Beyond escrita por LanisDias


Capítulo 32
Brisa




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Sentei subitamente na cama. Senti a testa suada, as mãos trêmulas, o coração aos pulos.

Foi apenas um sonho.

Está tudo bem, Brisa. Foi apenas um pesadelo.

O quarto estava imerso na mais completa escuridão e eu comecei a questionar quanto tempo eu havia dormido. E o que eu estava fazendo antes disso. O relógio da cabeceira brilhava. 19:52.

Minha cabeça ainda girava. Sobre o que tinha sido aquele sonho mesmo?

— Pai! – chamei o mais alto que consegui.

Ouvi-o subindo as escadas apressadamente. Abriu a porta e ligou o interruptor. A luz me cegou por um minuto.

— Você está bem, meu amor?

Havia preocupação em seus olhos. E quando ele me trata com tanto carinho é porque tem algo errado.

— Pai, o que aconteceu?

Ele suspirou pesadamente.

— Minha filha, você recebeu uma ligação da Sofia...

— Ah, não – interrompi-o. Relances do pesadelo assaltaram minha mente. O mar de sangue, sua perna cortada, minha mãe viva. – Pai, a Sofia não! – as lágrimas embaçaram minha visão.

— Vai ficar tudo bem, minha filha – meu pai me abraçou. – Você sabe que vai.

***

— Há quanto tempo você sabe? – minha voz agora estava mais controlada. Meu pai me obrigou a tomar um banho e comer um pouco para depois poder ligar para minha amiga.

— Há umas três semanas.

— E por que você não me contou?!

— Olha pro seu estado, Brisa! Sou eu quem vai perder a perna e a mais desesperada é você – ela riu. – Desculpa. – ela disse depois de perceber o meu silêncio. – Eu só estou cansada de tentar me enganar. De ver todos a minha volta alimentando falsas esperanças. Os médicos já fizeram de tudo. Essa é a última opção.

— A cirurgia está marcada? – quebrei o silêncio, que se estendeu pelo longo minuto em que seguramos os celulares contra nossas orelhas, esperando que aquilo não passasse de um pesadelo.

— Próxima semana.

— Eu vou estar aí.

— Nem se engane, queridinha. Seu pai nunca vai deixar você sair de casa sozinha.

— Não vou sozinha, vou levar Adriano comigo.

— Ah... Quer dizer que a senhorita acabou de uma forma ou de outra com o engomadinho da Bíblia?

— Só por esse insulto, vou dar um beliscão no teu joelho quando chegar aí.

— Ai! – ela gritou. – Nem brinca com isso. Você era uma melhor quando eu estava com você, garota!

— Próxima semana eu vou te mostrar a garota sombria que tomou o meu lugar!

***

“Eu vou conseguir convencer o velho”. Foi o que Adriano disse mais cedo. Não adiantou eu implorar para o meu pai. Ele disse que não tinha dinheiro para a minha passagem. E que não me deixaria ir sozinha. Chorar não adiantou. E olhe que eu chorei bastante, fiz cara de pena, me joguei da escada pra tentar quebrar a perna. Nada.

Aí Adriano veio com a história de que sabia dirigir e que iria conseguir um carro para me levar até a cidade de Sofia. Adriano tem dezenove anos, carteira de motorista, e nenhuma maturidade. Só em sonho meu pai vai me deixar viajar ao lado de um completo maluco que estará na direção do carro.

Mas, não! “Eu sou o maioral! Eu consigo!”. Adriano burro, ferrando com a minha vida em vez de conseguir dinheiro pra pagar a minha passagem. Meu pai vai entender tudo errado.

Dúvida: Por que eu não faço tele transporte mesmo? Ah, é! Eu sou humana. Droga.

Faz uma hora que meu pai saiu com Adriano para darem uma “voltinha”. E eu estou sozinha em casa. Pirando. Como se ninguém tivesse percebido antes.

Minha amiga vai fazer uma operação que vai mudar completamente o rumo da vida dela e eu não estarei lá para apoiá-la. A mesma amiga que não saiu do meu lado quando eu mais precisei. Que tipo de amiga eu sou? Adriano tem que conseguir. Ou eu acabo com a raça dele.

— Brisa? – meu pai chamou da sala. – Vem cá que nós precisamos conversar.

***

— Ainda não sei como você realizou essa proeza.

— Brisa, por que é tão difícil te convencer de que eu sou o cara certo pra você? – Ele me olhou com aquele sorriso de canto. - Se eu te pedir hoje em casamento ao seu pai ele paga até as alianças.

Estávamos no carro, desculpa, Berenice há pelo menos duas horas. Que pareciam três dias. Porque o garoto não parava de fazer piadinhas daquele tipo. E o pseudocarro não passava dos cinquenta quilômetros por hora.

— Eu realmente acreditei que eu não conseguiria ver minha amiga.

