Capítulo 42 - Papai chegou!

Naquela tarde de quarta, Thiago regava tranquilamente os jardins da pensão. Era uma de suas tarefas semanais, e algo que ele sempre fazia com gosto. Afinal, sempre gostou de plantas.

- Opa - ele diz, quando a água da mangueira quase atinge o gato da pensão - Cuidado! Hehe!

- E aí, Thiago? Precisa de ajuda? - Raquel se aproxima, com um sorriso no rosto.

- R-Raquelzinha? - ele fica vermelho - Ah! Não, não, já estou acabando. Hehe

- Ei, cuidado! - ela diz

- Cuidado? Com o que? -  Thiago não conseguia tirar os olhos da mocinha.

- Com aquela pessoa

- Hã?

Agora que o rapaz viu. Ele acaba atingindo um visitante, que se aproximara do portão sem muito cuidado.

- Ei, o que pensa que estã fazendo?

- Ops. Perdão - o rapaz se desculpa, fechando a mangueira imediatamente.

A figura em questão era um homem alto, loiro e vestia um tipo de farda. Chegava com uma mala e parecia ter uma postura bem rígida.

- Ora, essa...não se fazem mais jardineiros como antigamente

- Jardineiros? Não, eu..

- Tá bom, tá bom, só me molhou um pouco. Seu Joaquim está em casa?

- O senhor conhece o tio Joaquim? - pergunta Raquel, sorridente.

- Claro. É um grande amigo meu. Principalmente por cuidar das minhas filhas desde quando elas eram pequenas

"Filhas? Será que?"

Nisso, seu Joaquim chega no portão, com uma cara não muito amigável.

- Ei, o que tá havendo aqui? - reclama o ancião.

- Esse moço diz que te conhece, tio - diz Raquel, sorrindo.

- Ele? Hã? Essa farda...é soldado? Veio a mando do Getúlio? - seu Joaquim grita assustado.

"Em que década ele parou?", pensa Thiago.

- Claro que não! Vim a mando do meu coração mesmo!

- Essa fala - seu Joaquim diminui a ofensiva - É você, Zequinha? Dá cá um abraço! - o dono da pensão abre a porta e abraça o velho amigo.

- Ê, cabeça boa! - Zequinha responde, abraçando o dono da pensão. Pareciam ser mesmo amigos de longa data - Desculpa vir sem avisar

- Imagina! Você pode aparecer aqui a hora que quiser!

Nisso, Mariana e Renata aparecem na porta, intrigadas para ver quem é.

- Nossa, que barulheira é essa? Chegou alguém? - pergunta Renata.

- Mas é o... - diz Mariana, abrindo um sorriso de orelha a orelha

- Papai! - completa Renata

As duas correm até o militar e dão aquele abraço apertado nele.

- Que saudades! - diz Renata

- Por que não disse que viria? - pergunta Mari.

- Hahuahua! Foi de repente - ele diz - Vocês sabem...eu faço várias missões de reconhecimento pelo país e só agora pude tirar uma folguinha. Vim passar uns dias com vocês

- Que bom, pai! Faz muito tempo que a gente não te vê! - diz Renata, abraçando-o de novo.

- Então...ele é o pai das meninas? - pergunta Thiago.

- Sim. José Carlos Raposo. É um tenente que viaja muito. Como a mãe das gêmeas morreu muito cedo e ele não podia largar o trabalho, acabei ajudando a criar as meninas. - seu Joaquim explica, em um momento de perfeita lucidez.

- Entendo

- Nossa! É o tio Zeca! - grita Stephany, ao vê-lo chegando e correndo para dar um abraço.

- Ah, Stephany! Há quanto tempo!

- Pois é

- Continua sendo a menina boazinha de sempre? - ele pergunta, esfregando o cabelo dela.

- Hahauha. Claro

"Você nem imagina o quanto", pensa Thiago.

- Vocês cresceram bastante, não é? - repara Zeca - Não vejo vocês desde o ano retrasado

- Nem tanto

- Não andaram aprontando nada, né? Eu conheço vocês - diz Zeca, dando um tapa na parte de trás das duas. Renata ri. Mariana reclama.

- Ai, pai, a gente não é mais criança. Isso dói!

"Tapa na bunda?", pensa Thiago.

- Uau! Ele viaja bastante mesmo, né? - repara Raquel.

- É o que parece - responde Thiago

- E você, Mariana? Como vai a faculdade?

- Muito bem. Já até me engajei num projeto de iniciação

- Que bom. É isso aí

O militar vai entrando e revendo todo mundo. Ele cumprimenta Dona Joana ao entrar, deixa as malas na sala, toma uma água e continua a conversa.

