o queixo erguido para continuarem pensando que ela era uma pobre metida a rica.

— O que você tá fazendo? —Tristan encarou Daisy, que se olhava no espelho enquanto ajeitava o chapéu de palha. Seu vestido era longo e rosa e ele se perguntou para onde ela iria àquela hora com aquela roupa.

— Me arrumando para ir à piscina — ela sorria, os óculos de sol eram redondos e tapavam quase todo seu rosto. Ela o retirou e encarou o filho. — Qual você acha melhor... — ela começou, pegando o chapéu de palha mais escuro e com um laço branco, fez pose para Tristan e sorriu.

— Acho que aquele — ele apontou para o que ela usava antes, que estava em cima do sofá.

— Você tem um bom gosto — Daisy colocou o chapéu que Tristan escolheu, amarelo escuro com detalhes vermelhos, e se ajeitou em frente ao espelho.

— Mas... Porque você tá com essa roupa? — ele a encarou e Daisy deu de ombros.

— Osmar não gosta quando eu uso roupas curtas — ela suspirou — e sempre quis usar esse vestido. Não havia onde.

— E a piscina é uma boa escolha? — Tristan riu, mesmo pensando o quanto aquela situação parecia errada, Osmar decidir o que sua mãe deveria ou não usar, mas Tristan não sabia nada sobre a vida ou relacionamentos, sentia que começava tudo naquele instante. Então não se meteu e apenas admirou o vestido que sua mãe usaria para "deixar aquelas invejosas com mais inveja ainda".

*

Desde que se lembrava Sawyer nunca acordou cedo para fazer o café, mas naquela manhã ele acordou disposto a começar o dia do jeito certo. Quando desceu a casa inteira estava silenciosa. Faltavam trinta minutos para sair de casa quando colocou o café no coador e despejou a água quente.

Escorou-se na pia à espera e escutou os passos se aproximando. Ele estava de costas e torcia para não ser Seth na porta da cozinha. Sawyer se virou aos poucos e sua mãe o encarou do batente da porta. Seu olhar era apreensivo e confuso, mas não parecia dopada, parecia consciente.

— Será que eu ainda estou sonhando? — ela sorriu e sentou-se à mesa, encarando o seu caçula — porque acordou tão cedo?

— Tenho um trabalho hoje — ele tentou soar casual, sem demonstrar a felicidade que sentia naquele momento. Sawyer serviu duas xícaras de café enquanto sua mãe abria o pacote de papel pardo e retirava dois pães. Seu olhar era curioso encarando o filho enquanto lhe entregava a xícara.

Sawyer sentia o seu olhar em cima dele, mas tentava desviar, mordiscando o pão e bebericando o café só para não olhar para ela.

— Onde você vai trabalhar? — Mary o encarava com a sobrancelha erguida, o interesse aguçado. Ela sabia que ele estava trabalhando com Seth, mas tinha certeza que não era deste trabalho que ele falava.

— Na piscina. Parece que ela vai virar um clube — Sawyer respondeu enquanto mastigava e finalmente encarou sua mãe. Seu olhar era atento nele por trás da xícara.

— Parece que o bairro tá progredindo — ela bebeu o café — está bom, você faz café igual seu pai — ela sorriu e Sawyer apertou a boca, tentando esconder o seu sorriso de garoto com saudades do pai. — Forte e amargo — ela pousou a xícara em cima da mesa.

Sawyer não sabia o que responder ou pensar sobre aquilo. De alguma forma ele finalmente entendeu o porquê sua mãe não gostava tanto dele quanto ela aparentava gostar de Seth. Talvez ele a lembrava demais do seu pai morto.

*

Tristan e Sawyer se encontraram na rua em frente à casa deles exatamente às 08:32 naquela manhã. Silenciosamente e em sincronia caminharam até o ponto de ônibus. Aiden e Keith começavam a se arrumar para o início de mais um dia de serviço. O sábado era quente e barulhento, a maioria querendo visitar a piscina e se refrescar. E enquanto esperavam abrir, iam à lanchonete do bairro.

