Juventude Transviada escrita por Isadora Nardes
Notas iniciais do capítulo
Trilha: Be Yourself (Harrison Storm) https://www.youtube.com/watch?v=8yVqrwWxdmI
Thauane estava cansada de entrar e sair do carro.
Imaginou que Bruno estava cansado de dirigir. Ambos estavam cuidando dos outros, levando-os para casa, deitando-os em suas camas, fugindo de perguntas. Primeiro, Lucas – ele parecia o mais acabado. Depois, Dani – estava tão absorta em seu desespero que não conseguia chorar nem falar. Depois, Katrina – ainda sob o efeito de cocaína (que Thauane tinha conseguiu para ela fazendo um boquete em um traficante).
Thauane mandou uma mensagem para Mariane, já que o celular de Gabriel havia sido roubado em algum lugar no meio da rave.
Thauane: chegou em casa?
Mariane visualizou. Não respondeu. Provavelmente estava assustada demais, tremendo no banco traseiro de um táxi, enquanto Gabriel estava ao lado dela, com os cotovelos apoiados nos joelhos e o rosto enterrado nas mãos. Ambos tremendo, ambos perdidos, sem saber o que fazer.
Bruno encostou o carro na frente da casa de Thauane. Era uma e meia da manhã. Thauane olhou pra ele.
-- Que porra a gente vai fazer? – ela perguntou. Bruno não olhou pra ela ao falar.
-- Não sei.
-- O que a gente vai dizer se perguntarem?
-- Não sei.
-- Como a gente vai lidar com essa merda?
-- Não sei, porra! – ele quase gritou. – Não sei. Eu tô cansado pra caralho, beleza?
Thauane suspirou. Massageou suas têmporas.
-- Mas que merda – ela disse. Sua voz falhou. – Quem não conseguimos achar?
-- Caio. Gus – Bruno disse.
Thauane olhou pra ele.
-- Você acha que eles...?
-- Não sei – ele disse. – A Dani não conseguia nem falar.
-- E se eles morreram, Bruno? – ela perguntou. – E se a gente acordar e ouvir o nome deles na TV?
Bruno limpou a garganta. Não conseguia encarar Thauane. De repente, bateu as mãos no volante. A buzina tocou. Ele continuou espancando o carro, a buzina continuou tocando. Thauane tentou tapar os ouvidos, mas não adiantava nada.
-- Para! — ela berrou. – Para! Para! Chega! Por favor!
Ela agarrou os pulsos dele. Ele finalmente olhou pra ela. Ambos respiravam com dificuldade, contendo toda a incerteza dentro de si. Se encararam por um momento.
-- Meus pais estão fora. Você mal consegue dirigir – Thauane disse.
-- Não precisa – Bruno disse, soltando os pulsos das mãos dela. – Não.
-- Entra, vamos – Thauane disse. -- Deixa de ser viado.
Bruno se rendeu. Saiu do carro.
A casa de Thauane era pequena, porém arrumada. Thauane abriu a porta do banheiro e jogou água fria no rosto. Se encarou no espelho. Não sabia como deveria reagir, não sabia o que deveria pensar. Olhou para Bruno, sentado no sofá, girando o boné entre os dedos.
-- Bruno – ela chamou. Ele grunhiu. – Como a gente vai saber?
-- Por que você continua me perguntando isso? – ele resmungou. – Eu não sei o que pensar, porra.
-- Bom, eu também não sei – Thauane foi até a cozinha. – Quer chá?
-- Eu odeio chá.
Thauane suspirou.
-- Eu também.
Bruno ficou em silêncio por um momento.
-- Eu quero leite Ninho – ele disse, finalmente. Thauane franziu o cenho.
-- O quê?
-- Olha, eu quero Leite Ninho ou maconha. Qualquer um dos dois.
Thauane estava exausta demais para discutir. Abriu o armário, pegou uma colher e deu um pote de leite ninho para Bruno. Ele começou a comer. Parecia uma criança. Thauane se sentou ao lado dele e colocou a cabeça em seu ombro. Ele não se moveu.
