She will be Loved escrita por Boo


Capítulo 4
Chapter One.




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Beauty Queen of only eighteen she had some trouble with herself.
 

Aquela fora somente mais uma das muitas noites em que eu não me via capaz de sentir um pingo de sono sequer – estava na verdade desde as cinco da tarde deitado na cama, tentando manter os olhos fechados e o pensamento quieto o suficiente para o cérebro desconectar por um momento e me permitir descansar, porém pelo visto isso não aconteceria tão cedo. Eu tinha a sensação de que desaprendera a dormir como havia desaprendido muita coisa no decorrer dos últimos anos, o que só me deixava evidências de que dormir não deveria ser algo assim tão importante para o meu organismo quanto à ciência que eu vinha aprendendo insistia em afirmar que era. Sim, eu estava estudando – demorei alguns meses para finalmente me decidir e enfrentar todos os paradoxos aos quais seria julgado, para reunir coragem e ir atrás do que eu acreditava correto provavelmente pela primeira vez em minha vida. Felizmente, mamãe tinha algum dinheiro guardado, e era com esse dinheiro que eu fazia as trocas sempre que o semestre se encerrava no Gringotes para pagar pela minha faculdade.
Eu havia optado por Medicida, e a meu ver aquela era a única forma que eu poderia fazer algo pela comunidade não-bruxa que poderia começar a pelo menos tentar reparar um mínimo do mal que nós bruxos em geral havíamos causado a eles. Não só a minha família, como tantas outras. Nesses últimos anos eu havia aprendido que o importante é que a gente faça a nossa parte, e eu estava fazendo, eu tentava me redimir, estava me esforçando para ser uma pessoa melhor e curiosamente gostando do tipo de vida comum que eu vinha levando.

Eu morava em um dormitório da faculdade, era bem simples se comparado à casa que cresci – apenas uma cama, uma estante onde eu colocava meu notebook, um armário para colocar minhas roupas e um TV. Com a convivência com trouxas eu havia me afeiçoado aos pequenos gostos da vida, me apaixonei por eletrônicos e suas praticidades, amava ter uma vida comum, gostava de aproveitar minha insônia e ler livros diversos sobre autores os quais meus novos colegas de sala me contavam animados a respeito, acabei cedendo a uma ou outra rede social e estava finalmente aprendendo a lidar com as pessoas, sem pensar somente em mim. Ser capaz de mencionar todas essas coisas com um tom de orgulho era a maior prova do quanto a minha decisão de me exilar – de certa forma – afetava minha vida de uma forma positiva. Eu havia me tornado uma pessoa melhor, e para quem sequer havia tido chances de sequer tentar eu estava me saindo muito bem.

Em alguns fins de semana eu insistia em voltar para casa, eram poucos – geralmente entre as feias de verão, inverno ou natal. Eu sentia falta da minha mãe, de alguns dos luxos que tinha em casa porém sempre que me via cercado de todas aquelas lembranças e próximo ao homem que eu cresci chamando de pai e que hoje mal falava comigo, eu me sentia sem lugar, e era aí que eu sentia falta de casa. Do meu pequeno quartinho no dormitório, da minha paz e do meu sossego. Sentia saudades do meu colchão duro, da minha cama pequena e do velho computador que me permitia fugir de minha vida por alguns instantes.

Como grande parte dos jovens britânicos da minha época, eu havia aprendido a fumar, a beber e havia conhecido algumas garotas com o decorrer do tempo, era natural afinal de contas como eles gostam de dizer, a vida segue, porém nenhuma delas parecia ter o efeito necessário ou sequer me desligava de fato, e dessa forma eu acabava ignorando a existências delas também. Ocupavam aquele lugar ao fundo da minha cabeça, onde a rebeldia e a inocência se debatiam e acabavam com o resto de sanidade que eu tive naquele período um tanto trágico, e que faziam parte da única parte de mim que eu não havia conseguido redimir e que eu mantinha quebrada, guardadas em um lugar que eu não tinha interesse em descobrir como chegar ou sair. Permaneciam presas ali, intactas em minhas memórias como se nunca houvessem partido.

