Juventude Transviada escrita por Isadora Nardes


Capítulo 9
Capítulo 9 - Thauane


Notas iniciais do capítulo

Trilha: Be Yourself (Harrison Storm) https://www.youtube.com/watch?v=8yVqrwWxdmI



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/688579/chapter/9

Thauane estava cansada de entrar e sair do carro.

  Imaginou que Bruno estava cansado de dirigir. Ambos estavam cuidando dos outros, levando-os para casa, deitando-os em suas camas, fugindo de perguntas. Primeiro, Lucas – ele parecia o mais acabado. Depois, Dani – estava tão absorta em seu desespero que não conseguia chorar nem falar. Depois, Katrina – ainda sob o efeito de cocaína (que Thauane tinha conseguiu para ela fazendo um boquete em um traficante).

  Thauane mandou uma mensagem para Mariane, já que o celular de Gabriel havia sido roubado em algum lugar no meio da rave.

Thauane: chegou em casa?

  Mariane visualizou. Não respondeu. Provavelmente estava assustada demais, tremendo no banco traseiro de um táxi, enquanto Gabriel estava ao lado dela, com os cotovelos apoiados nos joelhos e o rosto enterrado nas mãos. Ambos tremendo, ambos perdidos, sem saber o que fazer.

  Bruno encostou o carro na frente da casa de Thauane. Era uma e meia da manhã. Thauane olhou pra ele.

  -- Que porra a gente vai fazer? – ela perguntou. Bruno não olhou pra ela ao falar.

  -- Não sei.

  -- O que a gente vai dizer se perguntarem?

  -- Não sei.

  -- Como a gente vai lidar com essa merda?

  -- Não sei, porra! – ele quase gritou. – Não sei. Eu tô cansado pra caralho, beleza?

  Thauane suspirou. Massageou suas têmporas.

  -- Mas que merda – ela disse. Sua voz falhou. – Quem não conseguimos achar?

  -- Caio. Gus – Bruno disse.

  Thauane olhou pra ele.

  -- Você acha que eles...?

  -- Não sei – ele disse. – A Dani não conseguia nem falar.

  -- E se eles morreram, Bruno? – ela perguntou. – E se a gente acordar e ouvir o nome deles na TV?

  Bruno limpou a garganta. Não conseguia encarar Thauane. De repente, bateu as mãos no volante. A buzina tocou. Ele continuou espancando o carro, a buzina continuou tocando. Thauane tentou tapar os ouvidos, mas não adiantava nada.

  -- Para! — ela berrou. – Para! Para! Chega! Por favor!

  Ela agarrou os pulsos dele. Ele finalmente olhou pra ela. Ambos respiravam com dificuldade, contendo toda a incerteza dentro de si. Se encararam por um momento.

  -- Meus pais estão fora. Você mal consegue dirigir – Thauane disse.

  -- Não precisa – Bruno disse, soltando os pulsos das mãos dela. – Não.

  -- Entra, vamos – Thauane disse. -- Deixa de ser viado.

  Bruno se rendeu. Saiu do carro.

  A casa de Thauane era pequena, porém arrumada. Thauane abriu a porta do banheiro e jogou água fria no rosto. Se encarou no espelho. Não sabia como deveria reagir, não sabia o que deveria pensar. Olhou para Bruno, sentado no sofá, girando o boné entre os dedos.

  -- Bruno – ela chamou. Ele grunhiu. – Como a gente vai saber?

  -- Por que você continua me perguntando isso? – ele resmungou. – Eu não sei o que pensar, porra.

  -- Bom, eu também não sei – Thauane foi até a cozinha. – Quer chá?

  -- Eu odeio chá.

  Thauane suspirou.

  -- Eu também.

  Bruno ficou em silêncio por um momento.

  -- Eu quero leite Ninho – ele disse, finalmente. Thauane franziu o cenho.

  -- O quê?

  -- Olha, eu quero Leite Ninho ou maconha. Qualquer um dos dois.

