Juventude Transviada escrita por Isadora Nardes


Capítulo 7
Capítulo 7 - Katrina


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: How Deep Is Your Love? (Calvin Harris ft. Disciples) ttps://www.youtube.com/watch?v=EgqUJOudrcM
Montagem do casal dessa fic (não envolve a Kat pq ela n pega ngm): file:///C:/Users/user/Downloads/coisas/dreamcast%20juventude%20transviada/Lucas%20%20Gustavo.jpg



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  Katrina se sentou na frente do computador.

   Fez login.

  Deixou a tela se encher com as palavras que transbordavam e ela não tinha como botar pra fora.

 “Costumo me auto intitular como um dano, daqueles que nem anos de terapia te dão a resposta de tanto caos. É tudo em vão: meu silêncio atormentante, os olhares vazios, os murmúrios entre uma confissão ou outra, os beliscões no pulso e o pigarro entre uma pergunta inoportuna e dolorosa. Meus olhos varrem toda a sala em busca de um ponto de fuga, algo que me liberte da prisão dessas sessões psíquicas que tanto me submeto. E eu o acho. Folhas caem suavemente de seus galhos, rodopiando até que o vento o leve para algum lugar distante daqui, de toda essa confusão. Ele não me nota, apenas me enche de palavras fajutas que massageiam meu ego corroído por anos de codeína, prozac e paroxetina. Mas eu o notei ali distante, e soube que para onde quer que tenha ido, estará livre de suas raízes desgastadas presas ao concreto solidificado. 
São sempre as mesmas perguntas e sempre as mesmas respostas, como se tudo aquilo tivesse caído no comodismo e nem mesmo o terapeuta conseguisse mais lidar com minhas rachaduras, que nem mesmo tanto reboco conseguia mais me segurar do futuro desmoronamento. Meus dedos brincam com a bainha do vestido e um nó se forma em meus dedos, cravando logo em seguida as unhas na coxa nua. A voz a minha frente se torna um eco e, excentricamente, distante. Meus lábios secam e a todo o momento sou obrigada a umedecê-los, tentando me manter presente na medíocre órbita nebulosa que me pertence. 
O silêncio me entorpece e seus olhos ímpetos me sugerem sua afronta diante de toda minha autodestruição, olho além dele e me deparo com meu reflexo estremecido pelos feixes de luz, meus cabelos recém-cortados se ajeitam acima da clavícula e alguns fios teimosos caem por minhas bochechas, deixando tudo uma completa bagunça. E foi nesse momento em que percebi. Eu posso cortar os cabelos, mudar os medicamentos, sorrir mais, comer vegetais e legumes, caminhar uma vez por dia e fazer planos em longo prazo, mas eu não posso mudar os danos permanentes que carrego por cada milímetro de meu corpo ou em cada lóbulo do meu cérebro. 
Eu não posso destruir o que já foi destruído.”

  Katrina esfregou os olhos. Não sabia de onde saíam todas aquelas palavras. Eram palavras que ela não poderia colocar em voz alta. Eram palavras que ela não conseguia pronunciar. Não conseguiria dizer que eram dela.

  Não era para isso que a internet existia, afinal? Para sermos quem não conseguimos ser realmente?

  Katrina pegou o celular e olhou as mensagens.

Thauane: Kat

Thauane: a gnt ta indo numa festa lá

Thauane: vem com a gnt?

Katrina: qnd?

Thauane: agr

Katrina: onde?

Thauane: vem na minha casa q o bruno vai vir nos buscar

Katrina: A GENTE VAI COM O BRUNO??

Katrina: NEM FUDENDO

Thauane: é uma rave

Thauane: vai ter coca

Katrina: to indo já

  Katrina foi até o espelho e soltou o cabelo. Passou sua base e seu rímel o mais rápido que pôde, passou um pouco de batom e pegou sua bolsa.

* * *

—- Esse babaca não vem? – Katrina perguntou, impaciente.

  -- Deve estar escolhendo qual boné vai usar – provocou Thauane.

  -- Eu quero chegar logo.

  -- Calma, vai até duas da manhã.

  -- Por isso mesmo.

  Um carro azul escuro, todo quebrado, prestes a desmontar encostou na frente da casa de Thauane.

  -- Entra ae – Bruno botou a cabeça pra fora da janela e abriu a porta. Thauane puxou Katrina e entrou no banco da frente. Gabriel e Mariane foram no banco de trás junto de Katrina.

  -- Cadê os outros? – Katrina perguntou.

  -- Dani ainda está tentando arrastar o Lucas – Thauane disse. – Ele não tá no clima.

  -- Ele sempre tá no clima.

  -- Não hoje.

  -- O que houve?

  -- O clima tá tenso – Mariane disse. – Só digo isso.

  -- Me explica .

  Gabriel suspirou.

  -- Você sabe que ele é gay, né?

  -- Quem não sabe?

  -- Ele aparentemente tem uma queda pelo Gus – Bruno disse.

  -- Uma queda não – Mariane disse. – Um penhasco.

