Capítulo 103 - Corrente Maldosa

-Stephany! - gritou Thiago em alto e bom som daquela manhã de sábado, no meio do corredor, segurando uma camiseta furada (e bem furada). Era mais um daqueles difíceis momentos de sua vida como morador da pensão do seu Joaquim.

- Ai, meu ouvido! - reclamou Mariana, saindo de seu quarto incomodada com os gritos - O que foi, Thiago? Precisa gritar tanto assim,precisa?

- Também faria isso se visse uma de suas camisetas preferidas totalmente dilaceradas! - reclamou ele.

- Alguém chamou? - disse Stephany, aparecendo em cena com seu pijama verde claro com a parte de baixo já bem curta para o tanto que ela tinha crescido - Precisa chamar assim às oito da madrugada?

- Confesse, mocinha! - acusou Thiago, mostrando sua peça de roupa furada - Foi você quem fez isso? Achei que já tivesse bem grandinha para fazer esse tipo de brincadeira!

- Fiz o quê? - indagou a menina ainda sonolenta, mal podendo enxergar o furo na roupa - Do que você tá falando?

- Não se faça de desentendida, não! - falava o rapaz - Tem um rombo bem visível aqui na minha roupa

- E eu com isso? Tá achando que fui eu?

- Se não foi você, então quem foi? - perguntou Thiago.

- E eu sei lá. Vai ver tem traça no seu quarto - justificou a garota, dando as costas e voltando para o quarto, quando Mariana percebe alguma coisa de diferente no traseiro dela.

- O que é isso, Sté? - perguntou Mariana.

- Isso o quê? - estranhou a garota.

- O seu pijama...também tá furado - falou a loirinha, apontando para o traseiro dela. Mexendo ali, Stephany percebeu que era verdade.

- Nossa, sério mesmo? - disse ela, tirando a peça ali mesmo, para conferir mais de perto. Claro que Mariana ficou desesperada, tapando os olhos de Thiago na hora.

- Não fica mostrando a calcinha no meio do corredor, sua louca! -  gritou Mariana - Põe isso ou vá se trocar no quarto.

- Mas é esquisito - disse ela - Será que é um ataque de traças? Não é um rombo gigante, mas dá pra ver.

- Então você também foi vítima - disse Thiago, ainda nervoso com o ocorrido - Talvez seja mesmo um ataque de traças...

- Que bagunça é essa por aqui? - agora era seu Joaquim, chegando ao local segurando seu jornal de sempre dobrado - Logo de manhã?

- Ah, tio Joaquim - falou Mariana - Parece que estamos com traças pela pensão...

- Traças? Bobagem! Aqui é um lugar limpo, nem baratas aparecem por aqui, quanto mais traças - disse ele, ignorando o apelo de Mariana e abrindo seu jornal apenas para dar de cara com um furo logo na primeira página - Ei, o que é isso?

- O jornal também tá furado? - perguntou Mariana - Então a coisa tá feia mesmo!

- O que você fez, Timóteo? - disse tio Joaquim, batendo no pobre rapaz com o jornal.

- É Thiago! E eu não fiz nada! Deve haver mesmo traças por aí...

- Eu digo mais! - gritou Fabíola, saindo do banheiro segurando uma toalha - É um exército de traças!

- F-Fabíola?! - exclamou Thiago.

- Sei que é espantoso, mas vejam! Até na minha toalha tem um buraco!

- Não é isso - explicou Mariana - Mas você...você tá pelada!

- Oh! Foi mal! - desculpou-se ela, enrolando-se imediatamente apesar de ter deixado Thiago em choque - Mas se é mesmo um ataque de traças, precisamos arranjar um dedetizador!

- Dedetização, é? - falou seu Joaquim, ainda tentando ler alguma coisa em seu jornal furado - Será que tem alguma coisa nos classificados?

 Nisso, Raquel surge na sala segurando seu aparelho portátil com acesso à Internet. Ela tinha uma expressão preocupada no rosto e parecia ter uma resposta para os ataques de traça da pensão.

- Acho que o problema é maior do que isso - disse Raquel - Oh, sim, bom dia a todos.

- Bom dia - responderam eles. Ela tinha que ser educada mesmo em situações de crise.

- Então...é que...eu acabei de receber um e-mail sobre a maldição da fantasma invejosa.

- Maldição do quê? - indagou Mariana, com uma expressão nada crédula.

- Aqui diz que uma garota que não tinha dinheiro para comprar roupas acabou se matando de desgosto e de inveja das amigas mais ricas e hoje em dia seu fantasma ataca as roupas das pessoas - disse ela, totalmente assustada.

- Quanta bobagem - disse Mariana - Por que seríamos vítimas de um espírito de uma história tão sem pé nem cabeça.

- Além disso, ela tinha inveja de roupas, não? - perguntou Fabíola - Por que atacaria o jornal do pobre do seu Joaquim?

- Aqui diz que ela também detestava jornais, por eles terem exagerado nas notícias da morte da mãe dela - explicou Raquel.

- E além de tudo é órfã também? - disse Mariana.

- Coitadinha...deve ter sofrido muito - falou Thiago.

- Tá mesmo acreditando numa coisa dessas? - retrucou a namorada - É só coincidência. Fantasma...devem ter sido traças mesmo.

- Quem te mandou esse e-mail? - perguntou Fabíola.

- Não sei - falou Raquel - É uma corrente que andam passando...

- Correntes são só um monte de bobagem! - disse Mariana - Não temos do que ter medo!

