Juventude Transviada escrita por Isadora Nardes


Capítulo 18
Capítulo 18 - Lucas


Notas iniciais do capítulo

Trilha: for him. (Troye Sivan) https://www.youtube.com/watch?v=Pv8e2oLW0v0



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Lucas havia se controlado para não arrebentar a cara de Katrina.

  Não sabia se conseguiria realmente bater em uma garota, fosse ela quem fosse, mas sabia que conseguiria bater em um(a) homofóbico(a), fosse ele(a) quem fosse. Olhou para Marcos, que andava quieto ao seu lado. É, talvez ele fosse um dos poucos nos quais Lucas não conseguiria realmente bater.

  Quer dizer, Lucas não conseguia imaginar aquele cabelinho louro sujo de sangue, aqueles olhos marrom-claros roxos em volta, aqueles dentes perfeitos quebrados... E aquela boca? Como ele poderia meter a mão naquela boca?

  Lucas voltou seu olhar pra frente. Jeana ainda bufava.

  -- Mas que merda – ela grunhiu. – Por que ainda somos amigos dela, de qualquer maneira?

  -- Não somos mais – Lucas disse. – Acho que agora você pode obrigar a Thau a não ser mais, né? Quer dizer, o que ela é, de qualquer maneira?

  -- Por que acha que ela é alguma coisa? – Jeana perguntou.

  -- por nada – Lucas deu de ombros. Pegou um maço de cigarros em seu bolso. Estendeu para Jeana. Ela recusou. Estendeu para Marcos. Ele olhou para Lucas por um momento e pegou um.

  Lucas vasculhou em seus bolsos.

  -- Mas que merda – ele grunhiu. – Por que eu nunca tenho um isqueiro?

  -- Acho que eu tenho um – Marcos disse. Vasculhou no bolso do moletom e tirou um isqueiro azul-escuro. Lucas se inclinou e a chama queimou a ponta do cigarro. Ele encarou Marcos, que levantou devagar seus olhos para ele. Acendeu seu cigarro e apagou o isqueiro.

  Lucas soprou a fumaça.

  -- Eu vou pra casa – Jeana disse. – Não aguento mais vocês. Nem ninguém.

  -- Falou – Lucas disse. Deu um toque na mão dela. Ela estendeu a mão para Marcos, que, um pouco assustado, deu um toque na mão dela de volta. Ele olhou para Lucas quando Jeana se afastou.

  -- Por que ela fez isso? – ele perguntou. Lucas sorriu.

  -- Ela quer mostrar que não tem nada contra você – Lucas olhou para trás por um instante. – Ela é bem sozinha na verdade, sabia? Quer dizer, ainda mais do que você – Lucas tragou. – Ela não consegue nem fingir que a gente se importa muito com ela. Mas a gente se importa, ela só não sabe.

  Marcos franziu o cenho.

  -- Quem era aquela garota no ônibus? – ele perguntou, soprando a fumaça do cigarro.

  -- Katrina – Lucas disse. – Problemas de auto estima, muita liberdade, ingenuidade, ignorância e um pouco de homofobia...

  -- Um pouco? – Marcos levantou uma sobrancelha.

  -- Nem vem – Lucas replicou. – Você é pior que ela.

  -- Então talvez fosse devesse simplesmente se afastar de nós, homofóbico – Marcos disse. Lucas parou e olhou pra ele. Sorriu.

  -- Talvez eu não possa. E talvez isso não seja uma coisa ruim – ele disse. Marcos olhou pra ele por um momento e sacudiu a cabeça.

  -- E os outros? Não conheço eles.

  -- A Thau você sabe. Treteira, transa com todo mundo depois esquece, corta dos dois lados. O Bruno é... Eu não tenho muita certeza do que ele é – Lucas soprou a fumaça novamente. – Talvez esteja só bem iludido. O Jean é o que foi na tua casa comigo.

  -- Achei que vocês tinham alguma coisa – Marcos comentou. Lucas deu risada.

  -- Não, não. Ele fode a Sarah – Lucas disse. Marcos franziu o cenho. – A de camiseta rosa, que parece uma criança.

  -- Ela parece legal – Marcos disse.

  -- Ela é. Bem fofa. Meme das Meninas Superpoderosas e tal.

  Marcos deu risada. Lucas nunca tinha ouvido ele dar risada, e era um som viciante. Lucas queria ouvir mais daquilo.