  -- Resumindo essa porra toda – Thauane disse. – O Lucas e o Gus tavam na piscina, o Lucas tentou beijar o Gus e...

  -- Tentou não – Mariane interrompeu. – Conseguiu.

  -- Ele correspondeu? – Katrina parecia louca por uma fofoca. Os olhos arregalados, batendo os pés no chão do carro.

  -- Não – Bruno disse. – Mas boatos dizem que ele queria.

  -- Quem te contou?

  -- Um passarinho – Mariane murmurou.

  -- Um passarinho chamado Jeana – Thauane abriu a janela.

  -- ELA NUNCA ME PASSA AS TRETA – Katrina reclamou.

  -- Porque ela sabe que tu tem uma língua enorme – Mariane replicou. Katrina empurrou ela.

  -- Tu também tem uma língua enorme. Mas para outras coisas.

  Risadas encheram o carro no caminho para a rave.

* * *

Thauane deu três notas de cinquenta para o segurança na porta da rave.

  -- Tá faltando uma – o segurança disse.

  -- Eu não tenho essa porra! – Thauane disse.

  -- Então vocês não entram.

  -- Eu tenho – Mariane disse, tirando uma nota do bolso.

  -- Você não ia pagar as bebidas? – Bruno perguntou.

  -- Agora é por sua conta – ela disse, enquanto dava a nota para o segurança, que abriu a porta.

  -- Mas eu ia arranjar os bagulho.

  -- Eu dou um jeito nisso – Thauane disse. Por cima das luzes frenéticas, Katrina conseguiu ver o sorriso de Thauane. – Agora, vamos achar o resto da galera.

  -- Eu acho que ninguém veio – Mariane disse.

  -- Quanta negatividade – Gabriel provocou. Mariane sorriu. Katrina sorriu. Será que ninguém percebia o que estava acontecendo ali?

  Katrina começou a olhar em volta. Se sentia mais calma no meio das luzes, dos corpos suados pulando, da inibição, da falta de vergonha. Fechou os olhos. Levantou os braços. Foi para o meio da multidão.

  No inibition. No fear.

  Pulou, de um lado para o outro, balançou a cabeça, seus cabelos de um lado para o outro. As poucas luzes não iluminavam os defeitos: iluminavam a juventude, as bebidas, as pílulas. Iluminavam o que todos que estavam ali queriam ver. A escuridão abrigava o estresse, os problemas, as confusões e os nós nas mentes dos jovens dali – quem se importava com a escuridão, de qualquer maneira? Até as garrafas pareciam brilhar ali.

  -- Ei – alguém tocou no ombro de Katrina. Ela se virou. Conseguiu ver o black power de Thauane. A garota levantou um saquinho transparente com um pó branco dentro. – Só seu.

  Katrina sorriu e pegou o pacotinho.

* * *

No banheiro, despejou o pó branco em cima da pia seca e inspirou.

  Sentiu o pó subindo pelas suas vias respiratórias. Colocou o pacote transparente com o resto do pó no bolso. Saiu do banheiro.

  Quase instantaneamente, sentiu a euforia se espalhando pelo seu corpo. Pulou mais alto do que jamais pulara, levantou os braços, aceitou ficar no meio da multidão como jamais aceitava.

  A música estava tão alta que fazia seus ouvidos doerem. As cores ficaram mais vibrantes, tão fortes que ela teve que fechar os olhos.

* * *

Do outro lado do salão, Danielle largava Lucas em um canto para dançar em meio aos garotos. Lucas quis acender um cigarro, mas, novamente, não achou nenhum isqueiro.

  Ele poderia estar aqui pra acender pra mim, Lucas pensou. Fez que não com a cabeça. Como poderia continuar pensando naquilo? Gustavo havia deixado muito claro o que pensava. Trouxa, trouxa, trouxa.

  De repente, Lucas viu um garoto louro, alto, magrelo, usando um boné para trás. O garoto andava no meio das pessoas como se não pertencesse aquele lugar. Os olhos de Lucas o reconheceram. Todos os seus músculos enrijeceram.

  Eles realmente haviam o convidado? Ou ele simplesmente aparecera – uma coincidência catastrófica?

  De qualquer maneira, Lucas continuou encarando-o. Não importava se iria levar outro soco, não importava se ia ser xingado. O que diabosGustavo – pateticamente lindo, com uma boca super beijável – tinha a dizer?

  Gustavo o encarou de volta.

  De repente, ele começou a se mover. Gustavo começou a se mover, mas não parou de encarar Lucas, que arregalou os olhos. Não conseguia tirar os olhos do garoto. Toda vez que as luzes se apagavam, apenas para voltarem um minuto depois multicoloridas e mais intensas, Lucas tinha medo de que aquela visão desaparecesse.

  Que porra eu estou fazendo?, ele se perguntou. Não importava, ele continuou olhando. De repente, começou a andar até Gustavo. Seu cérebro dizia para ele parar, para ele ir ao banheiro, jogar uma água fria no rosto e se concentrar em não pirar.

  Mas os seus sentidos, seus instintos, seu peito e, especialmente, suas partes baixas diziam para ele avançar. E ele avançou. Ele chegou perto e mais perto, aproximou o rosto do rosto de Gustavo.

