Beyond escrita por LanisDias
Notas iniciais do capítulo
QUERO COMENTÁRIOS!
Eu provavelmente não era mais o mesmo.
Você pode achar difícil de acreditar, mas eu só comecei a suspeitar disso depois de ver a minha conduta em certas situações. A forma que deixava meu subconsciente agir e tomar controle sobre meu corpo. Sem falar da maneira que meu coração sempre gritava alto demais em certos momentos levando-me a quase loucura, quando uma simples lágrima me fazia abandonar todas minhas prévias preocupações e focar em apenas um lugar. Uma pessoa.
Comecei a ter as maiores suspeitas disso quando me vi mais uma vez na sala da casa dos meus pais, sentindo o cheiro impecável de limpeza que minha sempre conseguia deixar e da loção de barba que meu pai nunca mudava desde que eu me entedia por gente.
Nunca iria admitir, mas naquela hora eu senti muitas saudades de casa.
— O QUE MAIS VOCÊ QUER DA GENTE, VAGABUNDO?
E então me lembrei do porquê eu tinha ido embora em primeiro lugar.
— Querido, se acalme! - minha mãe tentava impedir meu pai que marchava em minha direção.
— SE ACALMAR O QUÊ, LÚCIA? - ele a afastou de uma vez e apontou o dedo pra mim - EU QUERO SABER É O QUE ESSE MARGINAL TÁ FAZENDO NA MINHA CASA!
Respirei fundo. Aquilo ia ser mais difícil do que eu tinha pensado.
— Eu só vim pedir um favor. - expliquei em um tom mais baixo.
— VEIO EXTORQUIR MINHA MULHER, NÃO É? - a voz dele subiu mais ainda. - DÊ O FORA DAQUI, ANTES QUE EU CHAME A POLÍC-
— PEDRO! PELO AMOR DE DEUS CALE A BOCA!
Seguiu-se o silêncio quando minha mãe gritou pela primeira vez na vida.
Ela olhou para meu pai, como que para garantir que ele não voltaria a bradar pela casa, antes de se virar para mim e, com sua voz doce e equilibrada de sempre, retomar nossa antiga conversa.
— Então, meu bem. - ela entrelaçou as mãos e as pôs sobre o peito - Você disse que tem uma nova amiga? - ela me indicou que continuasse.
Suspirei. Brisa não ia acreditar quando soubesse o que eu planejava fazer.
*
— Tá brincando, Adriano? - e ela não acreditou mesmo.
— Nem um pouco. - expliquei calmamente - Eu, o grandíssimo e maravilhoso Adriano a quem você terá uma dívida eterna, consegui um carro que irá levar a senhorita de encontro com sua grande amiga que agora passa por um momento de dificuldade. Isso porque eu, seu agora mestre para todo sempre, possuo um arcabouço de muitas habilidades.
— Você nem sabe o que é um arcabouço.
— Tanto faz, sei dirigir e tô com um carro com o tanque cheio. - levantei a chave, esperando pelo momento de devoção.
Ela ainda estava na dúvida se sorria ou se me dava um soco. Os olhos ameaçadores e esbugalhados ao mesmo tempo.
— Adriano, - ela começou lentamente - eu juro que se você tiver mentindo eu vou...
— E por acaso eu iria brincar com isso, Brisa? - falei sério dessa vez e ela pareceu acreditar.
— Você conseguiu mesmo? - o sorriso iluminou o rosto inteiro dela e eu me apoiei de lado na parede pra não cair de joelhos pra parecer mais legal.
— Anham. - rodei o chaveiro no dedo - Prontinho pra partir.
Ela correu e me pegou em um abraço apertado pelo pescoço e eu me apoiei inteiramente na parede pra não derreter e virar uma poça no chão pra eu parecer ainda mais com o cara legal que eu era.
— Mas espera, - ela se afastou e olhou fixo no meu rosto que definitivamente não estava vermelho - você não roubou esse carro, roubou Adriano?