— Me diz se eu sou o tipo que algum dia vai te decepcionar? – ele levantou a sobrancelha tentando parecer sedutor. Falhou.

Ele tirou uma mão do volante e segurou a minha.

— Me larga, garoto!

— Você deve se subjugar às minhas regras. Ou eu aperto o botão ejetar e você sai voando por aí, Brisinha voadora.

— Não queira saber que botão eu vou apertar se você não me soltar agora!

— Parei, parei – ele segurou firme no volante.

 Depois de um tempo ele voltou a falar.

— Você poderia me entreter com alguma coisa.

— O que, por exemplo?

Ele pôs a mão no queixo.

— Ah, a gente pode... – ele fez uma cara maliciosa. – jogar um jogo.

Sentei sobre minhas pernas cruzadas e virei para ele.

— Que tipo de jogo? – perguntei.

— Eu faço afirmações simples, do tipo, você já provou seu cocô, e você responde com verdadeiro ou falso.

— Tudo bem – respondi. – Mas sem maldade.

Ele deu uma risada maliciosa.

— Tudo bem, senhorita pureza. – tamborilou os dedos no volante. - Você já colou na prova.

— Verdadeiro – Adriano fez uma cara de chocado. – Isso foi antes, agora não. As coisas velhas se passaram, e você sabe o resto. Minha vez. Você rouba comida da minha cozinha todos os dias.

Ele me olhou como um cãozinho inocente.

— Eu preciso me alimentar pra manter esse corpinho, né? – disse, passando a mão sobre o abdômen.

— Vai me ajudar nas compras todo mês também.

— Ok, minha vez. Você já ficou com mais de dez meninos – disse, apertando os olhos.

— Verdadeiro – sussurrei.

— Oi? – Adriano se inclinou para o lado, colocando a mão na orelha. – Eu não escutei bem.

— Fica na tua, garoto – ele riu. - Você é virgem – me arrependi assim que deixei as palavras saltarem da boca.

Adriano ficou claramente desconcertado. Ele olhou para a janela do seu lado e respondeu sem olhar nos meus olhos.

— Falso. – um silêncio constrangedor pairou sobre nós. O que você esperava, hein, Brisa?  -E você? Já... Bem... – ele hesitou. – Fez isso com alguém.

— Falso. – ele pareceu mais aliviado depois da minha resposta. Mesmo assim, senti minhas bochechas queimarem. Adriano era mais velho que eu, e também só veio a conhecer Jesus há pouco tempo. Era de se esperar que ele já tivesse... - Você já se apaixonou por alguém.

Adriano corou. Nem sabia que isso era possível.

— Verdadeiro – ele olhou em meus olhos, sorrindo. - Você está apaixonada por mim. Verdadeiro ou falso?

— Chega dessa brincadeira.

***

O sol começava a fazer seu caminho de volta para o fundo das montanhas. As janelas estavam abertas. Os cachos do menino balançavam com a brisa.

Meus dedos se entrelaçaram nos cachos negros que se acumulavam na cabeça de Adriano. Seu cabelo já estava quase do tamanho do meu, que começava a tocar os ombros. Alisei os fios macios e oleosos brilhosos até que me dei conta de sua expressão.

— Não dorme, garoto, vai fazer teu trabalho.

— Como se fosse possível! Estou quase me afogando no oceano de baba que você está derramando sobre mim.

Puxei seu cabelo na base da nuca.

— Ai, ai! Desculpa! Eu vou dirigir!

Olhei no meu relógio de pulso.

— Falta quanto tempo para chegarmos? – ele perguntou.

— Sete horas em um transporte normal. Mas no seu carro, doze horas se dermos sorte.

— Você ofendeu a Berenice. Desculpe-se!

Bocejei, entediada.

— Deus tá vendo, viu? Quanta maldade no seu coração, menina Brisa.

Encostei minha cabeça em seu ombro.

— Fica quieto aí que eu vou dormir.

Ele ficou tenso.

— O que foi? – perguntei.

— Estou com medo de ser contaminado com a sua maldade.

Dei um tapa em seu ombro enquanto ele ria.

O carro fez um barulho estranho.

— Opa... – Adriano deixou escapar.

Uma fumaça escura começou a escapar pelo capô, ofuscando a estrada à frente. Adriano pisou no freio e direcionou a lata velha para o acostamento. Descemos do carro enquanto o sol se despedia de vez de nós.

O garoto abriu o capô tossindo um pouco e iluminou as peças com o visor do celular.

— Adriano – falei, impaciente. – Pode dar um jeito no teu carro!

— Eu não posso fazer nada. Aqui jaz Berenice – ele se virou para mim sorrindo. – Eu disse que você tinha magoado os sentimentos dela.

Ele parou de fazer gracinha quando eu apertei o botão que eu tinha mencionado antes.


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Notas finais do capítulo

Berenice, por favor, desculpa a Brisa. Pega logo, mulher, deixa de drama.



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