  De repente, Gustavo sorriu.

  E que erro, Lucas pensou.

  Que porra, era o mesmo sorriso da piscina. Eram os mesmos olhos e o mesmo cabelo. Lucas respirou fundo e seguiu todos os seus instintos.

  Pegou, novamente, o rosto de Gustavo entre as mãos e o beijou. Esperou ser repelido e xingado, porém, dessa vez, não ouve mãos em seu peito o empurrando pra longe, não ouve gritos, não ouve negação. Ouve apenas uma boca na sua, se movendo em sincronia. Mesmo com os olhos fechados, era como se Lucas sentisse as cores vibrantes a sua volta. A música martelava em seus ouvidos, assim como seu coração e a respiração do garoto.

  Não sabia o que estava fazendo. Já não era trouxa o bastante por continuar pensando em Gustavo? Mas e daí? Ele estava ali, agora, com sua boca colada na dele, e era apenas naquilo que Lucas conseguia pensar.

  Naquilo, e no cheiro estranho que de repente invadia suas narinas.

* * *

Caio vislumbrou Danielle no meio das pessoas. Estava com o boné dela na mão. Aproximou-se por trás e colocou em sua cabeça. Assustada, ela se virou. Olhou para ele, depois sorriu. Mordeu o lábio. Deu passos para trás.

  Ele a seguiu. Pegou-a pela cintura, colocou os lábios no pescoço dela. Ela inclinou a cabeça pra trás. Eles se moviam em uma sincronia no meio de toda a bagunça daquele lugar. Eram duas cores juntas e misturadas, numa fusão luminosa em meio à escuridão. Em seu paraíso particular.

  De repente, um cheiro estranho no jardim de Éden. Danielle ouviu um estrondo e virou a cabeça.

  -- O que foi? – Caio perguntou. – Não quer mais?

  -- Não – Danielle disse.

  -- O que eu fiz?

  -- Não é isso. Escuta.

  Caio parou de falar. Franziu o cenho. Virou a cabeça. De repente, viu um ponto luminoso subindo pela estrutura que segurava o teto. Caio deu um passo pra trás. Danielle pegou na mão dele e começou a correr. Seu boné caiu no chão, e ali ficou.

* * *

Katrina continuava com o efeito do pó na cabeça. Sabia que não ia passar tão cedo. E, quando passasse, ela teria mais, de qualquer maneira. Não tinha ideia de onde estava Thauane ou Bruno... Sabia que, se Mariane não estivesse se agarrando com Gabriel, estaria chorando.

  Muito mais provável que esteja chorando, Katrina pensou. Aquela garota deveria tomar uma bebida muito legal e empolgante, chamada iniciativa.

  De repente, um cheiro estranho. Ela já havia cheirado cocaína antes, mas aquele cheiro não fazia parte da lista de efeitos que ela já sentira. Um cheiro estranho, de algo queimando.

  Talvez seja a perereca da Thauane, Katrina pensou. Riu consigo mesma. Mas o cheiro ficava mais forte e, mesmo ainda sob o efeito da droga, Katrina não achou tão engraçado. Abriu os olhos e olhou em volta. Um estrondo veio de trás dela. Ela olhou.

  Uma das estruturas que apoiava o teto da grande garagem na qual acontecia a rave estava se despedaçando. O fogo dançava em volta da estrutura, pairava ameaçador sob os jovens. Os olhos de Katrina ardiam. Ela os esfregou, sem importar se estava com rímel ou não, achando que, talvez, fosse simplesmente um efeito do pó branco que cheirava com frequência.

  Porém, quando a estrutura finalmente veio abaixo, Katrina olhou pra cima e berrou. Outras pessoas olharam pra cima e berraram também. Palavrões flutuaram no ar e Katrina começou a correr. Não sabia para onde, mas, de repente, achou uma porta. Foi a primeira a empurrar.

  De repente, lembrou-se de Thauane, de Gabriel, de Mariane e de Bruno. Droga, até o Bruno ela precisava salvar.

  Aquela porra de funkeiro de merda, ela pensou. Deu a volta e tentou ir contra a multidão, mas, por maior que fosse, todos se jogavam em cima dela. Então, ela acabou tendo que antar para trás, para longe do prédio. As luzes da rua não eram nada comparado as da rave.  Ela foi ouvindo enquanto a música falhava, depois cessava. Ela se abaixou e pegou um boné que estava no chão.

  Dani, ela pensou. Sua mente girou. Dani não era a pessoa mais especial do mundo pra ela, mas ainda era uma pessoa. Debaixo de todo aquele rímel e chapinha, tinha uma garota que estava se fudendo para o que os outros iriam pensar. E era aquela pessoa que talvez Katrina perdesse aquela noite.


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Notas finais do capítulo

O texto que a Katrina escreveu antes de ir pra rave não é meu! É de uma garota chamada Malu Reining (https://www.facebook.com/malureining?fref=ufi).
Ansiosos? MUAHAHAHAHAHAHA



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