Hellfire Club escrita por Kali, Kali


Capítulo 3
Chapter 3 — Hellfire Club




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Devagar, a mulher abriu seus olhos, ignorando a luz forte que brilhava acima de sua cabeça e a dor em suas têmporas. Pousou um pé no chão de madeira, e lentamente sentou-se na cama, sentindo uma rápida falta de ar antes de acostumar-se com tudo o que estava acontecendo. Gemeu ao tocar em seu peito, onde havia um buraco na blusa, e um curativo aparentemente limpo sob sua pele. As memórias invadiram sua cabeça como um soldado entra no campo de guerra, e ela conseguiu se lembrar de Lúcifer a apunhalando com sua adaga de ônix, em direção ao seu coração. Lembrava-se também de se teletransportar de Cobb Island e parar no quarto de motel onde Castiel estava, o pedindo por ajuda antes de apagar completamente.  

Observou o quarto por alguns segundos antes de se levantar de uma vez. Era um cômodo relativamente grande, com paredes pintadas de branco, e uma única janela com cortinas azuis escuras que trazia um pouco de iluminação externa para o ambiente. Havia um ar condicionado no canto superior da parede, de forma discreta, enquanto uma grande TV equilibrava-se diante de um sofá branco de couro. Haviam duas camas no local; uma king bed size, com dois pequenos criados mudos embutidos na cabeceira do móvel, e o do outro lado, uma pequena cama de solteiro, encostada à parede branca. Um quadro qualquer se equilibrava em cima da cama maior, e a televisão estava ligada num noticiário local qualquer que Laurel não tivera curiosidade em assistir. Passando os dedos pelos cabelos castanhos, ela suspirou, sentindo uma pontada dolorosa em seu peito. 

— Não achei que você fosse realmente me ajudar, sabia?

Castiel, sentado silenciosamente numa cadeira ao lado da cama, abriu um sorriso cansado e tristonho. Aquela cena lhe trazia memórias tão felizes e longínquas que fazia seu coração humano doer. Ele ficara contente por ter sido procurado, mas ao mesmo tempo extremamente preocupado, em pânico com o fato de que ela poderia morrer. Chegaria a ser cômico, se não fosse trágico... Ela mal chegara a Terra e já tinha a quem lhe matar. "Ironias do destino", o anjo pensou, enquanto apoiava os cotovelos nos joelhos para melhor poder encará-la. Laurel tinha a pele pálida, os cabelos escuros estavam levemente desgrenhados, os olhos acostumavam-se com lentidão à luz do quarto. Procurava algo com suas órbitas cor de café.  

— Ela desapareceu depois que a tirei do seu corpo. — ele explicou, fazendo a moça encará-lo com intensidade.  

— Maldito Lúcifer. — praguejou, cerrando os olhos e acertando o punho fechado com força contra o colchão debaixo de suas pernas. O anjo apertou os dedos entre as mãos, inquieto, recebendo a confirmação de suas dúvidas.  

— Então ele realmente fugiu...  

Laurel deixou os ombros caírem de forma desleixada e sua expressão claramente dizia "Sério?", numa face irônica que por breves segundos o fizera recordar-se das várias vezes em que ela o olhara daquela forma. Sacudiu a cabeça, decidido a colocar tudo aquilo à sete palmos de terra enquanto estivesse na presença da mulher. 

— Ligue os pontos, Cass. Se eu consegui fugir, você realmente acha que ele não conseguiria? — ela suspirou, fechando os olhos por breves momentos — Admito que talvez haja uma parcela de culpa que pertença a mim... 

— A você? — ele meneou a cabeça, com o cenho franzido, enquanto ela apertava com leveza o ferimento em seu peito — Por que você teria culpa na elevação de Lúcifer? 

Laurel ergueu-se da cama, alisando as pernas da calça e batendo suas palmas contra o casaco de couro em suas costas. Esticou os membros, girando a cintura e ouvindo-a estalar. Sentiu-se um tanto desperta, soltando o ar pela boca e respirando fundo, mesmo que não fosse exatamente necessário. De certa forma, aquele movimento a fazia pensar com mais clareza e fazê-la acalmar-se, algumas vezes, por completo. A fazia se sentir humana. 

