Beyond escrita por LanisDias


Capítulo 30
Adriano


Notas iniciais do capítulo

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Eu provavelmente não era mais o mesmo.

Você pode achar difícil de acreditar, mas eu só comecei a suspeitar disso depois de ver a minha conduta em certas situações. A forma que deixava meu subconsciente agir e tomar controle sobre meu corpo. Sem falar da maneira que meu coração sempre gritava alto demais em certos momentos levando-me a quase loucura, quando uma simples lágrima me fazia abandonar todas minhas prévias preocupações e focar em apenas um lugar. Uma pessoa.

Comecei a ter as maiores suspeitas disso quando me vi mais uma vez na sala da casa dos meus pais, sentindo o cheiro impecável de limpeza que minha sempre conseguia deixar e da loção de barba que meu pai nunca mudava desde que eu me entedia por gente.

Nunca iria admitir, mas naquela hora eu senti muitas saudades de casa.

— O QUE MAIS VOCÊ QUER DA GENTE, VAGABUNDO?

E então me lembrei do porquê eu tinha ido embora em primeiro lugar.

— Querido, se acalme! - minha mãe tentava impedir meu pai que marchava em minha direção.

— SE ACALMAR O QUÊ, LÚCIA? - ele a afastou de uma vez e apontou o dedo pra mim - EU QUERO SABER É O QUE ESSE MARGINAL TÁ FAZENDO NA MINHA CASA!

Respirei fundo. Aquilo ia ser mais difícil do que eu tinha pensado.

— Eu só vim pedir um favor. - expliquei em um tom mais baixo.

— VEIO EXTORQUIR MINHA MULHER, NÃO É? - a voz dele subiu mais ainda. - DÊ O FORA DAQUI, ANTES QUE EU CHAME A POLÍC-

— PEDRO! PELO AMOR DE DEUS CALE A BOCA!

Seguiu-se o silêncio quando minha mãe gritou pela primeira vez na vida.

Ela olhou para meu pai, como que para garantir que ele não voltaria a bradar pela casa, antes de se virar para mim e, com sua voz doce e equilibrada de sempre, retomar nossa antiga conversa.

— Então, meu bem. - ela entrelaçou as mãos e as pôs sobre o peito - Você disse que tem uma nova amiga? - ela me indicou que continuasse.

Suspirei. Brisa não ia acreditar quando soubesse o que eu planejava fazer.

*

— Tá brincando, Adriano? - e ela não acreditou mesmo.

— Nem um pouco. - expliquei calmamente - Eu, o grandíssimo e maravilhoso Adriano a quem você terá uma dívida eterna, consegui um carro que irá levar a senhorita de encontro com sua grande amiga que agora passa por um momento de dificuldade. Isso porque eu, seu agora mestre para todo sempre, possuo um arcabouço de muitas habilidades.

— Você nem sabe o que é um arcabouço.

— Tanto faz, sei dirigir e tô com um carro com o tanque cheio. - levantei a chave, esperando pelo momento de devoção.

Ela ainda estava na dúvida se sorria ou se me dava um soco. Os olhos ameaçadores e esbugalhados ao mesmo tempo.

— Adriano, - ela começou lentamente - eu juro que se você tiver mentindo eu vou...

— E por acaso eu iria brincar com isso, Brisa? - falei sério dessa vez e ela pareceu acreditar.

— Você conseguiu mesmo? - o sorriso iluminou o rosto inteiro dela e eu me apoiei de lado na parede pra não cair de joelhos pra parecer mais legal.

— Anham. - rodei o chaveiro no dedo - Prontinho pra partir.

Ela correu e me pegou em um abraço apertado pelo pescoço e eu me apoiei inteiramente na parede pra não derreter e virar uma poça no chão pra eu parecer ainda mais com o cara legal que eu era.

— Mas espera, - ela se afastou e olhou fixo no meu rosto que definitivamente não estava vermelho - você não roubou esse carro, roubou Adriano?