Keith encarou todas as garotas com a alça do biquíni aparecendo. Os garotos com excesso de protetor solar nas costas e nariz. As crianças, barulhentas e correndo pela lanchonete.

— De repente eu odeio o verão — Keith murmurou para Aiden após atender ao pedido, encarando a fila com mais quatro pessoas atrás da mulher com sardas nos ombros.

Aiden estava distraído e querendo ir à cozinha, voltar para os preparativos, mas àquela hora da manhã a maioria queria café e pão na chapa e o cozinheiro fixo chegaria em vinte minutos.

— Poderíamos ir à piscina após o expediente.

— Ah, sim. Oito horas da noite? — Keith bufou — desculpa, moça, mas essa hora só servimos café — ele argumentou para a mulher à sua frente — os lanches só a partir do meio dia.

A mulher fez uma careta e bufou, saindo da fila e da lanchonete.

*

Quando eles entraram na área da piscina, perceberam que foram os últimos a chegar. O ônibus demorava a passar nos fins de semana e aquilo deixou Tristan inseguro. Não teria como chegar no horário daquela forma. Karen organizava todos em suas funções quando eles se aproximaram. Ela encarou Sawyer com o cenho franzido.

— Ah, sinto muito — ela colocou a mão dramaticamente em cima do coração e fez uma careta, como se estivesse sentindo dor — mas nós nos equivocamos. Tentei te ligar — ela deu de ombros, como se não houvesse mais nada que pudesse fazer — Nós decidimos escolher outro salva-vidas, sinto muito Sawyer — o nome dele soava um xingamento vindo de Karen.

Ele a encarou, pensando que poderia ser uma pegadinha de mau gosto, mas ela permaneceu o encarando. E todos ao redor deles. Tristan, ao lado de Sawyer, sentia-se tenso e querendo xingar Karen, mas ficou quieto.

Sawyer bufou, balançou a cabeça, incrédulo, e riu. Quando se afastou, ninguém falou nada por um bom tempo. Só depois de cinco minutos, quando o silêncio começou a se tornar constrangedor, Karen voltou sua atenção para o grupo e voltou a falar.

Sawyer percorreu o caminho todo até o ponto de ônibus sentindo-se péssimo, não permitindo que as lágrimas chegassem a sair dos seus olhos porque ele nunca havia se sentindo tão humilhado antes e àquela altura, furioso do jeito que estava, só conseguia pensar que o único culpado de tudo aquilo era Seth. Ele o prejudicava até quando não estava presente. Era só nisso que ele pensava o caminho todo até em casa.

E quando entrou, Seth foi o primeiro a vê-lo. Seu olhar era intrigado, encarando Sawyer.

— Ué? — ele estava comendo cereal e assistindo televisão na sala. Sawyer reparou que ele estava sozinho e o lugar todo fedia. — Achei que hoje era o primeiro dia do seu trabalho.

Sawyer percebeu que ele não soou debochado ao dizer aquilo, mas ele conhecia o irmão e sentiu vontade de pegar a tigela de vidro e quebra-la na cabeça dele. Seth o encarava, na expectativa, mas Sawyer apenas deu de ombros e abriu a porta novamente, saindo de casa.

*

O clima ficou diferente após Sawyer ir embora. Karen parecia sorridente pelo ato, mas Tristan percebeu o quanto aquilo afetou seu amigo e algumas pessoas até simpatizaram com a situação. A garota ruiva balançava a cabeça e revirava os olhos todo momento que Karen passava por ela.

Quando as pessoas foram liberadas para entrar, começou o caos. Karen andava de um lado para o outro dando ordens, com uma garota em seu encalço supervisionando com ela. Tristan apenas esperava seu momento para finalmente fazer algo e enquanto não fazia nada, ajudava na limpeza pelo bar, porque as outras pessoas distraiam-se facilmente perto da piscina conversando.

As pessoas que compareceram naquela manhã pareciam fascinadas com o que fizeram com o lugar. O bar estava cheio de diversos tipos de bebida, sorvete e petiscos. Os garçons andavam por tudo com bandejas trêmulas e cenhos franzidos por causa do sol. Tristan lembrava-se de passar protetor solar a cada dez minutos e em certo momento, quando percebeu que as pessoas estavam começando a aglomerar lixo ao redor delas, percebeu que estava obcecado demais com isso e começou a trabalhar.

