Refluxo escrita por Isadora Nardes


Capítulo 1
O fardo




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I want you,

And nothing comes close

To the way that I need you

I wish I can feel your skin

And I want you

From somewhere within”.

Kieren Walker abriu seus olhos azulados e respirou fundo.

  Ultimamente, cada dia se passava como um fardo. Um grande segredo a ter que carregar nas costas. O pior já tinha passado – pelo menos, assim ele esperava. A pílula azul tinha se dissolvido, o barulho infernal dos tiros tinha silenciado.

  Ainda bem que não eram os tiros de Jem, Kieren pensou. Tremeu. Toda vez que pensava nos tiros que jem já havia disparado – ou chegado perto – nas lágrimas que ela havia derramado e na confusão que se passava na cabeça dela, tremia.

  Desde que Jem admitira que matara Henry no bosque, ela teve que cumprir um serviço comunitário.

  -- Ainda bem que ela não está levantando cercas – Simon havia dito, numa das vezes em que ele e Kieren escapavam do centro de Roarton para... Bom... Apenas ficarem juntos. (Não que Kieren soubesse exatamente o que estava fazendo. Não sabia. Toda vez que chegava perto de Simon, seu cérebro dizia “má ideia. Péssima ideia. Pare. Pare”. Mas seu corpo, seu peito, seus sentidos... nunca se conciliavam. Sempre acabava com seus lábios colados nos de Simon).

  Kieren se levantou da cama e foi até o banheiro. Olhar para si mesmo no espelho, com aquela pele pálida, com os olhos claros, a expressão morta. Não ficava mais fácil. Ele apenas se acostumava. Era como olhar para suas cicatrizes – ou para as de Simon.

  Não sabia porquê sentia o que sentia, mas não conseguia parar. Sentira o mesmo por Rick – antes dele morrer. Pela segunda vez. Mas com Simon era diferente. Kieren não pensava mais em sair de Roarton – com Rick, ele costumava sugerir isso. Ir para Oxford. Para Paris, talvez. E Rick não aceitava. “Meu pai”, ele sempre dizia. “Não posso deixa-lo”.

  Kieren soltava lágrimas de frustração. Rick continuava escolhendo seu pai a ele. Continuava desapontando-o.

  Se Kieren sugerisse para Simon sair de Roarton, ele aceitaria sem hesitar. Kieren sabia que, ficando na cidade, apenas mantinha Simon preso ali. Não iria a lugar nenhum sem Kieren. Mas não era isso que Kieren queria – manter Simon preso ali, junto dele, para ele nunca ter a chance de escapar e encontrar outro alguém?

  Talvez fosse egoísmo. Talvez fosse por Amy – “quantos quilômetros você vai ter que andar até conseguir ficar bem consigo mesmo?”. Por quem quer que fosse, ele não queria sair dali. Não iria sair dali, não importa o quão ruim as coisas ficassem.

  Kieren não usava mais sua base ou seu pó, mas toda manhã pegava eles e ficava encarando, como se estivesse a um passo de aplica-los novamente. Sabia que isso seria um tipo de traição para Simon – que já usara a maquiagem por ele, já fora polido por ele, já batera em Gary por ele. Certo, Gary merecia, de qualquer maneira.

  Kieren sentia que, se aplicasse a base novamente, se começasse a passar a esponja em seu rosto pálido de novo, simplesmente seria uma traição a Simon. Então ficavam os dois, andando por aí, sem maquiagem, evitando olhares hostis.

  Não seguravam mãos – ainda – porque a ultima coisa que precisavam era desse tipo de atenção. Kieren não tinha certeza de como seus pais reagiriam. Tinha certeza de como jem reagiria – no começo, gritaria, depois ignoraria, depois, iria pensando e pensando, até entender, respeitar e, talvez, algum dia, aceitar.

  Kieren sabia que não conseguiria contar aos pais.

  Sabia que eles já deveriam ter imaginado. Pelo menos, pensado: “Kieren nunca teve nenhuma namorada. Nunca”.  Alguns pensamentos passariam pela cabeça deles, mas eles afastariam, pois não queriam, de maneira alguma, aceitar tal verdade.

  Kieren não conseguia se imaginar de frente para os pais, ao lado de Simon, dizendo: “eu sou gay”. Não conseguia. Não conseguia se imaginar falando que amara Rick e que agora amava Simon. Era simplesmente uma cena muito, muito distante para ser concretizada.

  Kieren guardou a maquiagem na gaveta. Teve o impulso de colocar a toalha no espelho, mas se reteve.

  Por Simon, ele pensou. Jogou água fria no rosto – mesmo que não sentisse – e enxugou. Colocou uma camiseta e desceu as escadas. Sabia o quanto era importante simplesmente estar com a família no horário das refeições – mesmo que não comesse. Sabia que havia simplesmente um significado afetivo ali.

  Ao entrar na cozinha, se surpreendeu com Simon parado ali, de frente para seu pai. Por um momento, o pânico invadiu Kieren e ele achou que Simon havia, finalmente, abrido o jogo e dito sobre todos os beijos que haviam trocado.

  O que meu pai acharia disso?, Kieren pensou. Pedofilia?

  -- Kieren – seu pai olhou para ele. – Poderia fazer o favor de colocar calças antes de descer, por favor?

  Não se preocupe, pai, Kieren pensou, ele já viu tudo isso antes.

  -- Certo. Desculpe – Kieren disse. Subiu de novo as escadas e colocou uma calça de pijamas. Coçou a cabeça.  Voltou para baixo, recomposto.

