Juventude Transviada escrita por Isadora Nardes


Capítulo 4
Capítulo 4 - Sarah


Notas iniciais do capítulo

Trilha: Soul Meets Body (Death cab for Cutie) https://www.youtube.com/watch?v=uizQVriWp8M



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Sarah estava tentando não pensar no que Jean havia feito.

  Ela não estava a fim dele. Ela só queria ser movida pelo desejo, uma vez. Ela queria parar de ter a imagem de “garotinha”. Queria mostrar que podia ser uma mulher ou, no mínimo, uma garota.

  E garotas trepam sem dar a mínima para o que vai acontecer depois. Certo?

  Certo, ela pensou. Engoliu mais um pouco de Coca. Sabia que não deveria tomar bebidas gasosas por conta de seu problema no estômago, mas aquele era seu dia de ser inconsequente.

  -- Lucas – ela chamou. Não gostava de como sua voz soava como a de uma criança, as vezes.

  -- Fala, amor – ele disse.

  Normalmente, isso causaria muitos “HUUUUUUUUUUUM” no grupo, se um fato que normalmente seria escandaloso para um garoto como Lucas não fosse tão absolutamente normal, após anos de convivência: Lucas era gay.

  Não gay de armário, do tipo que constrói seu próprio closet e se tranca lá dentro por anos e anos. Não. Era simplesmente gay. Não gostava muito dessa palavra, preferia homossexual, mas todos falavam gay e ele não ligava.

  Lucas não era o gay que rebolava, pintava a unha, que fazia falsete ou dava gritinhos. Lucas era apenas um garoto que gostava de garotos. Para falar a verdade, se alguém cruzasse com Lucas na rua, não diria que ele era gay. Ele não era o tipo “monstro de academia”, mas também não era “magrelo”. Era médio. Média estatura, médio IMC.

  A única coisa que não era média era sua personalidade.

  Essa era a parte mais forte dele.

  E talvez outras, também.

  -- Me dá um cigarro? – Sarah pediu.

  -- Eu nem sabia que você fumava – Lucas provocou. Sarah semicerrou os olhos.

  -- Eu não sabia que você dava o cu por aí até você me dizer – ela replicou.

  Ao invés de ficar frustrado, magoado ou irritado, Lucas riu. Tinha um riso espontâneo, de quem já se preocupou demais para dar importância a futilidades. Retirou dois cigarros da cartela (um para Sarah e outro pra ele mesmo) e vasculhou em seus bolsos por seu isqueiro.

  -- Droga – ele grunhiu.  Levantou-se e olhou para o chão. – Porra.

  Gustavo, que estava na sua frente, se virou e retirou os cigarros das mãos de Lucas. Olhando para os olhos do garoto, ele acendeu o isqueiro até queimar a ponta dos cigarros. Deu um para Sarah e o outro para Lucas. Não sorriu, não esboçou reação. Apenas devolveu os cigarros.

  Lucas não retirou os olhos de Gustavo. Sorriu de lado. Sem querer comentar o clima, Sarah colocou o cigarro na boca e tragou.

  Certo, ela nunca havia tragado antes. Mas não podia ser tão difícil. Ela respirou, puxou a fumaça do cigarro e...

  Sentiu sua respiração falhar. Começou a tossir e ouviu risadas. Alguém veio por trás e puxou seus braços pra cima, abrindo suas vias respiratórias. Não sabia quem era, mas deixou. Aos poucos, sua respiração foi normalizando e seu rosto deixou de ficar vermelho.

  Ela se virou pra ver quem era. Os olhos castanhos de Caio tinham uma faixa de preocupação. Os outros ainda riam. Em meio a tudo isso, Lucas ainda encarava Gustavo com um sorriso na cara, mesmo que Gustavo nem olhasse mais para ele. Ou tentasse não olhar.

  -- Cuidado quando for fazer isso – disse Jeana, colocando a mão no ombro de Sarah.