Graças a insônia e ao fato de que naquela noite minha mente parecia estar perigosamente tentada e ir à lugares onde eu preferia mantê-la bem distante aceitei o convite de Kenneth para um pub qualquer que costumávamos frequentar, e não sei como logo ali fui incapaz de perceber que naquela noite tudo estava diferente.
Diferenças me assustam, e eu não sabia se era pior que eu não as tivesse percebido ou que eu as tivesse notado, talvez caso o tivesse feito teria permanecido na cama, brigando com a insônia e o notebook ligado à minha espera – mas aí não teria história.

Eu havia aprendido a acreditar e respeitar diversas crenças trouxas, supertições e histórias antigas, me surpreendi quando percebi que havia tomado gosto até por contos infantis como Peter Pan, mas o destino em especial era algo que me intrigava, e que nunca havia passado perto de mim até aquele momento, e hoje acredito que aquela noite tenha sido exatamente isso, destino.
Ken já estava pedindo a nossa décima cerveja, e conversando comigo em dois tons acima do que costumava, o que era um sinal claro de que ele já estava um pouco fora de si e era nesse momento em que ele encontrava coragem o suficiente para se aventurar por aí.

— Draco acertamos o dia, nunca vi tantas mulheres aqui.
— Você tem um ponto, Ken. _ bati minha garrafa na dele, em um brinde me permitindo olhar em volta _ Podíamos voltar mais vezes.
— Você nunca tem dinheiro. _ ele deu de ombros _ Não entendo como você consegue gastar tanto dinheiro.
— Eu não tenho tanto dinheiro assim. _ disse friamente, eu não falava a respeito do meu status familiar, até porque graças a Merlin ou Deus como eles preferiam falar, ninguém sequer os conhecia. _ Não sei de onde você tira essas coisas.
— Você não é bolsista. Eu sou bolsista. Eu não tenho dinheiro, você paga sua própria faculdade e sequer tem um emprego.
— Foi só uma pequena quantia de dinheiro que meu avô havia deixado para os meus estudos. _ dei de ombros como quem finaliza o assunto. _ Olhe aquela loira não para de olhar para você.
— Você vê demais, ela é bonita demais para mim. _ Ken deu de ombros.

Ken era um jovem de boa aparência, tinha cabelos escuros que lhe caiam pelo rosto e quase chegavam aos ombros, fios cheios de pontas e sempre bagunçados o que eu havia descoberto se tratar de um charme para as mulheres comuns. Ele tinha olhos de um tom azul quase turquesa, e ele sempre vestia uma camisa xadreza por cima de uma camiseta de banda, seus braços sempre muito justos nas mangas devido aos seus músculos – ele jogava Rugby pelo time da faculdade, era alto, infinitamente mais alto do que eu e sempre a primeira escolha de todas as mulheres que se aproximavam de nós, e este era um fato ao qual eu já estava muito bem adaptado.  Eu não me importava de não reter todos os olhares, eu também não tinha olhos para ninguém, não de verdade, e eu havia aprendido também que causar a outro ser humano qualquer tipo de sentimento que você é incapaz de alimentar não é justo, e que mesmo que o mundo não seja justo, você precisa fazer o que é certo.
Eu ficava melhor sozinho de qualquer maneira.

— Não vai se importar de ficar aí sozinho?

— Não seja estúpido, já me importei alguma vez? _ eu sorri levantando a garrafa de cerveja para ele.
— Você sabe, precisa arrumar uma mulher. _ ele balançou a cabeça negativamente se levantando do bar e indo na direção da menina, que por sinal além de ser muito bonita, era incapaz de parar de sorrir.