  -- Bom dia, Kieren – seu pai disse.

  -- Bom dia.

  -- Oi – Simon disse, com um sorriso lateral. Kieren lançou seu melhor olhar “que porra você está fazendo aqui?”. – Pensei em passar aqui para dar bom dia. Sabe, vou procurar um emprego. Se me aceitarem.

  -- E eu pensei em convidá-lo para o café – o pai de Kieren disse. Colocou as mãos nos bolsos. – Mesmo que vocês... Hã... Não tomem café. Não realmente.

  -- Nós entendemos, pai – Kieren disse, se sentando na mesa. Fez sinal para Simon se sentar também. – O que tem hoje?

  -- Torradas francesas – a mãe de Kieren disse, chegando com uma bandeja.

  -- Parecem ótimas – comentou Simon, se sentando na cadeira ao lado de Kieren. A mãe de Kieren e o pai sentaram-se em lados opostos da mesa.

  Calmamente, Simon colocou sua mãos sob a de Kieren. A mente de Kieren disse para se desvencilhar, mas Kieren simplesmente não obedeceu. Apenas retirou sua mão da de Simon quando Jem cruzou a sala e entrou na cozinha.

  -- Bom dia – ela disse. Kieren puxou a mão para si. Jem olhou para Simon. – Bom dia. O que está fazendo aqui?

  -- Passei pra dar bom dia e seus pais me convidaram.

  -- Ah – Jem grunhiu. Não parecia incomodada com a presença de Simon, mas não ia com a cara dele. Nenhuma novidade.

  Em contrapartida, Simon colocou sua mão novamente na de Kieren. Dessa vez, parecia muito natural. Kieren quase levantou a mão, mas resolveu usar a esquerda para pegar seu copo de leite e fingir que estava tomando.

  As vezes, ficava cansado de fingir. Torcia para chegar o dia em que não teria mais que fingir.

* * *

—- Você pode vir comigo – disse Simon, quando saía da casa de Kieren. Kieren olhou para o pai. Ele deu de ombros.

  -- Não vejo porque não.

  Kieren quase deu um pulinho de alegria, mas sabia que pareceria gay demais. Ao invés disso, disse:

  -- Obrigado, pai – olhou para Simon – Espere aqui.

  -- Não vou a lugar nenhum – disse Simon. Sem você, terminou a frase em pensamento. O pai de Kieren entrou de volta em casa. Jem se aproximou e falou baixinho:

  -- Eu sempre soube que Kieren era dessa maneira. Com Rick, ok. Mesma idade, completamente diferentes. Certo. Mas você? – ela perguntou. – Você não tem... Sei lá... vergonha na cara?

  Simon não alterou sua expressão.

  -- Não sei do que você está falando – ele disse.

  -- Sabe muito bem do que eu estou falando – Jem falou um pouco mais alto. Olhou pra trás, para se certificar de que ninguém ouviu, e disse: -- Olha, Kieren está frágil. Primeiro, Rick. Depois, Amy. Você levou a porra de um tiro por ele, certo, mas não faça isso. Não se aproveite. Ele é frágil, ok?

  Simon encarou Jem. Encarou os olhos verdes daquela garota baixinha e mais medrosa do que aparentava. Não ficou com raiva. Ficou frustrado. Frustrado por não ter escondido seus sentimentos fundo o bastante.

  Enquanto se encaravam, Kieren chegou, com um sorriso estampado na cara. Simon olhou para ele. Achava aquele sorriso lindo. Quase pegou o rosto de Kieren entre suas mãos e beijou, mas se controlou.

  -- Vamos? – perguntou Kieren.

  -- Ah... Eu não acho uma boa ideia. --- Simon disse.

  -- O quê? – Kieren levantou as sobrancelhas. A decepção encheu seu rosto. – Por que não?

  -- É uma coisa difícil, que eu tenho que fazer sozinho, entende?

  -- Não, não entendo.

  -- Tchau, Kieren.

  Simon deu meia volta e começou a descer a rua. Kieren olhou para Jem, que deu de ombros. Kieren correu atrás de Simon.

  -- Ei – ele disse. – Espera. O que foi isso? – Kieren perguntou, parando na frente de Simon.

  -- Ela sabe, Kieren – Simon disse. – Simplesmente sabe.

  Kieren limpou a garganta. Deu um passo pra trás e passou as mãos no rosto.

  -- Droga – Kieren murmurou. Olhou para Simon. – O que mais ela disse pra você?

  -- Que eu não deveria me aproveitar de você.

  -- Se aproveitar de mim?!

  -- Ela só está preocupada, Kieren. Está preocupada com você.

  Kieren respirou fundo. Olhou de volta passa sua casa. Jem não estava na porta nem nas janelas. Kieren olhou em volta. Ninguém. Olhou no fundo dos olhos de Simon, pegou seu rosto entre as mãos e o beijou. Simon queria reagir, mas não conseguiu. Apenas ficou parado, sentindo os lábios de Kieren nos seus.

  -- Não vou deixar isso acontecer de novo – Kieren disse. Pegou na mão de Simon discretamente. – Agora vamos. Vamos arranjar um emprego pra você.


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Notas finais do capítulo

Então, todos os capítulos vão ter mais ou menos essa média de palavras, 1.500 a 2.000. Não sou de escrever capítulos muito longos, apenas que sejam coerentes.
Não sei se vai ter lemon, talvez apenas sugestão -- tem outras fics de In the Flesh que meu deus, não consegui nem ler :v
Enfim, espero que aproveitem e que chorem bastante. Brincadeira. Não tanto.



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