  Ás vezes, Sarah tentava se encaixar como uma garota mais velha. Mas não conseguia. Tudo nela parecia querer sentir-se como se ela tivesse 12 novamente. Suas roupas, seu cabelo, sua voz. Toda vez que transava com alguém, queria poder dizer que não tinha vontade de ligar para a pessoa, mas, na verdade, ficava pensando na pessoa por uns cinco meses.

  Frustrada, Sarah se levantou e saiu em disparada pela porta de trás. Não sabia o que estava fazendo nem o que estava fazendo, mas, de repente, pulou na piscina e sentiu a água morna envolve-la.

  Quando ela emergiu, sentiu o sol passar os braços ao redor dela.

  Por um lado, queria ser mais velha. Pelo outro, queria continuar ali, longe da estação cinzenta que parecia ser a vida após os 16. Mandava seus pensamentos para longe, para um lugar onde eles pudessem ficar melhor do que ali.

* * *

Sarah havia sido uma garotinha estranha.

  Sempre muito forçada a fazer as coisas, muito forçada a crescer. Tudo o que ouvia do pai era um “vai, rápido”. Ele não tinha paciência com crianças. Ou com animais. Ou com seres vivos de uma forma geral. Ás vezes, nem com ele mesmo.

  O pai dela bebia. Não era um alcoólatra, mas bebia um pouco mais do que deveria. Estava no limite do aceitável (pelo menos para a família cega dele), mas aquilo desapontava Sarah toda vez que ela encontrava outra garrafa jogada no chão da sala.

  Passava todo o tempo que podia longe de casa. Aos 14, fez sua carteira de trabalho e arranjou um estágio numa biblioteca. Seu plano era fazer 18, arranjar um apartamento no centro e deixar seu pai se afundar no meio das garrafas.

  Outra parte dela realmente queria tentar salvar o pai. Salvar a infância que não teve. A infância cinzenta, apressada, as memórias sujas que faziam sua cabeça doer tanto que, algumas vezes, Sarah tinha a sensação que ia implodir e se desfazer em purpurina.

  E algumas vezes, ela realmente queria isso.

* * *

—- Sarah! – ouviu Jeana gritar, da beira da piscina. – Que porra você está fazendo aí?

  Sarah não respondeu. Mergulhou novamente e abriu os olhos. A água era translúcida. Sarah era pequena, então ficou em pé na piscina e a água ainda cobria sua cabeça. Olhou para seus pés, para suas unhas pintadas de azul claro.

  Encolheu-se, recolheu os joelhos perto do peito e juntou as mãos em volta das pernas. Ficou apenas ali, no fundo da piscina, tentando não pensar sobre sua vida.

* * *

Enquanto isso, na superfície, Jeana estava com as mãos na cintura, tentando decidir se pulava na piscina para pegar Sarah ou se deixava-a se afogar no meio de sua nuvem cor-de-rosa que parecia envolvê-la.

  -- Que porra ela está fazendo? – Gustavo perguntou.

  -- Por que eu deveria saber? – Jeana perguntou.

  -- Por ser a melhor amiga dela, talvez.

  -- Ela não tem melhor amiga. Ela é a melhor amiga de todos mundo.

  Gustavo continuou sem entender. Botou as mãos nos bolsos. Lucas estava trás dele, com o cigarro na boca, observando Gustavo. Observando seus cabelos louros grudados na parte de trás da nuca por conta do calor. Observando como sua camiseta tinha um recorte redondo largo atrás.

  Gustavo tinha s sensação de estar sendo observado, mas, por alguma razão, aquilo não era o que mais lhe incomodava.

  O que mais incomodava era que não podia observar de volta. Mesmo sentindo que aquilo era um toque leve em sua atmosfera que ninguém realmente nunca se atrevera a adentrar, não podia. Não parecia certo.


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Notas finais do capítulo

esse ficou meio chatinho :v



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