Ele até conseguia sentir o protetor derretendo no seu rosto, ele sentia o cheiro. Tristan também percebeu que as pessoas não eram muito educadas com quem limpava sua sujeira. Não agradeciam, mesmo sendo o mínimo que poderiam fazer.

Uma garotinha pequena até jogou suco de morango no rosto dele, o que o fez correr para o banheiro, lavar o rosto e colocar mais uma camada de protetor solar.

Ele se inclinou na pia e se olhou no espelho. O banheiro era pequeno, apenas duas cabines disponíveis e três mictórios. Se perguntou como aquilo funcionaria num clube, mas não tinha tempo para pensar então saiu do banheiro e voltou para o trabalho que estava o cansando mais do que o esperado.

*

Aiden franziu o cenho quando percebeu Sawyer entrando na lanchonete, que já estava começando a esvaziar, as pessoas saindo animadas para ir à piscina. Aiden reparou no uniforme apertado que Sawyer usava quando ele sentou no balcão à frente dele.

— Não deveria estar trabalhando?

— É, bom — Sawyer deu de ombros — é isso que a gente ganha quando é um fodido. — Aiden estava pronto para perguntar o que havia acontecido quando Sawyer ergueu a mão e balançou a cabeça — não quero falar sobre isso. Quero só pão na chapa com Coca-Cola — ele bufou e apoiou os cotovelos no balcão e os cruzou, encarando Aiden, que estava com o semblante magoado, mas sem querer demonstrar.

A verdade era que Sawyer não queria falar sobre aquilo assim como ele não queria falar sobre nada tão importante ou que o cansasse e estressasse com Aiden, porque ele sempre foi o lugar seguro de Sawyer, que não precisava de preocupações.

Ele se afastou para preparar o pão de Sawyer quando Keith saiu do banheiro, fechando as calças.

— Não ia abrir cedo lá? — ele perguntou, encarando Sawyer.

— Dispensado — Sawyer deu de ombros, como se não fosse nada.

— Fez merda? — Keith franziu o cenho e Aiden encarou a cena, esperando uma resposta diferente.

— É — ele deu de ombros novamente, sem de fato responder e Keith sabia que era só aquilo que ele receberia de Sawyer.

Sawyer comeu em silêncio, Aiden e Keith trabalhavam e conversavam, a todo momento encarando o amigo cabisbaixo, mas sem saber o que fazer porque aquele era o jeito de Sawyer.

*

Tristan passou a tarde inteira se movendo e sem falar com ninguém, quando finalmente foi falar algo sentia a garganta seca. E não era porque era a garota que ele havia visto com Zion...

— Desculpe — ele sorriu, sem graça — eu não sou garçom.

— Ah, céus — a garota cobriu o rosto com as mãos. Ela usava short e biquíni e Tristan sabia que não deveria ficar olhando, mas ela era realmente muito bonita. Mas a encarou. O sol no seu rosto enquanto ela tentava o bloquear com a palma da mão acima das suas sobrancelhas — Me desculpe!

— Sem problemas — Tristan sorriu e ficou levemente decepcionado pela garota não lembrar-se dele. Talvez, se estivesse com Zion, ela lembraria — Eu vou pedir para alguém vir atender você.

— Obrigada, Tristan — ela sorriu ao ver o adesivo em sua camiseta do uniforme "Olá, eu sou Tristan".

Ele se afastou à procura de um garçom para atender a garota quando viu sua mãe e Osmar chegando. Daisy olhava tudo ao redor, admirada. Osmar não estava tão impressionado, mas procurou um lugar afastado de todos para sentarem-se.

— Ei — Tristan cutucou um garçom com a bandeja com drinks — aquela garota precisa de algo — ele apontou para a garota sentada na espreguiçadeira, esperando por algum garçom. O garoto ergueu as sobrancelhas e sorriu, impressionado antes de se afastar, Tristan o encarou com desprezo enquanto se aproximava dela. Ele bufou e voltou para o seu trabalho.