Rolei os olhos.

— Claro que não, besta. - cocei minha nuca - Peguei emprestado com meu pai.

— Seu pai te emprestou um carro?

— Meu pai me emprestou um carro.

— Seu pai te emprestou um carro?

— Meu pai me emprestou um carro.

— Seu pai te emprestou...

— Vai ficar repetindo ou vai ver a droga da Berenice? - resmunguei.

— Berenice?

Estalei a língua nervoso.

— Olha, ele nunca ia deixar eu pegar Yasmin, então eu tive que aceitar a velha companheira dele - expliquei já sem paciência.

— A velha companheira dele?

— Acorda pra realidade, Brisa! - sacudi os ombros dela - O carro! Eu tô falando do carro!

— Seu pai dá nomes pros carros dele?

— Ei, nem faça graça! - levantei um dedo, repreendendo a sobrancelha que ela levantara - Muitas pessoas fazem isso, não só com carros, mas também com outras posses.

Ela segurou a risada e mordeu a piada sem gosto que estava prestes a soltar, e logo depois voltou a ficar com o semblante preocupado.

— Quantos anos Berenice tem? - ela perguntou, virando a cabeça de lado.

Ai, droga.

— Err, ela já passou da primeira infância. - disfarcei.

— Adriano. - ela pôs as mãos na cintura.

— Já passou pela puberdade também.

A sobrancelha voltou a se erguer.

— E também pela juventude e pela fase adulta... - concluí.

— Você quer que eu ande numa caçamba velha, é isso?

Meus olhos arregalaram.

— Olhe lá como você fala da Berenice! - me indignei - Tá certo que ela já tá na meia idade, mas ela é capaz de andar por esse Brasil inteiro sem reclamar! Diferente de você, criatura ingrata!

— Em quanto tempo ela andaria pelo Brasil inteiro?

— Detalhes, Brisa! - rompi em direção a porta arrastando-a comigo - Agora vem ver a droga do carro!

*

Eu definitivamente não era mais o mesmo.

Você pode achar difícil de acreditar, mas eu só percebi isso quando me encontrei na direção de um Volkswagen com o Pastor Calebe no banco do carona.

— Hm... Pastor? - tomei coragem.

— Sim? - ele regulava a estação de rádio.

— Eu ainda não entendi muito bem o que exatamente o senhor pretende com esse passeio.

— Como assim, rapaz? - ele levantou o olhar para mim enquanto ouvia o jogo São Paulo X Corinthians.

— É que... - lutei pelas palavras certas. - Não que eu não goste do senhor, eu acho o senhor um cara muito bacana, e tals... - eu falava gesticulando, como que tentando deixar o que eu dizia mais claro. - E eu sei que apesar de não gostar de mim quando eu cheguei na sua residência, acho que o senhor veio a aprovar minha existência, no geral.

Ele ainda me olhava, tentando entender o que a minha linguagem de libras queria dizer.

— E?... - ele me convidou a continuar.

— Bem... O que, exatamente, o senhor pretende fazer com.. com... com esta “voltinha”?

O pastor deu uma risadinha, o que me fez me encolher em meu banco. Não sou do tipo medroso, mas alguma coisa no pai de Brisa naquele momento me fazia sentir... Constrangido? Cauteloso?

— Não se preocupe, rapaz - ele disse com um leve sorriso nem um pouco convidativo. - Vamos apenas fazer um pequeno teste de direção.

— Eu passei no exame, senhor.

— Eu sei - ele baixou o pára-sol.

Trinta segundos de silêncio.

— Ainda não entendi aonde o senhor que chegar...

Ele suspirou.

— Rapaz, você vai levar a minha filha para uma cidade que fica a quinhentos quilômetros de distância daqui. Não darei permissão até ver o seu desempenho no volante. Ainda mais depois de ver o que você faz depois de me prometer que sabia fazer miojo.

Suei frio.

— Então isso é, tipo, um teste? - perguntei.

Ele sorriu.