Ela girou o rosto e deu um beijo no pescoço dele. Ele jogou a cabeça pra trás. Suspirou.
-- Não é hora – ele disse.
-- Nunca é hora – Thauane disse. – Até que seja hora.
Bruno deu uma risadinha.
-- Lispector, Thau.
Thauane deu risada. Não sabia como conseguiu dar risada, mas deu. Colocou os braços em volta do pescoço de Bruno e respirou forte.
-- Eu quero comer meu Ninho – Bruno disse. Thauane parou. Afastou-se.
-- Acho que você é ridículo. Estou cansada pra porra de você, sabe? – ela disse. Levantou-se. – Durma aí, se quiser.
Ela se levantou e foi até seu quarto. Estava exausta, confusa. Deitou-se em sua cama sem tirar suas roupas e ficou olhando pela janela. Seus pais voltariam no dia seguinte. O que ela diria quando eles perguntassem “como foi seu final de semana?”, “ah, eu paguei um boquete, fumei umas ervas e uns amigos meus morreram”.
Quando Thauane estava quase dormindo, ouviu a porta abrindo. Virou-se e olhou. Viu o contorno do boné de bruno contra a luz do corredor.
-- O que foi? Não consegue dormir? – ela provocou.
Bruno não respondeu. Deitou-se na cama ao lado dela. Não disseram nada por um bom tempo, apenas o som de suas respirações regulares.
-- Será que é isso que vamos fazer pra sempre? – ele perguntou.
-- O quê? – Thauane perguntou. – Comer leite Ninho?
-- Não. Acalmar eles. Fazer com que eles voltem seguros pra casa.
Thauane suspirou.
-- Você faz isso – ela disse. – Eu arranjo as drogas deles.
Bruno riu. Olhou pra ela.
-- Eu tô nervoso pra caralho – ele disse.
-- Eu tô com medo pra caralho – Thauane disse.
-- Vamo se beija.
-- Vamo.
Thauane se inclinou e aproximou sua boca da boca dele. Tinha gosto de leite Ninho. Ele aprofundou o beijo, e Thauane tirou o boné da cabeça dele, jogando do outro lado do quarto. Ela deitou-se por cima de Bruno, que pegou a blusa dela na barra e começou a puxar pra cima. Ela levantou os braços.
Pôs as mãos no colarinho de Bruno e o puxou pra si. Não sentia desejo; na verdade, não sentia desejo por ninguém, pois já tinha se acostumado com o desejo que sentia por todo mundo.
Quando suas mãos estavam no zíper de Bruno, seu celular tocou. Ela esticou o braço e atendeu.
-- Alô? – ela disse.
Bruno não parou de agarrá-la.
-- Acharam ele – a voz de Mariane disse.
-- O quê? Quem? – Thauane perguntou.
-- Gustavo.
Thauane sentiu um chupão no pescoço dela. Mordeu o lábio.
-- Do que você tá falando? – ela perguntou.
-- Acharam o corpo dele, Thau – Mariane fungou. – Ele foi queimado, Thau.
Thauane parou de respirar. Saiu de cima de Bruno.
-- O que foi? – Bruno perguntou. – O que tá acontecendo?
-- Thau? – Mariane chamou. – Thauane...
Thauane largou o celular no chão e tremeu. Não conseguiu chorar, apenas tremer.
Não era a melhor amiga de Gustavo, nunca tinha ficado com ele, sabia que ele era meio homofóbico e meio gay ao mesmo tempo, mas, por alguma razão, aquilo parecia significar o fim de seu mundo.
Bruno pegou o celular de Thauane.
-- Mari? – ele chamou.
-- Ele morreu – Mariane respondeu, soluçando. – Ele morreu, porra.
-- Quem? Quem?
-- Gustavo. Ele morreu.
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(Capítulo pequeno).