A Inútil Capacidade de Ser Receoso escrita por Fabrício Fonseca
—E até hoje eu ainda sou assim – digo me deitando na grama e colocando as mãos atrás da cabeça. – E, sinceramente, não pretendo mudar.
—E nenhum de nós quer que você mude – Aline diz se deitando sobre meu peito.
Passamos as próximas horas conversando, João fala sobre sua cidade, sua escola, seu melhor amigo e sua família, durante todo o tempo nós soltamos gargalhadas com as histórias engraçadas que já aconteceram com ele.
—Quem é esse Pit? – Pergunto quando ele para de falar, em quase todas as histórias esse garoto está presente, mas João não nos explicou quem é ele.
—É... Era um amigo – ele abaixa a cabeça ao responder. – Ele foi embora da cidade á alguns meses.
—Vocês viram quantas horas são? – Marcos fala se levantando e indo em direção a barraca.
Pego meu telefone e me assusto ao ver que já são 2h23min da manhã; eu não percebi que já estávamos conversando há tanto tempo.
—Preciso ir ao banheiro – Aline diz e vai correndo em direção da casa.
—Também vou me deitar – digo, estou me sentindo muito cansado, mas mesmo assim não sei se vou conseguir dormir.
—Eu ainda estou sem sono – João fala, ele ainda está sentado no mesmo lugar.
—Tudo bem, mas assim que quiser dormir pode se deitar.
Deito-me ao lado de Marcos – que aparentemente já dormiu – e fecho os olhos tentando me forçar á dormir. Minutos depois escuto os passos de Aline se aproximando da barraca.
—Não vai dormir? – Ela pergunta para João.
—Estou sem sono, e você? – Acho que ela se sentou ao seu lado.
—Não posso, tenho que ir encontrar Ícaro, meu namorado. Como eu fiquei o dia todo com Thomás sei que ele está se roendo de ciúmes... E eu também estou com um pouco de saudade. – Ela ri.
—Não sei o quê, mas quando olho para você e para Thomás enxergo vocês como um casal – João fala. – Parece que vocês se combinam muito.
—Confesso que no começo da nossa amizade eu gostei dele dessa forma, mas depois eu entendi que, como sua mãe, o Thomás tem uma forma diferente de amar, é preciso ser digno para ter o amor dele dessa forma... E eu não acho que seja digna. – Ela para por um momento. – Mas ele costuma dizer que a amizade de nós três é algo muito mais que relacionamento amoroso, que é eterno.
—E você acredita nisso? – Ele pergunta.
—Pode parecer mentira, mas sim eu acredito. Eu não acho que consiga deixar de ser amiga dele um dia. – A ouço bater a mão na calça para limpá-la ao se levantar. – Preciso ir agora, volto assim que amanhecer.
—Até. – Ele diz, e então ela sai andando.
Alguns minutos depois João se deita no canto direito da barraca ao lado de Marcos e depois de se virar algumas vezes fica parado, acho que ele finalmente dormiu.
*
Fico deitado de barriga para cima olhando para o teto da barraca, por mais que eu esteja cansado e tente bastante não consigo dormir.
Decido então me levantar e vou até em casa e visto uma roupa de corrida. Quando desço a escada vejo que a luz do escritório do meu pai está ligada. Pelo visto não sou o único que não consegue dormir.
Corro em volta de casa ao invés de ir até a pista de corrida e só paro quando vejo o sol nascendo; vou até a barraca e sorrio ao ver que Marcos está dormindo abraçado á João. Vou até a parte de trás da barraca e me estico para desprender a parte de cima da lona e então a deixo cair sobre eles.
—Ai, o que ta acontecendo? – Marcos diz.
—Hora de acordar – digo sorrindo quando ele sai de baixo da lona.
—Você não podia simplesmente chamar? – Balanço a cabeça dizendo que não.
—Você tava me abraçando enquanto dormia? – João pergunta olhando para Marcos.
—Acho que sim. – ele responde calmamente.
Juntamos as coisas da barraca e levamos para dentro de casa.
—Por favor, me diz que nós vamos fazer algo refrescante hoje, estou morrendo de calor – Aline diz ao entrar em casa no mesmo momento que descemos á escada.
—Vamos tomar café e depois pulamos na piscina – digo e vou andando para a cozinha.
Quando terminamos de comer vamos direto para a piscina e pulamos, ficamos nadando por umas três horas até que nos sentimentos cansados e decidimos sair.
—O que vamos fazer agora? – Marcos pergunta.
—Vamos lá em casa – Aline fala. – Meus pais sabem que estamos com o Thomás, mas é bom deixar eles um pouco despreocupados.
—Por mim tudo bem – digo e João concorda.
Tomamos banho, trocamos de roupa rapidamente e logo já estamos na rua novamente.
—Vamos passar em uma farmácia, preciso de um remédio para dor de cabeça – digo e nós corremos até uma farmácia que fica próxima á praça.
Compro um Tylenol e peço ao farmacêutico um copo d’água para tomar o comprimido.
—O que vocês achariam se eu ficasse loira? – Aline diz pegando uma caixa de tinta pra cabelo com uma imagem de uma mulher loira de uma prateleira e colocando do lado do seu rosto.