Ele tentou evitar se aproximar de onde sua mãe estava, mas teve de limpar perto da espreguiçadeira em que estava deitada.

— Tristan? — ela retirou os óculos escuros e sorriu. Osmar não estava por perto.

— Oi, mãe — ele sorriu sem graça enquanto recolhia o prato da mesa vazia — tá gostando? Não está com calor?

— Estou adorando — ela sorriu — mas não sabia que você limpava a sujeira dos outros.

— Meu trabalho é esse agora — ele deu de ombros e riu enquanto limpava a mesa com um paninho. Aquilo deixou Daisy estupefata. Sentia-se muito superior a todas aquelas pessoas e não admitia seu filho limpando a sujeira delas.

Daisy queria ir embora, mas Osmar gostou do lugar e ela sabia que só faziam o que ele decidisse.

— Você viu? — ela o cutucou quando ele voltou do banheiro, ajeitando seu cabelo grisalho. — Tristan está trabalhando limpando tudo.

— Um trabalho honesto e respeitoso, Daisy — Osmar revirou os olhos — você deveria estar feliz por seu filho escolher esse caminho e não aquele do amigo dele.

— Que amigo?

— Bom — Osmar riu — Os três são bem perdidos na vida, mas são muito engraçados e vivos. Sabe? Mas eles têm muito que aprender — ele acendeu um cigarro, ignorando a placa de proibido fumar — vão quebrar muito a cara ainda.

— Tá — Daisy bufou e deixou o livro de lado, encarando Osmar sentado na espreguiçadeira ao seu lado, usando camiseta social apesar do calor — E de que amigo você tá falando?

— Aquele careca — ele soltou a fumaça e limpou os dentes com a língua — ele é um dos traficantes do precioso bairro de vocês. Não sei como você permite que ele seja amigo de gente daquele tipo.

— Em primeiro lugar, eu não sabia disso — Daisy estava sentada e inclinada, com os braços nos joelhos e encarou Tristan, retirando o lixo do chão e sentiu-se mal. Queria tirar ele de perto daqueles garotos.

— Eles não são má influencia pro Tristan, caso esteja preocupada — ele cutucou Daisy e ela voltou sua atenção para Osmar enquanto Tristan caminhava de volta para dentro do bar. — Seu filho, não sei como, se saiu muito bem.

*

Naquela noite, enquanto Tristan dormia após um dia cansativo, Keith roncava após ter se jogado no sofá de roupa suja e tênis, Aiden e Sawyer conversavam cochichando pelo celular. Não falaram sobre o que aconteceu com Sawyer ou como foi o trabalho de Aiden. Conversaram sobre como sentiam falta de algumas ocasiões, mas nunca mencionando o que. Apesar do silêncio em toda a casa de Sawyer e o volume baixo da sua voz, ele não conseguia falar sobre aquilo sem sentir-se ridículo e corar o rosto, mas algo o chamou atenção. Um barulho alto, atrapalhando a paz que ele sentia naquele momento.

— Só um segundo, Aiden — ele murmurou enquanto abria a porta do quarto. Deixou o celular em cima da cama enquanto descia as escadas e escutava o barulho novamente, dessa vez mais alto, vindo da porta.

Ele abriu uma frestinha, sentindo o medo percorrer sua espinha, mas a lâmpada do lustre iluminou o rosto angelical da garota ruiva que ele havia conhecido na piscina. Uma das salva-vidas. Ela estava sorrindo, mas sua linguagem corporal demonstrava certo medo.

O primeiro pensamento de Sawyer foi Aiden, esperando ele no celular. O segundo foi: o que diabos essa garota tá fazendo aqui?

— Você mora longe — ela sorriu, sem graça, tentando enxergar o rosto de Sawyer através da pequena fresta que ele deixava disponível. Ele abriu um pouco mais, mas não o suficiente para ela ver dentro da casa.