— Isso é, com certeza, um teste.

Eu odeio testes.

*

Enquanto eu dirigia, tentava ignorar a presença do pastor Calebe ao meu lado. Tentativa frustrada. O assento parecia me sufocar, as mãos suavam e o volante parecia escapar do meu aperto, meus pés quase perdiam o controle sobre os pedais, meus ombros ficavam tensos a cada vez que tinha de trocar a marcha. Digamos que eu estava um pouquinho nervoso.

— Me diga, Adriano... - ele começou a puxar assunto.

— Sim?

— Apesar de já conhecer você há um tempinho não sei nada sobre você. Você mora com seus pais?

Umedeci os lábios. Pensei com cuidado no que dizer.

— Não senhor, eu moro sozinho.

— Visita os pais frequentemente?

Engoli em seco.

— De vez em quando, senhor. - uma vez por vida, pensei.

Silêncio.

— Onde você mora? - ele me perguntou.

— Perto da antiga madeireira - respondi.

Você pode me acusar de mentir, mas eu realmente moro perto da antiga madeireira. Eu só não dei os detalhes, como, por exemplo, o fato de que minha casa era praticamente um casarão abandonado, sem móveis, sem eletricidade e sem água corrente.

O som do rádio era o único no momento.

— Tem muitos amigos?

Honestamente, eu não via onde ele queria chegar com aquelas perguntas.

— Não, senhor.

No rádio, o locutor anunciou, empolgado, um gol. Não ouvi de quem era, mas, quem quer que fosse, tinha o total apoio do pastor.

Quando a empolgação finalmente passou e o locutor voltou a falar de maneira normal (Bem, normal o bastante para um locutor de futebol), ele virou-se para mim.

— Torce por qual time?

Tirei os olhos da estrada por um segundo.

— Nenhum, senhor - respondi.

— Gosta de futebol?

— Mais ou menos, senhor.

— Por favor, pare de me tratar como um tenente ou comandante - ele disse. - Falando nisso, já estudou em colégio militar?

— Sim, se... - lembrei-me do que ele dissera e me corrigi rapidamente. - Sim, estudei.

— Isso explica o seu porte.

— Como?

— O seu porte físico - ele explicou.

Pensei sobre o que Brisa achava do meu porte.

— Obrigado, senhor.

— Não foi um elogio - ele disse. - Foi a constatação de um fato.

Calei minha boca. Nossa, ele era mau quando queria ser.

Não que eu fosse algum dia dizer aquilo pra ele.

O som do rádio preencheu o silêncio, e apesar de estar bem absorto no jogo, o pastor Calebe mantinha os olhos fixos em mim, fato que não me deixou mais relaxado.

Depois de uma série de perguntas sobre mim e sobre meus estudos (fui meio vago nessa parte), ele finalmente me disse para voltar para a casa dele.

Estacionei sem problemas na entrada. Olhei desesperado em volta, procurando a minha salvação, mas a imbecil da Brisa não saiu de casa. Ah, eu ia matar aquela garota por me deixar sozinho em um momento daqueles. Eu não conseguia nem fazer uma piada com o pai dela.

O pastor finalmente desligou o rádio, aparentemente feliz com a vitória de 2 X 0 do São Paulo. Ele desafivelou o cinto de segurança e destravou a porta.

— Seu veredicto sairá mais tarde, assim que eu conversar com Brisa. - ele disse para mim.

— Sim, senhor. - concordei, me esquecendo do nosso acordo anterior.

— E garoto, - ele me deu um tapa no ombro, o que me fez encolher de susto - Vê se relaxa.

Ele riu da minha cara antes de sair. E eu teria até dado uma resposta, mas a Bíblia dizia para respeitar os nossos líderes…

Respirei fundo e afundei no banco do carro. No fim das contas eu só podia esperar que ele confiasse em mim o bastante pra carregar a filha única dele em um carro chamado Berenice pra outra cidade.


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Notas finais do capítulo

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