— Eu não fui cuidadosa com meus passos quando fugi do abismo. — ela deu de ombros, conformada com seu erro — Quando ele saiu da Jaula, deve ter feito as mesmas coisas que eu e finalmente ter fugido do inferno.  

— O que você fez, Laurel? Para fugir de lá de baixo?  

Ela não pôde evitar a risadinha de escárnio que escapou de seus lábios, cerrando os olhos e sacudindo a cabeça negativamente, numa zombeteira forma de expressar sua malícia. Pousou as mãos na cintura, erguendo com leveza a blusa preta colada em seu corpo e deixando parte da pele morena de sua barriga à mostra por dois segundos. Algo no fundo de sua mente fazia-a acreditar que o anjo a conhecia muito antes de estar presa nas correntes, muito antes de ser presa e trancafiada no inferno. E algo — veja só, talvez divino — a dizia que ele nunca aprovaria todas as coisas que fizera para poder fugir do abismo. 

— Fiz coisas que você jamais acreditaria, Castiel. Fiz coisas que nenhum ser angelical jamais poderá aceitar, ou perdoar. — ela não possuía traços de receio ou arrependimento, o que fazia o anjo sentir o quão radicalmente Laurel havia mudado, e ele pôde sentir em sua graça o quão doloroso aquilo era para o mesmo — Então, pelo bem da sua "graça", não me pergunte sobre o que eu tive que fazer durante a minha estadia no inferno

Ela sorriu diabolicamente. Castiel suspirou, desistindo de insistir no assunto e caminhando até a pequena cozinha do quarto, despejando num copo de vidro um pouco de whisky no mesmo, e o oferecendo à mulher diante de si. Ainda sorrindo, ela aceitou o copo e o derramou em seus lábios, somente para rapidamente sentir a garganta queimar e sua pele chiar, ela engasgou e gemeu, soltando lentamente o ar pelo nariz e erguendo os olhos furiosos na direção do anjo. As órbitas estavam negras, e as veias escuras subiam por quase todo seu rosto, quase como uma máscara. 

— Ah, não o culpe, por favor, nós meio que o obrigamos a fazer isso. 

Uma voz masculina chamou sua atenção, e ainda sentindo dor e ouvindo sua própria pele chiar como uma televisão antiga, Laurel virou-se para trás, somente para ver Dean Winchester e seu irmão, Sam, abrirem a porta do banheiro e saírem do mesmo — o que, em outra situação, a faria soltar piadinhas maldosas e de baixo calão sobre os dois. O rapaz mais alto começou a murmurar uma oração em latim, enquanto o mais baixo, segurando uma faca com escritas sagradas em sua lâmina, aproximava-se devagar da mesma, com um sorriso vitorioso no rosto. Com seu rosto tremendo devido ao exorcismo, Laurel sorriu, entrando novamente no controle de seu corpo. Dean avançou, irritadiço, cortando o ar onde segundos atrás a mulher estava. Ela saltou para o lado e chutou a lateral da cintura do homem, lançando-o contra a parede do quarto. Abaixou-se velozmente e desviou do jato de água benta que Sam havia lançado contra a mesma, acertando outro chute para trás, acertando sua barriga e o lançando contra a televisão.  

Castiel resolveu interferir, erguendo sua mão na direção da mulher, a fazendo dar míseros passos para trás. Laurel, por sua vez, imitou seu gesto, jogando-o para trás com força, violento o suficiente para deixá-lo atordoado e abrir um talho na testa de sua casca. Com todos caídos no chão, ela tentou fugir, fechando os olhos para se teletransportar, mas percebeu que não conseguia se mover. Estava em cima de um tapete colorido, extremamente suspeito. Ao puxar a ponta do mesmo, pôde ver a armadilha do diabo desenhada em giz branco logo abaixo de si, e gritou irritada por ter caído naquele truque.  

— O truque da armadilha... — Dean riu, levantando-se do chão e limpando a lateral da boca, onde um fino e quase imperceptível filete de sangue escorria pelo seu lábio — Não acredito que você caiu nessa.  

— O que. Vocês. Querem? — ela perguntou devagar, rosnando com fúria. Sam, menos agressivo, abordou-a de modo mais sutil. 