— O que você tá fazendo aqui? — ele a interrompeu quando ela estava pronta para prosseguir. Seu semblante mudou rapidamente, seus olhos arregalados e a boca aberta, chocada com a agressividade de Sawyer, mas ele não percebeu, porque ele era daquele jeito mesmo.

— Desculpa, eu queria saber como você tá.

— E precisava vir até aqui? Dez horas da noite? — ele perguntou, desconfiado. Olhou para fora, procurando por algo. Talvez fosse uma pegadinha de Seth. Ou alguém querendo lhe pegar.

— Eu saí da piscina às oito horas, mas peguei o ônibus e desci no lugar errado — ela riu e colocou o cabelo atrás da orelha, sorrindo para Sawyer — e vim caminhando. — ela soltou o ar, cansada. — Posso beber um gole de água?

Sawyer semicerrou os olhos, ainda desconfiado. Fechou a porta e a garota ficou sem entender por alguns segundos, até ele voltar com um copo cheio de água. Ela bebeu rapidamente, sem tirar os olhos dele. Sawyer estava ficando sem paciência, mas não queria parecer rude.

— Está tarde... Podemos continuar amanhã? — Sawyer perguntou quando ela devolveu o copo. Ela sorriu e assentiu. — então tchau — ele estava pronto para fechar a porta quando ela ergueu a palma e o encarou.

— Achei horrível o que Karen fez com você — ela suspirou — ela é uma vadia. — ela riu, mas Sawyer continuou a encarando, inexpressivo. — Então tá, nos vemos amanhã. — ela abanou, timidamente e Sawyer fechou a porta rapidamente.

Subiu as escadas pensando na ideia da garota de ter atravessado o bairro a pé só para ver como ele estava. Não conseguia entender porque ela simplesmente não ligou para perguntar? Mas deixou todos os pensamentos de lado quando pegou o telefone e deitou-se na cama novamente, suspirando aliviado quando percebeu que Aiden permaneceu na ligação.

— O que aconteceu? — Aiden perguntou, sua voz era abafada e baixa.

— Uma doida apareceu aqui — Sawyer riu, revirando os olhos embora Aiden não pudesse ver e começou a contar sobre ela. — Tá ouvindo? — ele perguntou, quando percebeu que Aiden não disse nada.

— Sim — ele bufou — mas vou dormir, beleza? — e desligou o celular.

Sawyer ficou encarando o telefone com o cenho franzido, sem saber o que havia acontecido.

*

O domingo passou rápido enquanto os garotos permaneciam ocupados. Tristan na piscina, mais cheia naquele dia, Aiden e Keith na lanchonete e Sawyer trabalhando com Seth. Na segunda pela manhã, Osmar levou os garotos para a junta de serviço militar para eles se alistarem naquela manhã quente. Aiden ficou na lanchonete trabalhando.

— Trouxeram os documentos que pedi? — ele encarou os garotos pelo retrovisor. Tristan estava sentado ao seu lado, segurando os documentos no colo.

Eles assentiram. O comprovante de residência foi a parte difícil para Sawyer, porque as contas da casa além de estarem atrasadas, não estavam no nome de nenhum familiar. Mary conseguiu encontrar um envelope com o nome dela e lhe entregou "isso deve servir". Ele temia que não, mas havia levado a identidade da mãe junto com a sua, por via das dúvidas.

— Vocês não precisam ficar com essas caras de quem cagou nas calças e não quer que ninguém veja — Osmar riu e voltou a encará-los. Ele dirigia vagarosamente, tirando a atenção da rua diversas vezes para olhar os rapazes. — Eles só vão entregar o certificado de alistamento.

— Você acha que posso ser aceito, Osmar? — Keith perguntou, os olhos brilhando de entusiasmo. Osmar o encarou dois segundos a mais que o necessário e assentiu, dando de ombros.

— É, acho que sim.

Osmar estacionou o carro e os garotos desceram, sentindo-se intimidados de repente. Aquele lugar era longe do bairro, longe de tudo que estavam acostumados. Sawyer se demorou a olhar ao redor, feliz em estar longe de todas as coisas ruins que aquele bairro lhe lembrava, mas sabia que em breve voltaria.