Rolei os olhos.
— Claro que não, besta. - cocei minha nuca - Peguei emprestado com meu pai.
— Seu pai te emprestou um carro?
— Meu pai me emprestou um carro.
— Seu pai te emprestou um carro?
— Meu pai me emprestou um carro.
— Seu pai te emprestou...
— Vai ficar repetindo ou vai ver a droga da Berenice? - resmunguei.
— Berenice?
Estalei a língua nervoso.
— Olha, ele nunca ia deixar eu pegar Yasmin, então eu tive que aceitar a velha companheira dele - expliquei já sem paciência.
— A velha companheira dele?
— Acorda pra realidade, Brisa! - sacudi os ombros dela - O carro! Eu tô falando do carro!
— Seu pai dá nomes pros carros dele?
— Ei, nem faça graça! - levantei um dedo, repreendendo a sobrancelha que ela levantara - Muitas pessoas fazem isso, não só com carros, mas também com outras posses.
Ela segurou a risada e mordeu a piada sem gosto que estava prestes a soltar, e logo depois voltou a ficar com o semblante preocupado.
— Quantos anos Berenice tem? - ela perguntou, virando a cabeça de lado.
Ai, droga.
— Err, ela já passou da primeira infância. - disfarcei.
— Adriano. - ela pôs as mãos na cintura.
— Já passou pela puberdade também.
A sobrancelha voltou a se erguer.
— E também pela juventude e pela fase adulta... - concluí.
— Você quer que eu ande numa caçamba velha, é isso?
Meus olhos arregalaram.
— Olhe lá como você fala da Berenice! - me indignei - Tá certo que ela já tá na meia idade, mas ela é capaz de andar por esse Brasil inteiro sem reclamar! Diferente de você, criatura ingrata!
— Em quanto tempo ela andaria pelo Brasil inteiro?
— Detalhes, Brisa! - rompi em direção a porta arrastando-a comigo - Agora vem ver a droga do carro!
*
Eu definitivamente não era mais o mesmo.
Você pode achar difícil de acreditar, mas eu só percebi isso quando me encontrei na direção de um Volkswagen com o Pastor Calebe no banco do carona.
— Hm... Pastor? - tomei coragem.
— Sim? - ele regulava a estação de rádio.
— Eu ainda não entendi muito bem o que exatamente o senhor pretende com esse passeio.
— Como assim, rapaz? - ele levantou o olhar para mim enquanto ouvia o jogo São Paulo X Corinthians.
— É que... - lutei pelas palavras certas. - Não que eu não goste do senhor, eu acho o senhor um cara muito bacana, e tals... - eu falava gesticulando, como que tentando deixar o que eu dizia mais claro. - E eu sei que apesar de não gostar de mim quando eu cheguei na sua residência, acho que o senhor veio a aprovar minha existência, no geral.
Ele ainda me olhava, tentando entender o que a minha linguagem de libras queria dizer.
— E?... - ele me convidou a continuar.
— Bem... O que, exatamente, o senhor pretende fazer com.. com... com esta “voltinha”?
O pastor deu uma risadinha, o que me fez me encolher em meu banco. Não sou do tipo medroso, mas alguma coisa no pai de Brisa naquele momento me fazia sentir... Constrangido? Cauteloso?
— Não se preocupe, rapaz - ele disse com um leve sorriso nem um pouco convidativo. - Vamos apenas fazer um pequeno teste de direção.
— Eu passei no exame, senhor.
— Eu sei - ele baixou o pára-sol.
Trinta segundos de silêncio.
— Ainda não entendi aonde o senhor que chegar...
Ele suspirou.
— Rapaz, você vai levar a minha filha para uma cidade que fica a quinhentos quilômetros de distância daqui. Não darei permissão até ver o seu desempenho no volante. Ainda mais depois de ver o que você faz depois de me prometer que sabia fazer miojo.
Suei frio.
— Então isso é, tipo, um teste? - perguntei.