Ela tinha longos cabelos loiros, com cachos que caiam pelas pontas, um loiro mais amarelado, quase um caramelo, lisos e ela parecia incapaz de parar de enrolar uma mecha entre os dedos. Seus olhos eram verdes, um verde profundo, a pele bem alva e seu sorriso... Havia algo ali, em seu sorriso me era familiar, como se eu já tivesse visto aquele sorriso muitas vezes e algo dentro de mim revirou.
Ou talvez fosse só meu organismo acostumado à solidão me censurando por analisar demais mais uma mulher com quem eu nem sequer abriria a boca para falar. Provavelmente, a segunda opção.
Eu havia descoberto várias coisas no mundo comum pelas quais eu havia me apaixonado, e assim, acabei percebendo que ao contrário do que a comunidade bruxa acredita, a vida deles não é nenhum pouco medíocre ou tediosa devido à ausência da magia, eu via isso de forma completamente oposta. Eles tinham em si certa magia que eu desconhecia e que a meu ver era inacreditavelmente melhor do que a nossa, não era nenhum pouco extraordinária, não transfigurava, modificava, transportava ou permitia que eles voasse, era um tipo de magia que os tornava mais humanos, e consequentemente nos torava mais monstros. Eles tinham assassinatos, roubos, corrupções e corações partidos, nós tínhamos tudo isso, porém com uma brutalidade infame e desgostosa que eles desconheciam. Eles tinham uma vida e prazer em vivê-la e se tinham medo, ele não era grande o suficiente para mantê-los presos em suas casas, o que eles tinham afinal, se não eles mesmos para se protegerem? Eles não tinham feitiços Fidelius, pequenos, médios e grandes monstros como dragões dentre outros, só isso já os fazia ainda melhores que nós – eles eram absurdamente corajosos. Eles sim deveriam todos ser considerados verdadeiros grifinórios e não me admirava que grande parte deles os defendesse, ou sequer que os Weasley os agarrassem com unhas e dentes. Eles eram especialmente interessantes de se observar – eram óbvios demais, e ainda sim eram curiosamente interessantes.

— Tão bonito e tão sozinho...
— Não,  na realidade estou bem acompanhado. _ levantei a garrafa de cerveja em menção à boa companhia _ Obrigado.
— Leslie. _ ela ofereceu a mão na minha direção, um sorriso encantador nos lábios grossos carnudos e bem vermelhos _ E o prazer é seu.
— Não sou alguém que você gostaria de conhecer. _ sorri de leve sem dar muita atenção ao flerte dela.
— Então é verdade o que dizem sobre você? _ ela deu uma piscadela puxando a cadeira ao meu lado _ Que não é visto com mulheres.
— Não estou pronto para nada disso novamente, é só. _ respondi friamente, afinal nenhuma mulher havia sequer chamado minha atenção após... Todas aquelas coisas das quais eu preferia não falar a respeito.
— Você tem namorada, onde você mora? Quer dizer, porque você não é de Londres, claramente. _ ela mordeu o lábio de leve e sorriu sem graça.
— Na verdade não. _ sorri um pouco mais aberto, era divertido vê-la numa agonia sem sentido porque achava que podia ter algo comigo. Não, não era uma namorada, eu quis dizer. Era meio o fantasma de uma, e o choro da criança logo ao outro lado. _ Só, não sou muito bom com essas coisas, relacionamentos. Me relacionar com as pessoas em qualquer grau.
— Não estou falando de um relacionamento... E você ainda não me disse seu nome.
— É Draco, e pare de ser tão imbecil _ Ken deu um tapa no meu ombro _ Draco Malfoy _ Ela sorriu.
— Draco é a mais bela constelação do pólo celeste norte. _ Ela falou quase em um devaneio que por alguns instantes me fez lembrar Luna Lovegood._ Meu pai costumava me mostrar ela nas noites de inverno – que é de fato quando ela brilha mais.
— Se essa foi uma cantada, você realmente o atingiu no ponto fraco. _ Ken gargalhou dando tapas no balcão do bar _ Porque venhamos e convenhamos, não é um nome muito comum.
— É um nome que alguém jamais se esqueceria, de fato. _ ela falou baixo, mais para si mesma do que para qualquer outra pessoa _ E é bem comum de onde eu venho.