- Ai, Jesus! - era dona Joana, segurando seu avental preferido - Furaram meu avental

- A senhora também, tia Joana? - perguntou Mariana.

- Não sei o que tá causando isso, mas a gente tem que dar um jeito logo! - falou tia Joana, desesperada - Não entendo muito dessas coisas

de internet, mas se for alguma coisa ruim, Deus-me-livre...a gente tem que dar um jeito.

- Mas o que podemos fazer? - ponderou Thiago.

- Aqui diz que se um rapaz jovem da casa fizer um ritual dançando de cuecas ao som de algum forró sucesso do ano passado, a maldição passará.

 Todos olham para Thiago.

- Ei, peraí. Por que eu?

- Faz logo isso, menino! - falou tia Joana - Se é o único jeito, a gente tem que obedecer!

- Pode ser traumático, mas você é o único rapaz jovem da casa - falou Raquel.

- Mas eu... - Thiago tentava argumentar.

- Vai, menino! Ou você quer que todo o pano dessa casa seja destruído?

- Todo o pano da casa? - repetiu Thiago, tendo uma visão naquele exato instante.

* Imaginação do Thiago *

 Thiago chegava em casa, após um duro dia de estudo e trabalho.

- Ufa, cheguei e...hã? - ele teve uma visão no mínimo estranha.

- Thiago! - balbuciou Mariana, em uma situação bem inusitada, juntamente com Renata, Raquel e Fabíola nas mesmas condições -

Aconteceu uma coisa horrível!

 Thiago estava paralisado, afinal, as garotas na sua frente estavam completamente sem roupa.

- O...que aconteceu? Vocês estão...estão...

- Peladas! É, eu sei! - gritou Mariana - Por sua culpa, todas as nossas roupas foram devoradas pela maldição da fantasma! Enquanto você

não fizer aquela dança para apaziguar a ira dela, vamos ter que ficar assim...nuas!

- Enquanto...eu não fizer a dança? - repetiu ele, sentindo seu sangue (e tudo o mais) subir.

- Você precisa fazer logo esse ritual, Thiago! - pediu Raquel, tapando suas partes, com um rosto envergonhado.

- Sim - disse Renata, essa mais desinibida - Ou você quer que nós nunca mais usemos roupas?

- Vocês...nunca mais usando roupas...realmente..isso é muito triste...

- Por que ele tá sorrindo? - perguntou Raquel para Mariana - A cara dele não condiz com o que ele tá falando..

- Thiago, seu miserável! - gritou seu Joaquim, agora até acertando o nome do rapaz - Faz logo essa dança, ou eu também não vou poder mais me vestir!

 A visão de seu Joaquim também com as roupas devoradas deixou Thiago branco. Bem branco.

- Thiago, tá me ouvindo! - seu Joaquim continuava a falar.

* Fim da imaginação do Thiago *

- Timóteo...tá escutando? - falou tio Joaquim.

- Aaaaahh!!! Não, por favor, isso não! - gritou ele - Tá bom, eu faço a dança, eu faço isso e...

- Dá pra ficar quieto, Thiago - falou Mariana - Espera um pouquinho..

 Mariana vai na direção de Stephany e olha furiosa.

- Stephany...

- O que...o que foi?

- Pode ir falando.

- Falando o quê?

- Foi você que inventou essa história e mandou esse e-mail, né? E ainda fez esses furos nas roupas, inclusive na sua própria para ninguém desconfiar.

- Eu? Não, eu..

- Fala sério, Stephany! Qualquer um sacaria isso! Você já fez pegadinhas melhores!

 Nisso, Stephany começa a gargalhar. É, aquilo denunciava tudo.

- Tá bom, tá bom. Eu confesso, fui eu, sim - falou ela, morrendo de rir.

- Stephany! Por que fez isso? Eu adorava essa toalha! E você fez esse baita furo nela! - falou Fabíola, esquecendo que Thiago e seu

Joaquim ainda estavam na sala de novo.

- Fabíola! A toalha... - avisou Mariana, suspirando.

- Opa! Foi mal! Esqueci de novo!

- Mas só de ver a cara do Thiago, valeu a pena - explicou ela - Ai, ai, relaxa, gente. Eu costuro todas as peças, mas...eu tinha que fazer isso. Faz tempo que não prego uma peça...

- Essa foi bem rápida - falou tia Joana, voltando ao trabalho - Mas acho bom costurar mesmo, heim, Stephany?

- E o meu jornal? O que vão fazer a respeito? - reclamou tio Joaquim.

- Eu também compro outro - disse Stephany.

- Se é assim...tá terminado. Fim de papo, gente.

- Espera, espera. Vão deixar isso acontecer assim mesmo? - reclamou Thiago - Essa menina apronta e nunca ninguém dá nenhum castigo. O que ela vai se tornar no futuro?

- Pretendia entrar na carreira política no meu futuro - respondeu Stephany.

- E ainda tem resposta pra tudo...Ora, você precisa de limites, Stephany. Se os seus pais estivesse aqui..

 Nisso, a campanhia tocou. Mariana foi até a janela ver quem estava ali.

- Nossa, isso é raro - falou Mariana.

- O que foi? Quem está aí? - perguntou seu Joaquim.

- São..os pais da Stephany.

 Stephany fica surpresa. Thiago não podia deixar de esboçar um sorriso maldoso.

 "Não acredito! Alguém ouviu minhas preces", pensou o rapaz, "Ha, ha! Finalmente vou poder ver alguma justiça nessa vida!"