—Acho que ficaria muito bonita – João responde.
—E se a gente descolorisse seu cabelo? – Digo olhando sorrindo para ela.
—E também cortasse na altura dos ombros – Marcos olha para mim.
—Podem comprar algumas garrafinhas de água oxigenada – Aline diz toda animada.
Assim que compramos tudo o que vamos usar – quatro garrafinhas de água oxigenada de 75 ml, um rolo de papel alumínio e luvas de borracha – corremos para a casa de Aline e Marcos – Marcos mora com seus tios porque seus pais são DJ’s e eles viajam muito, então ele preferiu morar com os pais de Aline até se formar no ensino médio.
Entramos e somos recebidos por Lygia, a mãe de Aline.
—Bom dia meninos – ela diz sorrindo. – Olá, Thomás como você está?
—Estou bem, obrigado por perguntar.
—Se você precisar conversar saiba que estou sempre livre pra você! – Os pais de Aline são psiquiatras, eles estão sempre tentando conversar com as pessoas para tentar resolver seus problemas pessoais.
—Onde está o papai? – Aline pergunta.
—Ele foi trabalhar mais cedo hoje, querida.
—Tudo bem... Mãe, nós vamos para o meu quarto cortar o meu cabelo e descolorir, tudo bem? Ah, esse aqui é o João.
—Olá João – Lygia diz. – Tentem não sujar nada.
Assentimos juntos para ela e vamos andando pelo corredor para o quarto de Aline.
—Sua mãe não fez nenhuma objeção sobre o que vamos fazer com o seu cabelo. – João diz. – Que estranho.
—Os pais de Aline são super legais – digo. – Aposto que você nunca conheceu um adulto como eles.
—Eles têm essa ideia de “apoiar as crianças em suas escolhas e deixar que eles aprendam com as consequências” – Marcos diz sorrindo.
Entramos no quarto de Aline e vamos direto para seu banheiro, ela pega a tesoura que leva para a escola e me entrega. Depois que ela fecha a tampa do vaso e se senta eu começo á cortar seu cabelo castanho bem acima do ombro.
—Agora a água oxigenada – Aline diz sorrindo.
Ela anda até a pia e se curva enquanto eu e Marcos despejamos a água oxigenada em seu cabelo e espalhamos utilizando as mãos com as luvas de borracha. Quando já usamos o conteúdo das quatro garrafinhas pegamos o papel alumínio e enrolamos sua cabeça com ele.
—Você está parecendo um ET com essa cabeça prateada – Marcos fala e nós rimos.
Voltamos para o quarto e nos sentamos enquanto esperamos um tempo pra água oxigenada agir no cabelo de Aline.
—Esse aqui é você? – João pergunta para Marcos pegando uma revista de cima da escrivaninha de Aline.
—Sim, sou eu – Marcos fala meio tímido.
—O Marcos é modelo – Aline diz sorrindo.
—No meio do ano passado na festa de aniversário da cidade ouve um concurso de beleza e nós o inscrevemos escondido – começo á contar. – Depois nós meio que o obrigamos á participar e ele acabou ganhando, o que não sabíamos é que tinha um olheiro (ou sei lá como chamam esses caras) de uma revista de moda para adolescentes e ele chamou Marcos para uma seção de fotos.
—E agora ele é um modelo oficial da LuxeTeen Brasil – Aline termina.
Aline vai até seu guarda-roupa e pega a caixa onde guarda as revistas que têm ensaios de Marcos. Cada um de nós pega uma revista e começa á folhear procurando pelas fotos dele; depois de alguns segundos encontro uma foto dele usando um casaco de lã cinza e com umas tatuagens falsas no pescoço, nas mãos e até no rosto, e no lado esquerdo de seu nariz um piercing falso.
—Essa é uma das minhas favoritas. – Digo mostrando para João.
—Foi para uma matéria sobre tatuagens e piercings no mundo da moda – Marcos fala. – Eles passaram horas fazendo tatuagens falsas em mim até decidirem que seriam essas.
—Olha vocês dois aqui – João diz virando a revista para que vejamos, na foto eu e Aline estamos ao lado de Marcos usando roupas da moda.
-A gente sempre vai com Marcos nos ensaios – Aline diz pegando a revista da mão de João. – Um dia o fotógrafo perguntou se queríamos tirar umas fotos com ele e nós aceitamos; como essas ficaram muito boas eles decidiram colocar na edição.
—Mas nós dois nunca fomos fotogênicos o suficiente para sermos modelos – eu brinco e de repente uma ideia passa pela minha cabeça. – E se a gente fizesse uma seção de fotos?
—A gente podia fazer na fazenda da sua família – Marcos diz. – Lá é um ótimo cenário.
—Por mim tudo bem, mas vamos tirar isso da minha cabeça primeiro. – Aline diz.
Ficamos olhando o resto das revistas enquanto esperamos mais um pouco; meia hora depois decidimos lavar o cabelo de Aline... E o resultado não podia ser melhor!
O cabelo dela ficou tão loiro que está quase branco. Ela pega o secador e rapidamente o cabelo está pronto.
—Agora sim estou pronta para ir – ela diz e nós vamos para minha casa para pegar o carro.
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