  Thauane estava exausta demais para discutir. Abriu o armário, pegou uma colher e deu um pote de leite ninho para Bruno. Ele começou a comer. Parecia uma criança. Thauane se sentou ao lado dele e colocou a cabeça em seu ombro. Ele não se moveu.

  Ela girou o rosto e deu um beijo no pescoço dele. Ele jogou a cabeça pra trás. Suspirou.

  -- Não é hora – ele disse.

  -- Nunca é hora – Thauane disse. – Até que seja hora.

  Bruno deu uma risadinha.

  -- Lispector, Thau.

  Thauane deu risada. Não sabia como conseguiu dar risada, mas deu. Colocou os braços em volta do pescoço de Bruno e respirou forte.

  -- Eu quero comer meu Ninho – Bruno disse. Thauane parou. Afastou-se.

  -- Acho que você é ridículo. Estou cansada pra porra de você, sabe? – ela disse. Levantou-se. – Durma aí, se quiser.

  Ela se levantou e foi até seu quarto. Estava exausta, confusa. Deitou-se em sua cama sem tirar suas roupas e ficou olhando pela janela. Seus pais voltariam no dia seguinte. O que ela diria quando eles perguntassem “como foi seu final de semana?”, “ah, eu paguei um boquete, fumei umas ervas e uns amigos meus morreram”.

  Quando Thauane estava quase dormindo, ouviu a porta abrindo. Virou-se e olhou. Viu o contorno do boné de bruno contra a luz do corredor.

  -- O que foi? Não consegue dormir? – ela provocou.

  Bruno não respondeu. Deitou-se na cama ao lado dela. Não disseram nada por um bom tempo, apenas o som de suas respirações regulares.

  -- Será que é isso que vamos fazer pra sempre? – ele perguntou.

  -- O quê? – Thauane perguntou. – Comer leite Ninho?

  -- Não. Acalmar eles. Fazer com que eles voltem seguros pra casa.

  Thauane suspirou.

  -- Você faz isso – ela disse. – Eu arranjo as drogas deles.

  Bruno riu. Olhou pra ela.

  -- Eu tô nervoso pra caralho – ele disse.

  -- Eu tô com medo pra caralho – Thauane disse.

  -- Vamo se beija.

  -- Vamo.

  Thauane se inclinou e aproximou sua boca da boca dele. Tinha gosto de leite Ninho. Ele aprofundou o beijo, e Thauane tirou o boné da cabeça dele, jogando do outro lado do quarto. Ela deitou-se por cima de Bruno, que pegou a blusa dela na barra e começou a puxar pra cima. Ela levantou os braços.

  Pôs as mãos no colarinho de Bruno e o puxou pra si. Não sentia desejo; na verdade, não sentia desejo por ninguém, pois já tinha se acostumado com o desejo que sentia por todo mundo.

  Quando suas mãos estavam no zíper de Bruno, seu celular tocou. Ela esticou o braço e atendeu.

  -- Alô? – ela disse.

  Bruno não parou de agarrá-la.

  -- Acharam ele – a voz de Mariane disse.

  -- O quê? Quem? – Thauane perguntou.

  -- Gustavo.

  Thauane sentiu um chupão no pescoço dela. Mordeu o lábio.

  -- Do que você tá falando? – ela perguntou.

  -- Acharam o corpo dele, Thau – Mariane fungou. – Ele foi queimado, Thau.

  Thauane parou de respirar. Saiu de cima de Bruno.

  -- O que foi? – Bruno perguntou. – O que tá acontecendo?

  -- Thau? – Mariane chamou. – Thauane...

  Thauane largou o celular no chão e tremeu. Não conseguiu chorar, apenas tremer.

  Não era a melhor amiga de Gustavo, nunca tinha ficado com ele, sabia que ele era meio homofóbico e meio gay ao mesmo tempo, mas, por alguma razão, aquilo parecia significar o fim de seu mundo.

  Bruno pegou o celular de Thauane.

  -- Mari? – ele chamou.

  -- Ele morreu – Mariane respondeu, soluçando. – Ele morreu, porra.

  -- Quem? Quem?

  -- Gustavo. Ele morreu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

(Capítulo pequeno).



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Juventude Transviada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.