O Andarilho escrita por netobtu


Capítulo 14
Capítulo 14




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            - Eu sou o único que pode te matar? - perguntou o Homem, enquanto o malabarista apreciava o céu noturno.

            - Sim, na minha cabeça, você é o único que pode.

            O Homem pensou sobre matar o malabarista. Leitor, talvez se fosse outra pessoa, esta pensaria que tinha o poder de um deus, já que era a única pessoa que pudesse tirar a vida de outra. O Homem, pelo contrário, lamentou o fato, pois pensou que, numa destas, poderia matar o malabarista sem querer, empurrando-o num precipício quando tropeçasse (coisa que ele muito fazia).

            - Isto é uma besteira sua. Vamos andando. - disse o Homem.

            Dito isto, o malabarista levantou-se de um salto, e passou a seguir o Homem, que agora estava andando para a frente, porém com o olhar virado para a figura que ele assassinara. O cão ia junto, ao lado dele.

            - Por que ele queria te matar? - perguntou ao malabarista.

            - Não sei, talvez porque eu salvei o cão. Ele ia matá-lo, estava quase fincando aquela agulha gigante nele.

            - Credo, nem quero imaginar isto. - o Homem olhou para o cão, temendo pela vida de seu fiel companheiro. - Você falou com a figura?

            - Falei, do meu jeito. Mas ele logo me agarrou e começou a me enfiar aquela agulha, achei que ele não ia parar nunca.

            - E não doía? Você não sentia nada?

            - Não, não sentia nada.

            - Sua pele é esquisita mesmo, então. Eu só de arranhar a pele já sinto dor. - e o Homem se calou, olhando para a frente e seguindo o seu caminhar.

            Passado algum tempo, saíram da floresta e encontraram uma placa, destas modernas, que indicam as cidades próximas, havendo uma seta para o caminho que deveria se tomar para algum lugar povoado.

            - Vamos para lá. - falou o Homem, como um guia turístico.

            - Fazer o quê? - perguntou o malabarista.

            - Não sei, pouco me importa.

            E foram caminhando conforme indicava a placa, até que, subtamente, o Homem tropeçou em uma pedra e bateu a cabeça em outra, tamanha foi sua sorte. E ali, deitado, desmaiou.

 

- ! -

 

            - Ele está acordando! - exclamou uma figura toda de branco, conforme o Homem pôde ver.

            Aliás, tudo estava branco, a claridade o cegava.

            - Venham, tragam os equipamentos, vamos ter que fazer os exames. - novamente a figura branca falou.

            - Mas quem é você? O que está acontecendo? - perguntou o Homem.

            - Eu sou o médico, você não se lembra de nada?

            - Muito pelo contrário, eu me lembro de tudo. Do cão, do malabarista, onde estão eles?

            - Do que você está falando? Você deve estar deli... ah, desculpe, eles estão bem. - respondeu o médico.

            - Que bom, porque o malabarista é imortal, já pensava que eu o havia matado quando tropecei, é a última coisa que me lembro.

            - Acalme-se e fique quieto, você esteve dormindo por muito tempo, eu não posso perdê-lo novamente.

 

- ! -

 

            Houve um rasgo na visão do Homem e agora o malabarista estava na sua frente, sacodindo-o com seus braços compridos:

            - Acorda! Eu não posso perdê-lo novamente!

            - Pare de me sacudir! Cadê o médico?

            - Que médico? Eu não sou médico.

            - Mas... eu estava sonhando então. Há quanto tempo eu estive desmaiado? - perguntou o Homem, levantando-se, a dor de cabeça (especialmente na testa) agora era fortíssima.

            - Não sei, eu não conto o tempo. Mas foi pouco, muito pouco.

            - Eu sonhei com um médico, uma sala muito branca, a luz me cegava.

            O malabarista nada respondeu, seu sorriso se apagou um pouco, mas foi brevemente, o Homem nem notou, pois sua visão estava muito turva e ele se sentia tonto. Queria vomitar, mas tentou não pensar nisto e voltou todas as suas forças a seguir em frente até a cidade logo à frente, pensando em haver pessoas ali para ajudá-lo a encontrar um sentido para tudo isto: suas dores, seu caminhar, sua vida.

            Logo chegaram às portas da cidade, que era murada. Estranho fato uma cidade toda murada naqueles dias, mas, pensando bem, os muros estavam cheios de furos de balas, provenientes da guerra que ali havia estourado, com pedaços de tijolos caídos, faltava tinta em vários pontos da muralha. Foram os três se encaminhando para o centro da cidade, onde havia uma praça, sem prestar atenção nos prédios em volta, foi quando ouviram barulho de armas sendo engatilhadas e apontadas para eles, do alto dos prédios.

            - Mãos para o alto! - vociferou uma voz, vinda de um megafone, da esplanada do prédio logo à frente, que devia ser a prefeitura.

            O Homem levantou as mãos e sentiu muito medo, tudo o que queria era ajuda, um pouco de água, algumas questões respondidas, mas, ao invés disso, encontrara hostilidade. Logo ele, que nada tinha a ver com isto. O malabarista também levantara as mãos, mas provavelmente sem compreender a gravidade (ou a compreendendo muito bem, inclusive que era imortal para estas armas).

            Desceram dos prédios alguns seres para revistá-los e prendê-los. Todos eles estavam encapuzados, como o ser que vivia lá na floresta, e o Homem não conseguiu identificar nenhum semblante. Suas pernas estavam fracas, sua respiração ofegante e sua tontura aumentara agora com a iminência de uma execução, conforme ele imaginara. Ele foi o primeiro a ter o rosto coberto por um saco preto, não podendo ver mais nada.

            - Vamos andando. - disse um dos guardas, algemando-se junto ao Homem.

            Tudo o que o Homem se lembra era de andar muitos passos, sentindo os sentidos mudarem com alguma freqüência. Também se lembrara de ouvir muitos passos, algumas risadas, alguns lamentos. Adentraram um lugar fechado, o Homem pôde perceber pelo ar abafado. Sentia também uma arma nas suas costas, encostada, pronta para atirar ao menor sinal de hostilidade apresentado por ele, coisa que nem passava pela sua cabeça. Na sua cabeça só havia o medo e o desespero.

            Sentiu a algema ser solta de seu braço e fora agarrado e jogado dentro de um lugar que pensou ser uma cela, devido ao barulho de uma porta de metal se fechando e sendo trancada.

            - Pode tirar o saco preto. - ouviu a voz do malabarista.

            O Homem fez conforme aconselhado e viu que realmente estava em uma cela, com o malabarista. Não via o cão, contudo.

            - Onde está o cão? Que fizeram com ele? - perguntou o Homem ao malabarista, seu desespero só aumentando.

            - Eu não sei, mas acho que ele fugiu. Não ouvi nenhum ganido dele, nenhum choro, nenhum latido. - respondeu-lhe tranquilamente o malabarista.

            - Como você pode falar tão calmamente numa situação alarmante destas?

            - Não sei. - respondeu o malabarista, mais calmamente ainda, sentando-se num canto da cela, pegando uma pedra que havia no chão e fazendo na parede um risco, conforme ele se lembrava da última vez que fizera quando estava encarcerado.


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