  -- Ainda tem mais gente, sabe? O Gabriel, que cuida do seu cabelo melhor do que dele mesmo. E a Mari, que tem uma queda... Não, um abismo pelo Gabriel. Eu vivo dizendo que ela deveria ser mais jogada pra cima dele, mas... Ela parece a porra de uma freira.

  -- Talvez ela só seja tímida – Marcos disse, colocando o cigarro na boca.

  -- Só antes que você conhece ela. Depois, ela fica insuportável – Lucas começou a andar de ré, ficando na frente de Marcos. – Tipo eu.

  -- Você nunca pareceu tímido – Marcos disse. Lucas franziu o cenho.

  -- Como você sabia que eu conhecia ele?

  -- Quem?

  -- o Gus.

  Marcos limpou a garganta. Soprou a fumaça do cigarro.

  -- Você estava meio que berrando o nome dele – Marcos disse. Lucas piscou.

  -- Estava? Desculpe. É que ele era... Sabe?

  -- Sei – Marcos disse. – Eu conhecia ele desde que nasci.

  Marcos e Lucas se encararam por um instante, depois começaram a rir.

  -- Acho que isso é tudo – Lucas disse. Marcos olhou fixamente pra ele.

  -- Por que você quis me arrastar com você? Quer dizer, você poderia ter apenas mandado eu me fuder, né?

  Lucas o fitou. O que poderia dizer? Que era de Gêmeos, ascendente em Áries? E aquilo justificava qualquer impulso que ele tinha?

  Um dia, Lucas tinha lido em algum site que “a verdade liberta”. Havia aplicado isso quando decidira sair do armário e havia dado relativamente certo. Talvez, se testasse a teoria de novo...

  -- Além de eu te achar tremendamente gato? – Lucas ironizou. – Sei lá. Nunca tive nada com um loiro.

  Lucas pôs o cigarro na boca e esperou pela reação de Marcos. Achou que ele ia ficar furioso, chateado ou pior. Mas ele apenas riu, a fumaça do cigarro saindo por meio de seus dentes. Lucas sorriu de volta.

  Aquilo iria até qualquer lugar?

  -- Qual seu aniversário? – Lucas perguntou.

  -- 25 de setembro – Marcos disse. Franziu o cenho. – Por quê?

  -- Vish, Libra – Lucas balançou a cabeça.

  -- Isso não é bom? – Marcos perguntou.

  -- É terrível – Lucas disse, de olhos arregalados. – Nós combinamos perfeitamente.

  -- E por que é ruim?

  -- Como eu vou resistir? – Lucas perguntou.

  Certo, agora ele vai me espancar, Lucas pensou. Marcos deu risada e jogou o toco de seu cigarro no chão.

* * *

Sentados na cafeteria, Lucas tomava seu Nescau gelado. Marcos preferia chá quente.

  Marcos parecia meio nervoso, olhando para os lados, como se não aguentasse ser visto em público por tanta gente. Lucas estava relaxado.

  -- Por que está assim? – Lucas perguntou. Marcos olhou pra ele.

  -- Eu tive um colapso nervoso há menos de seis horas atrás – ele disse. – Acho que tenho um motivo pra estar nervoso.

  -- O único motivo que eu tenho pra estar nervoso é que não vendem bebidas aqui. Pelo menos não pra misturar no Nescau.

  Marcos fez uma carinha de nojo.

  -- Você mistura bebida no Nescau? – perguntou.

  -- É claro. Vodca no Nescau, uísque no café. Melhor coisa do mundo.

  -- Isso é nojento – Marcos disse.

  -- Não é – Lucas replicou. – Eu vou te fazer experimentar.

  -- Sem chance.

  -- Se você não tomar, eu vou fazer você beber um body shot.

  -- Isso é mais nojento ainda.

  -- Em mim.

  -- Você é terrível – Marcos bebericou seu chá. – Como diabos as pessoas aguentam você?

  Lucas sorriu.

  -- Eu me imponho pra elas – Lucas pôs os cotovelos na mesa. – Mas agora preciso te perguntar uma coisa muito séria – Lucas disse.

  Marcos ficou sério.

  -- O que foi? – ele fitou Lucas.

  -- Você tem dinheiro?

  -- Ah... Não. Você tem?

  -- Não – Lucas disse. Os dois deram risada. Se levantaram devagar e foram para a saída, como quem não queria nada.

  -- Ei, vocês aí – uma garçonete chamou. Lucas e Marcos viraram o rosto. – Vocês esqueceram o celular – ela estendeu o aparelho para Marcos. Ele colocou no bolso da calça. Quando os dois estavam na metade da quadra, ouviram alguém gritar:

  -- Ei! Parem! Vocês não pagaram!