 - Uau! Mas essa pensão não mudou muito, né? A Fabíola continua morando aqui?

- Sim - responde Renata

- Aquela doida...preciso beber com ela de novo para relembrar os velhos tempos. E o doido do meu irmão? Continua do mesmo jeito?

- Não mudou nadinha - diz Mariana

- Já suspeitava...ai, ai...e você? É uma moradora nova? - ele pergunta, se dirigindo a Raquel.

- Sim. Mudei para cá faz pouco tempo. Meu nome é Raquel

- Raquel...um lindo nome

Ele se vira um pouco mais e vê Thiago, sorrindo meio forçado. Zeca estranha.

- E você...é o novo jardineiro?

- Não, não, é o Thiago. Ele também está morando aqui - explica Mariana.

- Ah, tá - mas logo a expressão do tenente Zeca muda.

- O QUE?! - ele grita - Tem homem morando debaixo do mesmo teto das minhas filhas?

- Ah, não, não é homem, não. É só o Thiago! - diz Stephany.

- Ora, sua..

- Escuta aqui, garoto! O que você andou aprontando enquanto eu estive fora?

- Mas..eu não aprontei nada

- Xii..isso não vai dar certo - comenta Renata.

- Por que? - Raquel pergunta.

- Nosso pai é muito ciumento, sabe

- Hmm..

- Calma, Zequinha - seu Joaquim tenta apaziguar a situação - Até agora ele não fez nada de errado

- Não mesmo, é?

- É um menino de ouro, seu Zeca! - dona Joana elogia - Um doce de pessoa

- Ainda assim...não sei se dá para confiar totalmente - diz o militar, olhando bem no fundo dos olhos do rapaz, que estava cada vez mais acuado.

- Mas eu não fiz nada - Thiago tentava se defender - Mariana...me ajuda

- Bem, o senhor já sabe onde vai dormir, papai? - Mari pergunta, ignorando o apelo de Thiago.

- Se todos os quartos estão ocupados...acho que só me resta...dormir no mesmo quarto dele! - diz o tenente, encarando Thiago feio.

- No meu quarto?

- É...no seu quarto, soldado...por que? Tem algum problema?

- Não, não, da minha parte nenhum. hehehe - diz Thiago, evidentemente assustado.

- Ótimo. Onde é?

- Ali no fundo - explica Renata, sorrindo.

O tenente segue junto com Thiago, que se sente um pouco pressionado, mas enfim, ele chega lá, e, claro, o quarto não estava aquele primor de arrumação.

- Você lembra o meu irmão - comenta Zeca.

- Sabia que comentaria algo do tipo..

- Bem, vou deixá-los à vontade para se organizar. Até - diz Renata, saindo da confusão.

- Espera...vai me deixar aqui

- Muito bem, garoto. Acho que foi bom eu aparecer por aqui

- Hã?

- Acho que você está precisando de um treinamento

- Treinamento?

- Veja só...esse corpo magrelo, essa cara de tonto, esse sorriso de bobo. Você foi dispensado do serviço militar, não foi?

- S-Sim, fui...

- Não sei porque isso não me surpreende. Muito bem. Comigo aqui, você vai se tornar um homem de verdade

- Mas..

O pai das gêmeas dá uma olhada no quarto e vê tudo que tinha espalhado por ali. Pacotes, livros, revistinhas. Inclusive, ele pega uma delas.

- O que é isso? Não acredito que ainda lê esse tipo de coisa? - pergunta Zeca, encontrando uma revista "Só Molhadinhas" no meio da bagunça.

- Bem...é que eu não resisto

- Você também não tem namorada, suponho?

- Err...estou tentando resolver isso

- Bom, antes vendo esse tipo de coisa do que se entregando para qualquer vagabunda por aí. Apenas não deixe minhas filhas ou a Stephany ver esse tipo de coisa

"Acho que isso não é exatamente um problema...cosniderando aquela peste da Stephany", pensa Thiago.

- E o que é isso? Livro de Cálculo?

- Sim. É da faculdade

- O que você faz?

- Engenharia Elétrica. Estou na mesma sala da Mariana

- Sério? Então você parece ser esforçado

- Sim

- Ótimo. Aproveite seu esforço e comece a arrumar esse quarto. Vamos lá, soldado. Um, dois, um dois

 Thiago não vê muita escolha a não ser obedecer. Tenente Zeca parecia ser mesmo um homem rigoroso. E, é claro, que ele não moveu uma palha para ajudar Thiago.

- Ufa! - reclama Thiago

- Por que parou, soldado? - reclama Zeca, pausando seu game portátil.

- Isso cansa.

- Cansativo? Guarde seu cansaço para o que vamos fazer agora!

- O que vamos fazer agora?