Não demoraram muito porque os homens vestindo roupas camufladas apenas examinaram suas identidades e documentação, um a um.

— É minha mãe — Sawyer apontou para a identidade na mão do homem. Ele ergueu os olhos para Saywer e assentiu.

— Eu imaginei — ele sorriu e lhe entregou um papel.

O papel que todos os garotos receberam era um certificado de alistamento, para retornarem para a seleção, onde fariam exames e saberiam se estavam dispensados ou aceitos para entrarem no quartel.

Entre os três, Tristan era o único desanimado a seguir nessa carreira porque ele estava satisfeito demais com seu curso na faculdade e animado que em breve começaria. Keith só pensava em todo o poder que teria e como ficaria ainda mais bonito usando o uniforme. Sawyer queria desesperadamente qualquer lugar que ficasse longe o suficiente de Seth e do que ele fez.

Osmar deixou Keith e Sawyer na lanchonete, mas eles encararam Tristan quando notaram que o amigo permaneceu sentado.

— Minha mãe precisa de mim — ele mentiu e seus amigos perceberam, mas apenas assentiram e adentraram a lanchonete.

*

Tristan só conseguia olhar pela janela enquanto Osmar dirigia para o outro lado da cidade. Ele sabia que o consultório ficava em um bairro nobre e que Osmar era o responsável por aquilo, mas não conseguia erguer os olhos para o homem e sequer olhá-lo. Ele sentia-se mal que além dos seus amigos e sua mãe mais gente sabia sobre o que ele havia passado.

Ele se surpreendeu quando Osmar parou no estacionamento de um prédio alto cercado por janelas de vidro espelhadas. Tristan saiu do carro ainda segurando a porta e encarando o lugar.

— Você está pronto? — Osmar perguntou, direcionando-se para perto do garoto com olhos amedrontados — Não precisa ter medo. Sua mãe está lá, te esperando.

Apesar do que Osmar disse e da sua insistência em tentar melhorar o humor de Tristan, ele só conseguiu respirar aliviado quando notou sua mãe sentada na sala de espera do consultório da psicóloga. Ela levantou sorridente e se aproximou deles.

— Ele parece assustado — Osmar disse e Tristan revirou os olhos.

— Só estou nervoso.

— Ah, mas não precisa! — sua mãe tocou em seu ombro e o levou até o sofá bege em frente à janela. O lugar cheirava a lavanda e Tristan encarou tudo ao redor enquanto sentava-se ao lado da mãe, que não tirou as mãos dele. O consultório estava vazio, a única pessoa além dos três era a secretária, que estava ocupada mexendo em seu computador. — ela só quer te conhecer — sua mãe falava enquanto ele analisava tudo.

As paredes eram cercadas por quadros com desenhos abstratos, além do sofá onde eles estavam sentados, havia uma poltrona e mais duas cadeiras. A porta com o nome da doutora no centro era de madeira branca e estava fechada, Tristan não conseguia ouvir nada do lado de dentro, mas a televisão ligada em algum jornal sensacionalista na sala onde estavam não ajudava muito.

Após quase vinte minutos de espera uma garota saiu do consultório e seguiu para a porta. Seu rosto estava vermelho e Tristan estremeceu, percebendo que ela havia saído chorando lá de dentro.

— Não precisa se preocupar — Daisy tocou no seu joelho quando percebeu o semblante dele encarando as costas da garota, se afastando rapidamente enquanto ela fechava a porta. Ela parecia mais nervosa que ele, mas não queria demonstrar.

— Tristan? — a secretária encarou o garoto, parecendo só nota-lo naquele instante — a doutora Geovana Boenni está lhe aguardando — ela apontou para a porta e Tristan levantou, tentando ignorar as pernas trêmulas e o olhar preocupado da sua mãe.

Ele entrou no consultório após duas batidas leves na porta e a doutora murmurou um "entre" agudo do lado de dentro. Tristan se dirigiu lentamente para o estofado à frente dela enquanto encarava o consultório. Uma estante cheia de livros, uma coruja de madeira pendurada perto da janela com a vista para a avenida e voltou sua atenção para a doutora, atrás da mesa com papéis e uma caneta dourada. Ele sentou e a encarou, no aguardo.