Meu sorriso sumiu nos lábios finos e sem cor naquele exato momento. Eu sabia que tinha algo de errado com ela desde o instante em que ela pôs a mão nos meus ombros e invadiu meu espaço. Meus olhos faiscaram e eu tive vontade de jogar algumas libras pelo balcão e lhe virar as costas sem pestanejar, eu não queria voltar para aquilo, eu não queria saber daquilo, eu não queria ter que me explicar, e eu nem queria olhares tortos. Instintivamente levei a mão ao pulso esquerdo onde se encontrava hoje nada mais do que uma cicatriz com o formato do que fora uma Marca Negra do Lorde das Trevas – de uma obrigação para com a minha família e que me fizera perder não só a fé na vida e na comunidade bruxa, mas as únicas pessoas que eu me vi capaz de amar. Apesar da raiva que corroia meu interior e a vergonha de meus atos meu rosto não corava – eu nunca corava, eu fora criado para não fazer todo esse tipo de coisa. Eu não deixava transparecer sentimentos, medo, tristeza, fraqueza. Eu não deixava transparecer nada, eu podia ser o que você gostaria de ver refletido em mim – e era assim que funcionava desde que eu me lembrava. Eu podia ir do bom filho ao maior cafajeste, quando de fato: ninguém sabia quem eu realmente era. E foi com este pensamento que eu engoli o medo e sorri de lado.

— E de onde você vem? _ eu ri de lado, de uma forma sacana, eu era bom em jogar, especialmente se era isso que ela queria. 
— Wiltshire. Sua família é bem famosa por lá, estou errada? _ ela mordeu o lábio, ela sabia.
— Não. Não está. Como me reconheceu...? _ eu sabia a resposta, mas precisava ganhar tempo.
— Seus cabelos são quase uma marca registrada. Minha avó costuma dizer que seus avôs e bisavôs também o tinham nessa exata cor. É uma espécie de gene passado de pai para filho, muito forte por sinal. Geneticamente falando.
— Claro, com certeza. Não que eu goste deles desta forma. _ Levei a cerveja aos lábios mais uma vez _ Mas tem certo diferencial.
— Você mora naquela... 
— Sim. _ eu a cortei de maneira ríspida _ Quer dizer, meus pais moram. Eu moro no Campus, em Harvard que é onde estudo.
— Mas você poderia... _ ela começou, e eu não precisei que terminasse para saber.
— Sim, mas prefiro desta forma. Assim como prefiro manter meus assuntos pessoais fora de qualquer conversa, sinto muito. Podemos falar sobre outras coisas...
— Não seja tão ranzinza, Draco. _ Ken me bateu de leve no ombro _ A garota só é um pouco...
— Bem informada demais. _ falei baixo para que somente ele ouvisse e acenando para o garçom trazer mais uma _ Eu não falo da minha família e eu tenho motivos para o tal, se eu não falo com você como ela pode pensar que eu falaria com ela?
— Ei cara, relaxa... Você ta neurado demais. _ ele sorriu, provavelmente já tinha fumado um baseado – estávamos falando de Ken, era óbvio que já o teria feito assim que possível.
— Vou ao toilet. Preciso de um minuto. _ resmunguei me levantando do bar.