Ele sorriu.
— Isso é, com certeza, um teste.
Eu odeio testes.
*
Enquanto eu dirigia, tentava ignorar a presença do pastor Calebe ao meu lado. Tentativa frustrada. O assento parecia me sufocar, as mãos suavam e o volante parecia escapar do meu aperto, meus pés quase perdiam o controle sobre os pedais, meus ombros ficavam tensos a cada vez que tinha de trocar a marcha. Digamos que eu estava um pouquinho nervoso.
— Me diga, Adriano... - ele começou a puxar assunto.
— Sim?
— Apesar de já conhecer você há um tempinho não sei nada sobre você. Você mora com seus pais?
Umedeci os lábios. Pensei com cuidado no que dizer.
— Não senhor, eu moro sozinho.
— Visita os pais frequentemente?
Engoli em seco.
— De vez em quando, senhor. - uma vez por vida, pensei.
Silêncio.
— Onde você mora? - ele me perguntou.
— Perto da antiga madeireira - respondi.
Você pode me acusar de mentir, mas eu realmente moro perto da antiga madeireira. Eu só não dei os detalhes, como, por exemplo, o fato de que minha casa era praticamente um casarão abandonado, sem móveis, sem eletricidade e sem água corrente.
O som do rádio era o único no momento.
— Tem muitos amigos?
Honestamente, eu não via onde ele queria chegar com aquelas perguntas.
— Não, senhor.
No rádio, o locutor anunciou, empolgado, um gol. Não ouvi de quem era, mas, quem quer que fosse, tinha o total apoio do pastor.
Quando a empolgação finalmente passou e o locutor voltou a falar de maneira normal (Bem, normal o bastante para um locutor de futebol), ele virou-se para mim.
— Torce por qual time?
Tirei os olhos da estrada por um segundo.
— Nenhum, senhor - respondi.
— Gosta de futebol?
— Mais ou menos, senhor.
— Por favor, pare de me tratar como um tenente ou comandante - ele disse. - Falando nisso, já estudou em colégio militar?
— Sim, se... - lembrei-me do que ele dissera e me corrigi rapidamente. - Sim, estudei.
— Isso explica o seu porte.
— Como?
— O seu porte físico - ele explicou.
Pensei sobre o que Brisa achava do meu porte.
— Obrigado, senhor.
— Não foi um elogio - ele disse. - Foi a constatação de um fato.
Calei minha boca. Nossa, ele era mau quando queria ser.
Não que eu fosse algum dia dizer aquilo pra ele.
O som do rádio preencheu o silêncio, e apesar de estar bem absorto no jogo, o pastor Calebe mantinha os olhos fixos em mim, fato que não me deixou mais relaxado.
Depois de uma série de perguntas sobre mim e sobre meus estudos (fui meio vago nessa parte), ele finalmente me disse para voltar para a casa dele.
Estacionei sem problemas na entrada. Olhei desesperado em volta, procurando a minha salvação, mas a imbecil da Brisa não saiu de casa. Ah, eu ia matar aquela garota por me deixar sozinho em um momento daqueles. Eu não conseguia nem fazer uma piada com o pai dela.
O pastor finalmente desligou o rádio, aparentemente feliz com a vitória de 2 X 0 do São Paulo. Ele desafivelou o cinto de segurança e destravou a porta.
— Seu veredicto sairá mais tarde, assim que eu conversar com Brisa. - ele disse para mim.
— Sim, senhor. - concordei, me esquecendo do nosso acordo anterior.
— E garoto, - ele me deu um tapa no ombro, o que me fez encolher de susto - Vê se relaxa.
Ele riu da minha cara antes de sair. E eu teria até dado uma resposta, mas a Bíblia dizia para respeitar os nossos líderes…
Respirei fundo e afundei no banco do carro. No fim das contas eu só podia esperar que ele confiasse em mim o bastante pra carregar a filha única dele em um carro chamado Berenice pra outra cidade.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
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