A Máscara do Luto escrita por Paty Ninde


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Sempre quis postar está história.



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De Allan, para Anna

16 de novembro de 2003

Ela estava dormindo e respirando pesadamente.
Não ousaria acorda-la. O momento era mágico, e o ligeiro sorriso que completava a moldura clássica que era sua face quase o fez desistir.

As mãos tremiam e a caneta não se sustentava no papel. O papel.
Deixaria ali todas as verdades e não permitiria que ela contra argumentasse. Sentia-se covarde por abandona-la, mas deixaria sua marca em lugares diferentes.

" Anna,

Te amei primeiro e com toda certeza te amarei por último.
Você foi minha dúvida mais bela. Minha queda mais doce.
Viaje, coma chocolates com recheios inusitados, pesque algum peixe, escreva nossos nomes em uma garrafa e jogue no mar.
Cuide de você. Encontre um novo amor. Seja mãe. Viva muito e sorria sem camuflar os sons bizarros de sua risada espontânea.
Corte seu cabelo, não se preocupe tanto com maquiagem, eu adoro aquela manchinha perto do seu olho esquerdo.

Com amor

Allan."

 

 

Pegou a mochila e depositou o bilhete no criado mudo. Olhou pela última vez para ela e sorriu, permitindo que a pequena lagoa que se formara em seus olhos finalmente transbordasse. Estava partindo, mas o corpo ficaria ali, e ela choraria pela casca humana que ele estava deixando.

— Adeus Anna. – a porta foi fechada, silenciosamente. 

 

 

—x--

 

De Anna, para Allan.

17 de Outubro de 2004

 

Eu ainda sorrio quando me lembro de desviar os meus olhos –numa fuga momentânea e involuntária dos seus– pregados no relógio e então, a maravilhosa sensação de que eu poderia parar o tempo.

Parece que não consegui.

O tempo jamais pararia, não por nós; "somos pequenos demais diante de toda essa imensidão. Acaso você já observou o universo?" Era o que você sempre me dizia quando eu tentava argumentar contra as injustiças da vida. Sempre tão calmo, tão filosófico. Como se o mundo não estivesse desabando à sua frente.

E ele estava. Na realidade, o estava destruindo.

E por isso te amei. Não somente por isso, mas ,sobretudo, por isso.
E eu ainda sorrio, porque, se tivesse feito as aulas de desenho – como você havia me aconselhado – poderia registrar a expressão de alegria infantil que tomou seu rosto quando eu trouxe o Luke para casa .Ele ainda dorme na nossa cama, como você havia pedido. Ele sente a sua falta.

Eu sinto muito mais.

Esta é a carta de número 11.750, e a dor ainda persiste.
Não consegui doar suas roupas e sua coleção de conchas está na minha bolsa. Um dia vou joga-las no mar, quando eu for ao mar. Talvez nunca mais.

Sobre aquela viagem para a Eslovênia, não vou. Não seria a mesma coisa sem você me dizendo o quanto sou desorganizada no quesito "viagens longas".

Quebrarei todas as promessas que te fiz sob a iluminação do quarto branco; sob o som dos aparelhos. Não serei feliz, não encontrarei um novo amor, não concentrarei minhas energias no trabalho. Não quero dizer adeus.

E esta é a face do luto que ninguém revela; que não se trata de seguir em frente, mas de querer todos os dias que o tempo volte e pare no exato momento em que me permiti ser feliz, com você, por você.


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Notas finais do capítulo

Obrigada aos que leram. Se acharem que o texto merece, deixem um comentário. Ficarei extremamente feliz.