Poucos minutos depois, Thiago se via num uniforme de futebol de salão (ou algo parecido), em conjunto com Zeca.

- Garotas. Vamos dar uma passada na velha quadra do clube do centro - diz Zeca, todo orgulhoso.

- Ai, ai, o senhor vai jogar de novo? - diz Renata.

- O pessoal já tá esperando. Vamos nessa, soldado!

- Socorro - Thiago era puxado pelo pai.

- Ele se deu bem com o Thiago, né? - repara Raquel, enquanto lia um livro de História.

- É...acho que bem até demais. Pena que o Thiago não consegue seguir o mesmo ritmo do papai - diz Mariana.

- Será que não? Ele parece ser bem forte

- O Thiago? Ele sempre disse que era péssimo em esportes..

E isso era verdade. Na quadra, Thiago se vê junto com outros jogadores tiozões, velhos amigos do pai das gêmeas

- Zecão! Há quanto tempo! - diz um.

- Sabia que ia encontrar vocês aqui! O futebol de quarta de sempre!

- É isso aí! - diz outro.

- Então vamos lá...hoje trouxe meu mais novo discípulo

- Ah! Será que ele aguenta jogar com a gente?

- Claro que aguenta! Não quero ninguém pegando leve com ele! - Zeca faz questão de enfatizar.

- Err..isso é realmente necessário. Quer dizer...o importante é competir e..

- Exato. E competir em futebol é aguentar o tranco. Vamos lá. Você é um bom santista, não é?

- Na verdade sou são-paulino - comenta Thiago

- Ouviram isso? Agora sim, vocês podem atacar ele sem nenhum remorso

- Hã? Mas..

- Todo mundo aqui detesta são paulinos, rapaz! - diz um deles - Vamos nessa!

Thiago se vê no meio da competição, fazendo de tudo para jogar da melhor maneira possível, mas, só o fato de tocar na bola já era motivo para um monte de tiozões cairem em cima dele. O jogo foi feio e Thiago saiu dali arrasado.

- Ai, ai, ai...isso dó muito.

- Até que você jogou bem...para quem disse que era sempre o último a ser escolhido na escola

- É. Eu era sempre o último

- Muito bem, soldado. Vamos continuar seu treinamento - diz o tenente, dando um belo tapa nas costas do rapaz, que cai no chão.

- Ai, ai. Pode me deixar aqui. Daqui eu não levanto

- Deixa de corpo mole! É agora que a gente treina de verdade

- Hã?

- Vamos voltar para casa correndo

- Correndo?

- Toma uma água e se prepara!

"Isso é o pesadelo de qualquer sedentário. Mamãe"

Thiago corre, corre e, com muito custo, consegue chegar na pensão morto (apesar dela não ser tão longe assim da quadra). As meninas ficam preocupadas.

- Thiago! Você tá bem?

- Tirando a parte que dói...do cabelo pra baixo..tá tudo bem

- Esse garoto tem fibra! Gostei dele! Tudo bem...tome um banho e descanse

- Era tudo que eu queria ouvir - diz Thiago, praticamente se arrastando até o banheiro.

- Cavalinho! - grita Stephany, praticamente derrubando o pobre no chão de vez - Vai, Thiago, me carrega?

- Ahhh!! Você não conhece a palavra piedade, menina?

- Que é isso? Você é mais forte do que pensa! Hahauhau!

"Essa garota.."

- Hahauhuaha. É isso aí. Amanhã de manhã a gente continua

Mariana e Renata se entreolham. É. Thiago estava com problemas nesses dias.

- O pai de vocês é bem animado, né?

- Como ele não tem filhos homens, deve estar transferindo para o Thiago o que faria com os filhos, né? - repara Renata

- Ele fazia algo parecido com a gente...mas não exagerava tanto. Mas sempre cobrou que a gente fizesse exercício todo dia. Por isso, acostumamos a fazer pelo menos umas cem abdominais toda noite - explica Mariana

- Ah, por isso vocês estão com esse corpão, né? - diz Raquel, sorrindo.

- Nem tanto - Mariana fica vermelha.

Thiago finalmente toma banho e se prepara para dormir. Pena que alguma coisa mudaria

- Isso aí, soldado - diz Zeca, deitado na cama de Thiago - Pode pegar seu colchão e boa noite

- Colchão? Depois de tudo ainda vou ter que dormir no chão?

- Deveria me agradecer por estar dando um pouco mais de força para esse seu estado raquítico. Amanhã cedo podemos...hmm...limpar até o último centímetro dessa casa. O que acha?

- Preciso dormir! Aaaah!!! - grita Thiago, só a tempo de pegar o colchão e se jogar.

"Essa estadia vai ser longa. Ai, ai."