Rapidamente fiz meu caminho por entre as pessoas que iam e vinham, com suas cervejas e bebidas destiladas em garrafas e copos cantarolando a musica crua junto ao vocalista que agora cantava com um cigarro nos lábios e soltava fumaça para o alto com um pequeno dragão chinês. Alguns faziam algo que eu havia aprendido ser o airguitar  e alguns se agarravam nos cantos mais escuros – mãos por todas as partes. Outros curtiam, sentados sozinhos pensando em suas vidas exatamente como eu estava fazendo antes daquela Leslie aparecer e se sentar ao meu lado. Não me leve à mal, ela era uma mulher muito bonita, atraente com seus cabelos nos ombros repicados em um castanho avermelhado. Seus olhos eram cor de amêndoas e eram redondos como duas bolas de gude, era magra – esguia. Tinha lábios vermelhos como sangue e carnudos, exatamente como eu gostava. Mas ela sabia demais, e eu sabia que ela sabia demais. E isso me amedrontava. O fato de que ela podia tocar nas minhas feridas me dava ainda menos vontade de lhe abrir as portas. 
O banheiro era tão descolado quanto o local, era um cômodo bem grande e amplo onde homens e mulheres não só transitavam em busca de espelhos ou de alívio, mas também se pegavam sem o menor pudor por todos os lados quando as coisas ficavam um pouco mais intensas. Era assustador, e era tão humano e comum que quase me fazia sentir inveja de todas aquelas pessoas que além de poderem levar uma vida normal e longe de tormentas conseguiam aproveitá-la de uma forma que eu jamais me veria capaz. Em lugares como aquele, era comum que se ouvissem todos os tipos de barulhos – desde mulheres gemendo à discussões desenfreadas – era como se aquela fosse a área de ninguém, onde tudo era vagamente permitido, mas havia algo estranho porque dessa vez alguém gritava, gritava muito alto como se o mundo estivesse prestes a acabar, era um grito repleto de dor, preocupação e aflição – eu reconheceria cada uma daquelas emoções facilmente, eu os via, sentia, em meus sonhos quase todas as noites. Olhei para os lados à procura de qualquer sinal, intimamente implorando à qualquer divindade, Merlin, Deus, qualquer um, que aquilo não tivesse nada, absolutamente nada haver comigo, mas quando senti uma mão fria se fechar no meu braço eu sabia, meu sossego tinha chegado ao fim.

— POR FAVOR, VOCÊ PRECISA ME AJUDAR!

A menina urrava, sua garganta parecia prestes a se cortar com a força e a ferocidade de seus berros, ela estava desesperada, seus olhos pareciam vidrados e fora de orbita e seus cabelos pareciam ter sido puxados com força em todas as direções. Sua blusa estava suja, suas mãos tremiam tanto que ela sequer conseguia me segurar, mas as lágrimas corriam rapidamente pelo seu rosto alvo uma após a outra, e então com a mão livre ela me segurou novamente e me balançou, como se eu precisasse ser acordado de algum transe para perceber que ela precisava de mim, que ela precisava de alguém que pudesse fazer alguma coisa. Eu a encarei friamente, os olhos acinzentados esquadrinhando seu rosto e formando uma memória vagarosamente – era a menina com quem Ken estava. Segurei o ar por alguns instantes imaginando que algo poderia ter acontecido a ele, o desespero se moldando em meu rosto.

— POR FAVOR! EU PRECISO DE AJUDA! 
— O QUE ACONTECEU? _ eu a balancei com força, segurando ambos seus braços e quase a tirando do chão _ O que você fez com ele?
— EU NÃO FIZ NADA! Ken está bem. _ ela gritou ainda mais alto _ ME SOLTE!
— Se não é  Ken o que está acontecendo para você urrar como uma louca e transformar este lugar num manicômio? _ respondi friamente, toda a tensão se dissipando do meu corpo.
— Foi ela. Aquela mulher que estava com você, eu sei que foi ela. _ ela choramingava enquanto as lágrimas não paravam de correr _ Você precisa vir comigo.
— Ei, ei.
— Não, me escute. Você precisa vir comigo, eu sei quem você é e eu preciso de ajuda. _ eu provavelmente devo ter arregalado os olhos, aquela era uma das noites em que eu provavelmente deveria ter ficado quieto em casa.
— Aparentemente aqui hoje, todos sabem que eu sou, mesmo que eu venha tentando ignorar minha própria figura já há alguns anos então eu não me importo com o que você sabe, as coisas são diferentes agora. Eu não sou mais nada daquilo, eu fugi daquilo, e eu não quero nada daquilo vindo atrás de mim. E se você precisa que eu cale sua boca da pior maneira possível para manter a minha paz, então é isso que eu farei.
— Eu não quero acabar com a sua paz! Como você pode ser tão egoísta? Nem tudo é sobre você Draco. _ ela berrou, ainda choramingando, mas não soltava o meu casaco _ Por favor, venha comigo.
— Eu não vou com você a lugar algum, você não tem nada do meu interesse. Eu não quero me envolver nisto. 
— Ah eu tenho, e você quer. Então venha comigo.