  Marcos e Lucas se entreolharam e começaram a correr. Entraram em uma rua que tinha floresta dos dois lados e continuaram correndo. Um homem de meia idade tentou correr atrás deles, mas perdeu o fôlego. Eles viraram uma esquina, correram mais alguns metros e pararam, ofegantes. Lucas se sentou na grama, exausto, dando risada.

  -- Eu não fazia isso desde os meus 13 anos – ele disse. Marcos franziu o cenho.

  -- Você já tinha feito isso? – perguntou.

  -- É claro – Lucas disse. – Você não?

  -- Você é maluco – Marcos se sentou ao lado de Lucas na grama.

  -- É o que as pessoas mais gostam sobre mim.

  Marcos sorriu.

  Lucas não sabia se era por causa da corrida ou por causa da luz batendo diretamente no rosto de Marcos, mas ele sentiu seu coração bater mais rápido quando seu rosto se aproximou do dele.

  -- Ei! – eles ouviram alguém gritar. O senhor de meia-idade da cafeteria estava na esquina da rua, olhando pra eles. Eles se levantaram e continuaram correndo. Correram mais e mais, até nenhum dos dois aguentar mais. Depois, se penduraram e um tronco de árvore caído e pularam um córrego. Entraram em uma mata não muito densa, mas bastante escondida, e se sentaram nas raízes de uma árvore.

  Se olharam e sorriram.

  Que porra que eu estou fazendo... De novo?, Lucas se perguntou. Esqueceu-se completamente do quando aquilo era estranho quando os lábios de Marcos estavam nos seus. Sua mão parecia se encaixar perfeitamente na cabeça dele. Seus dedos se enroscaram no cabelo dourado dele, e ele não pensou em nada mais.

* * *

  Quando estavam saindo do bosque, voltando a rua, Marcos perguntou:

  -- Como diabos vamos voltar pra casa?

  Lucas deu de ombros.

  -- Eu vou andando. É o que mais faço – ele admitiu. Marcos respirou fundo.

  -- Eu vou pedir pra minha irmã me buscar.

  -- Você tem uma irmã?

 -- Sim. Com ela é melhor. Sem perguntas do tipo “onde você estava”, apenas me leva – Marcos abriu seu WhatsApp. – Quer uma carona?

  Lucas deu de ombros.

  -- É, seria legal.

  Marcos e Lucas esperaram numa esquina perto da cafeteria, o que os deixou um pouco nervosos. Cada um fumou três cigarros enquanto esperavam a irmã de Marcos, Shayane. Quando o Ford prateado finalmente encostou, Marcos fez sinal para Lucas entrar.

  Um pouco envergonhado, ele se acomodou no banco perto da janela.

  -- Quem é esse? – Shayane perguntou para Marcos.

  -- Um amigo – Marcos respondeu.

  -- Você tem nome?

  -- Lucas – ele disse.

  -- Você sabia que meu irmão é pirado? – Marcos olhou feio para Shayane. – É sério. Ele é retardado também. Deveria ir para um sanatório, se quer minha opinião.

  -- Não, ninguém quer sua opinião – Marcos replicou. Shayane e Marcos deram risada. Lucas deu uma risadinha. Shayane suspirou.

  -- Alguém tem um cigarro? – ela perguntou. Lucas estendeu um pra ela. Marcos acendeu. Ela tragou enquanto esperava no semáforo fechado. Olhou para Lucas. – Nunca vi você nos treinos de futebol do colégio.

  -- Não somos do mesmo colégio – Lucas disse.

  -- De onde você é?

  -- Constantino.

  -- Ah. E como vocês se conhecem?

  -- Se conhecendo, Shay – Marcos replicou.

  -- Foi só uma pergunta – ela disse. Marcos bufou. Lucas deu uma risadinha. – O que foi?

  -- Nada. Eu não tenho irmãos, então acho muito engraçado vocês... Se odiando.

  -- Ela é minha pequena, ela sabe disso – Marcos disse, bagunçando o cabelo de Shayane.

  -- Você não tem irmãos? – Shayane perguntou. – isso é tão triste. Poderíamos adotar você.

  -- Isso daria um grande gasto de Nescau – Lucas disse.

  -- E de fianças por roubar Nescau – Marcos acrescentou. Os três começaram a rir.

  Mesmo estando na situação mais estranha e patética possível, Lucas se sentia tão estranhamente a vontade.


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Notas finais do capítulo

Vocês n tem noção do quanto eu adoro escrever yaoi



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