Geovana aparentava ter menos de trinta anos, sua pele era escura e os cabelos crespos estavam soltos, na altura dos ombros. Ela tinha um olhar simpático e parecia atenta aos movimentos de Tristan.

Não sabia se deveria começar, mas não sabia o que dizer. Geovana esperou enquanto o encarava. Levantou-se da cadeira atrás da mesa e sentou-se à frente dele, na poltrona com estofado de flores e pés de madeira escura.

— Boa tarde, Tristan — sua voz era doce. — Poderia me informar o que traz você até aqui?

Ele olhou para o chão, sem coragem de falar sobre aquilo, mas sabia que só seria liberado quando conseguisse dizer algo.

— Eu era uma criança quando minha tia começou a se aproveitar do fato de morarmos sozinhos. Eu não sei quantos anos eu tinha e nem lembro como começou ou se eu fiz algo pra isso acontecer — Geovana se ajeitou na cadeira e Tristan voltou sua atenção para ela, que prosseguiu o encarando, sem expressar nada. — Eu ainda sinto medo. Mesmo ela... Longe — ele pigarreou e começou a mexer no estofado, o arranhando.

— É compreensível que você ainda sinta medo, Tristan — Geovana sorriu — Mas você sabe que agora ela não tem como atingi-lo, certo? — Tristan assentiu — Você era uma criança indefesa e sua tia tirou vantagem da situação, não é algo que você deva atribuir como sua culpa — Geovana encarou Tristan, esperando alguma reação dele. Ele apenas assentiu novamente.

Tristan não queria perder o tempo da doutora e apesar de dificilmente confiar em pessoas desconhecidas, ele sabia que ela já ouviu diversas histórias provavelmente iguais às dele. Sabia que não era o único a sofrer com aquilo, mas não queria demonstrar a ela que ele estava relutante quanto a isso. Ele queria melhorar, queria parar de ter medo. Queria resgatar tudo que sua tia tirou dele naqueles anos. Geovana não demonstrava suas emoções e aquilo deixou Tristan desconfortável, mas sabia que era o trabalho dela.

Algumas situações que ele contou desencadearam lágrimas, as quais ela estava preparada e lhe entregou a pequena caixa com lenços. Tristan não se sentiu vulnerável enquanto aquela mulher o via chorar, ele sentia-se aliviado por tirar todo aquele peso das costas.

*

Sawyer não ficou muito tempo na lanchonete com os garotos porque Seth ligou para o seu celular diversas vezes e quando ele atendeu, Seth não estava de bom humor. Gritava coisas como "porque você não estava no beco hoje de manhã?" e lhe ordenando que fosse para o trabalho "ou você já sabe" ele disse antes de desligar, mas Sawyer não sabia o que seu irmão faria e nem queria saber, então simplesmente levantou-se, deixando metade do seu hambúrguer no prato e foi para a casa, despedindo-se brevemente de Aiden e Keith que estavam ocupados trabalhando.

Antes de ir para o trabalho com Seth, Sawyer voltou para a casa porque queria guardar o certificado na sua gaveta, onde o irmão não teria acesso e enquanto guardava em um de seus bolsos na calça que não lhe servia mais, pegou o dinheiro que ele guardava e contou, para ver se estava tudo ali. Seth não tinha costume de mexer nas coisas do irmão, mas todo cuidado era pouco porque Sawyer o conhecia o suficiente.

Quando chegou ao beco, consciente de todas as ligações de Seth, percebeu que havia mais gente que o normal por lá. Apesar de ser cedo, quase uma da tarde, o fluxo estava intenso e Seth mexia no cabelo nervosamente. Ao notar Sawyer, parado com as mãos no bolso perto da placa de Pare, se aproximou do irmão, seu andar era determinado e seu olhar raivoso o encarando.

— Você não cansa de me fazer de trouxa não? — ele rosnou, segurando Sawyer pelo colarinho da camiseta. Ele percebeu os olhares dos amigos e clientes de Seth, mas nenhum ali o socorreria, apenas olhavam curiosos e escondendo o riso.