Ela me puxou com força, o casaco de couro obedecendo e meus pés unidos à minha curiosidade preferiram não ignorar o meu pedido desesperado de saber o porquê dela estar se comportando de forma tão inadequada, não parecia algo que ela costumava fazer com frequência, ou alguma coisa estava muito errada pro meu lado ou alguma coisa muito errada estava acontecendo graças a mim – eu era mais para a segunda opção, o que me levava de volta novamente ao que eu vinha pensando desde o momento em que colocara os pés dentro daquele lugar, aquele realmente não era um dia para se sair de casa, antes estivesse ficado no dormitório lendo Sheakspeare ou algo do tipo, melhor do que todo esse passado se jogando na minha cara e eu tendo que fazer algo a respeito. Bem melhor.
As pessoas passavam correndo do nosso lado nos empurrando, mas ela continuava indo à frente insistentemente e inclusive empurrando algumas pessoas para passar, sem o menor bom senso – eu dava dois dela, a cada garota que caia com um empurrão dela, duas caiam de strike com a minha passada em seguida, era quase um boliche humano, mas ela não parava nem por um segundo.

— Aparentemente todas as pessoas sabem o meu nome, quem eu sou e de onde eu vim isso é algum tipo de convenção macabra sobre foder com a minha família, mas já que você pretende me enfiar em algum problema e está praticamente dando para o meu melhor amigo o mínimo que você precisa fazer é me dizer o seu nome.
— Felicity. _ ela respondeu sem olhar para mim.
— Ah que irônico.

Quando dei por mim estávamos entrando em um banheiro, e não era o banheiro comunitário, o que era um tanto chocante considerando que eu nunca soube da existência daquele cubículo, não havia mais ninguém ali dentro. Minha cabeça foi a mil observando os espelhos rabiscados de batom e as ofensas escritas em todos os lugares da parede, aparentemente a palavra “prostituta” era o maior elogio que alguém pudesse encontrar ali. As portas estavam abertas, algumas pendiam para o lado, quebradas e outras faziam barulho de vai e vem, Felicity colocou as duas mãos na pia se apoiando e abaixou a cabeça fitando o ralo. Respirou uma, duas vezes, enquanto eu continuei observando o lugar milimetricamente até finalmente achar o que eu não esperava achar nem daqui a mil anos.
É que quando você pensa que sua vida está fodida, você descobre que o horror está apenas começando.

Havia um braço, jogado ao chão, tão pálido quanto uma folha de ofício, os dedos eram finos e pequenos, eu não precisei dar um passo à frente ou entrar no compartimento para ter certeza, porque o pequeno anel de ouro branco com uma pérola delicada no anelar a entregou. Eu dei alguns passos para trás me afastando, deveria haver sim formas humanas plausíveis de se voltar no tempo e ignorar todas essas coisas – eu aceitaria um vira-tempo se eu pudesse, eu não queria realmente fazer parte de nada daquilo. Eu não queria vê-la nunca mais, e achei que isso tinha ficado claro tanto para mim quanto para ela... Mas se era realmente assim, porque o meu coração parecia cada vez mais apertado e menor enquanto eu assistia a cena, horrorizado? Porque eu ainda queria tirá-la dali nos meus braços e saber que ia ficar tudo bem? Eu não queria que ficasse tudo bem, eu não queria nada que tivesse haver com ela.


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