Registro Panorâmico escrita por Titi


Capítulo 3
Ponto de partida




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O Cortês veio me acordar pela manhã, mas o que ele não sabia era que eu não consegui dormir, e tudo por eu estar preocupada com escola nova. O monturo do cotidiano vai voltar...

—Levanta! –Edgar falou se encostando na parede do meu quarto, não ligou pro fato de eu estar morrendo de sono.

Respondi de maneira nenhuma.

—Sai logo dessa cama! –ele puxou meu cobertor.

Choraminguei e puxei de volta. Edgar não estava com paciência nesse dia. Abriu as cortinas da janela, fazendo com que o brilho do sol fosse direto no meu rosto. Mesmo eu estando acostumada a com luz acesa, o calor me fez sentar, incomodada.

—Desnecessária essa sua existência.

—Obrigado! Agora vai se arrumar, peste.

—Eu não consegui dormir...

—Parabéns. Não vou te deixar faltar, isso é culpa tua. Não dormiu porque não quis. Eu começo a pagar a melhor escola da região, te levo até ela, pra você ainda se achar no direito de dizer “Ain, uin, eu não quero ir, to com soninho”? Por favor, né, garota? –ele praticamente se contorcia de desgosto.

—Eu não falo desse jeito... –murmurei, levantando com um dos meus bichos de pelúcia na mão e indo até a sala.

—O banheiro não fica aí.

—Ah, dá um tempo... –eu iria sentar no sofá, até que o outro interrompe a minha caminhada.

—Pega o jornal pra mim lá fora? Mas vai rápido, você tá meio que atrasada.

Dei um longo suspiro e fui andando com a maior má vontade que pude mostrar.

Na calçada, havia duas criancinhas brincando de peteca. Eu fiquei observando depois de pegar o jornal. Eu gosto muito de crianças. Era um cenário bonitinho... Além de raro. Provavelmente o pai delas havia confiscado o celular ou qualquer coisa assim. Mas, sei lá, ver aquilo ali deu uma nostalgia. A minha infância não foi das melhores, mas eu posso falar que foi o período... Como posso explicar?... Menos pior da minha vida. As meninas do internato não eram tão malignas nessa época, só me excluíam. Bem, dava pra eu me divertir sozinha, mesmo sem brinquedos. Só que agora, com catorze anos, quase quinze, não dá pra deixar de ser pressionada pelo resto do mundo. Fiquei pensando em como a minha vida tinha dado um salto enorme... Mal dá pra entender o que aconteceu se for comparar o meu passado com meu presente. Tudo mudou...

Resolvi dar uma olhada ao redor, pra ver se alguma coisa superava a beleza daquela cena. Vi um menino, acho que da minha idade, extremamente pálido, de olhos verdes, cabelo preto e liso, com uma câmera pendurada no pescoço, no ponto de ônibus que tem em frente à minha casa, do outro lado da calçada. Ele estava me encarando. Ok, superou a beleza da cena, sim, ele ganhou a brincadeira, podem voltar pra casa, criancinhas da peteca.

Bem, o garoto não era exatamente BONITO. Era fofo. Bem arrumadinho e tal, mas o vento era inimigo do cabelo dele, por isso o tentava arrumar sempre. Quando ele percebeu que eu estava olhando de volta, virou a cara, fitou o nada por alguns segundos e depois sorriu pra mim... Usava um aparelho da cor dos olhos.

Olhei pra trás, achando que não era comigo. Ele riu e deu uma acenada, com o rosto corado. Eu fiquei com cara de... Sei lá, não tem como definir. Só sei que deu tilt na minha noção de tempo e espaço. Não achei que ele estava dando em cima de mim, eu só me surpreendi por ele ser simpático sem querer nada, aparentemente. Tipo... Isso ainda existe? Novidade.

Ficamos trocando olhares até uma menina de cabelo castanho bem escuro ondulado, que eu não consegui ver o rosto, sair puxando ele pelo braço... Ela estava segurando uma garotinha bem menor, cabelo igualmente ondulado, só que em um tom mais claro, com a outra mão. Tinha que ter algo pra estragar a minha paixonite de segundos. Ela o levou até o ônibus que tinha parado por ali. Ele ainda voltou para me dar um tchauzinho, só que a garota de cabelo castanho escuro puxou ele pela camisa.

Ah... Podem ser as irmãs dele, não?... Seria uma pena se eu ficasse pensando nisso sem nunca mais encontrar o garoto na vida.

—Vi tudo, hein! –o Edgar apareceu das sombras e eu quase tive um ataque cardíaco.

—Odeio quando você faz isso!

—Eu sei, por isso mesmo que eu faço. Quando sai o próximo episódio de “Me apaixonei por um fantasma”? Menina chavosa... Aquela quenga lá roubou seu boy magia? Fica triste não. Você tem boas chances contra ela. Homens não gostam de assumir filhos. Hm... Quésia vai desencalhar. Parece uma daquelas novelas que acabe tudo bem, tudo bom.

—Ih, cala a boca, solteirão de vinte e sete.

—Ain, meus sentimentos. Você sabe que eu sou bom demais pras mulheres daqui.

—Aham... Claro... –voltei a olhar o ponto de ônibus.

—Ei, relaxa, a garotinha não é filha dele, não. É irmã. Ele a leva pra escola.

—Eu não perguntei nada disso...

—Problema teu, eu já falei, me engula. Sabia que ele estuda na sua escola?

—Oi?

—Sim, ele também entrega os jornais quando o outro garoto não pode. Eu já peguei ele te olhando quando você fica pensando na morte da bezerra lá na janela.

—Ah, tá. Como que eu não percebi?

—Sabe... Você é a Quésia.

—É mesmo, é? Olha só a “descobrida” que você “fazeu”.

—Tá querendo ir pra escola agora, não tá? –a criatura começou a rir, parecia uma capivara tendo AVC. Apesar de eu não saber como é uma capivara tendo AVC, mas era isso que o Cortês rindo parecia. –Vocês combinam! Os dois parecem cadáveres! Ele branco daquele jeito e você com essa expressão de tábua. Se tiverem um filho, vai ser um morto-vivo perfeito!

—Mereço isso não... Vou voltar pra cama.

—Que cama o que menina! Você tá atrasada pra escola! –ele me mandou ir ao banheiro.

Quando estava quase terminando de me arrumar, saí ajeitando o cabelo.

—Não temos tempo pra isso! –Edgar me levou para o carro.

—Espera. Você acha que eu iria pra escola descabelada? Já basta eu ser feia.

—Para com isso, Quésia! Você é perfeita!... Tá, é caraminhola, mas não dá pra você piorar! Vamos embora! –ele me jogou no carro.

—Mas e os meus... –ele jogou vários livros soltos e uma mochila bem na minha barriga. –Infeliz! Quer que eu morra?!

—Tanto quanto você esperava que a resposta fosse sim. –Cortês deu a arrancada no carro.


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Notas finais do capítulo

Coisa de irmão...



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