— Eu estava almoçando.

— Eu tô pouco me fodendo — Seth riu e continuou carregando Sawyer até o beco e por alguns segundos de desespero pensou que ele o jogaria no chão e começaria a chutá-lo, mas apenas o empurrou para o fundo do beco e ficou em sua frente, grande e ameaçador enquanto Sawyer tentava esconder o medo que sentia naquele momento. — Quando fizemos o trato, você disse que não me deixaria na mão, pequeno Sawyer — seu olhar não era mais selvagem encarando Sawyer, mas sua voz ríspida denunciava sua raiva.

— Eu sei, Seth — ele sussurrou porque não queria que o irmão escutasse sua voz falhando — agora estou aqui, beleza?

Seth assentiu e se afastou dois passos, o que fez Sawyer desencostar-se da parede do beco.

— Temos um trabalho no pantanal — Sawyer arregalou os olhos. Todos do bairro sabiam que o pantanal era mais perigoso que onde moravam. Onde tinha tiroteio em horário de aula. Onde tinha polícia em cada esquina. Onde Seth fazia a maior parte dos seus negócios.

Mas Sawyer não queria fazer parte daquilo.

E é claro, Sawyer não tinha uma escolha a respeito disso, então apenas se afastou da parede e seguiu Seth pelo beco até entrarem em um carro todo preto com película escura e um motorista mal encarado.

*

— Você acha que eu poderia passar? — Keith encarou Aiden enquanto ele guardava as canecas do café. Aiden revirou os olhos.

— E eu vou saber? Não me aceitaram.

— Mas deve ser porque você é todo pequeno e magro — Keith o encarou — desculpa, não queria soar rude.

— Temos o mesmo tipo físico — Aiden bufou e encarou Keith — eles vão realmente aceitar essa cara pálida sua — revirou os olhos, mas começou a rir.

— Não acho graça — Keith murmurou enquanto tentava segurar uma risada.

A lanchonete estava vazia naquela segunda e os garotos pediram uma porção de batata frita e comeram com milk-shake enquanto encaravam a porta.

— Essas horas a piscina podia tá aberta — Keith bebeu o milk-shake e encarou Aiden, concentrado nas batatas fritas.

— E você ia pra lá? Largar o trabalho? —Aiden riu, incrédulo.

— E tem muita coisa pra fazer agora? — Keith ergueu os braços, apontando toda a lanchonete — eles estão assistindo futebol ali dentro — ele apontou para a cozinha.

— É, pena que a piscina não abre hoje. Mas talvez, quando virar clube a gente possa ir...

— E vamos ter dinheiro pra pagar isso? — Keith revirou os olhos — eu vou ser pai, Aiden. Qualquer coisa que for custo desnecessário não vai rolar.

*

Antes do final da consulta Tristan percebeu que todo aquele nervosismo havia sido inútil porque ela o escutou com atenção e foi sincera com ele lhe dizendo que precisariam se encontrar mais alguns dias para as coisas melhorarem, ele sabia que seria um processo lento. Após se debulhar em lágrimas e não receber nenhum abraço constrangedor, Tristan começou a contar sobre sua vida. Uma vida totalmente diferente da que a doutora estava acostumada.

Contou sobre seus amigos, que sabiam sobre a tia e sobre como sua mãe e Osmar lhe tratavam bem, quase o fazendo esquecer todas as coisas ruins que passou antes de eles aparecerem. Após Tristan sair, Geovana chamou Daisy para conversarem, o que deixou Tristan preocupado.

— É procedimento — Osmar lhe assegurou quando percebeu seu semblante preocupado encarando a mãe entrando na sala — você é menor de idade ainda.

Apesar de faltar pouco tempo, Tristan não se sentia preparado para a maior idade.

Osmar continuou olhando para ele enquanto Tristan encarava o carpete da sala.

— Como foi?

— Foi tranquilo — Tristan respondeu sem erguer os olhos — preciso voltar segunda...

— Sabemos — Osmar sorriu — já marcamos suas próximas consultas.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Welcome to badlands" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.