— Castiel nos disse que esteve com Lúcifer. — ele explicou, com movimentos amenos. Algo naquela mulher o assustava, lhe deixava receoso — É verdade? Ele saiu do abismo? 

— O que você acha, Samsquatch? — a morena bufou, cruzando os braços, obviamente irritadiça — Ele saiu, e me deu uma boa surra, se quer saber. Eu quase morri, e de praxe, a alma da minha casca desceu no meu lugar. 

— O que ele quer com você? — Dean perguntou, sem rodeios, com os braços cruzados e os olhos claros vidrados nos castanhos da moça. 

— E você acha o que? Que sou a melhor amiga dele pra saber de todos os seus planos, porra? — ela replicou, cansada e furiosa — Ele quer que eu me torne sua esposa, acha que tenho de me tornar a "rainha do novo mundo".  

Samuel franziu o cenho, e Laurel quase conseguiu ver as engrenagens de seu cérebro movendo-se furiosamente na tentativa de desvendar os planos do demônio-mor. Já haviam se enfrentado antes, e conseguiam ter vencido, mesmo que com muita luta e esforço. Mas agora... Nem Castiel, nem nenhum dos irmãos pareciam saber o que fazer. "O que é que eles acham? Que eu sou um bode expiatório?", pensou, com o rosto voltado para o chão. Ela  suspirou, descruzando os braços e deixando-os cair ao lado de seu corpo, vendo o Winchester mais novo sentar-se na cama. 

— Olha, que tal me deixarem ir agora? — Laurel pediu, observando, principalmente, o anjo que estava em silêncio — Como vocês podem ver, — ela abriu os braços e se abaixou, de forma dramática, rebelde e sarcástica — não estou do lado dele

— Ah, eu não sei. — Dean sorriu, olhando-a com o rosto levemente caído para o lado — Como diabos vamos confiar em você? 

— Oh, Dean, acredite, você não me quer como sua inimiga agora. Então, seja um bom menino e me deixe sair.  

O Winchester riu de forma audível. Laurel havia ouvido histórias sobre os feitos daquele homem no inferno, sobre o que ele havia cometido para fugir das torturas de Alastair. Havia ouvido sobre como ele havia quebrado o primeiro selo para libertar Lúcifer da primeira vez. O homem fingiu ponderar, mas apenas pegou a água benta e jogou contra o corpo da mulher, assistindo-a queimar e soltar fumaça de sua pele. O demônio berrou de dor e caiu de joelhos, arfando e erguendo os olhos entre seus cabelos para observar Dean agachar-se diante da mesma. 

— Hum... Não sei. Eu não tenho fama de um bom menino. — ele puxou a adaga branca, poderosa o suficiente para matá-la, aproximando a lâmina sagrada de seu rosto.  

— Dean, espera. — Sam o chamou, puxando-o para fora do quarto, levando seu irmão até o hall do motel. 

Ainda de joelhos, Laurel bufou, sentindo a dor diminuir devagar enquanto ela se recuperava. Viu Castiel erguer sua mão para ela, mas a mesma apenas balançou a cabeça, levantando-se com dificuldade e sozinha. O anjo suspirou com tristeza, sentindo os ombros pesarem. Seu sobretudo pareceu ainda mais maciço sobre suas omoplatas naquele momento, e ele desviou o olhar da moça para qualquer outro lugar que não fosse a mesma. Ele remexeu as mãos nervosamente dentro dos bolsos, já incômodo pela demora dos dois irmãos, que decidiam o destino de Laurel do lado de fora. Impediu que o suspiro de alívio escapasse dos seus lábios quando Sam e Dean entraram no quarto novamente, com o irmão mais velho nenhum pouco satisfeito. Ela cruzou os braços, cerrando minuciosamente os olhos na direção dos dois. 

— Me dê um bom motivo para não mandar você de volta pro inferno. 

Ela o encarou sem expressão por breves segundos. O demônio se recusaria a voltar ao inferno, mas jamais se rebaixaria ao nível de casar-se com Lúcifer. Era claro que aqueles três estavam perdidos, e seria ela a liderá-los. Mas precisaria de ajuda para recuperar seu poder total para mandar o maldito de volta à sua Jaula. Ela suspirou e descruzou os braços, estreitando os olhos e moldando as palavras com sensualidade e sarcasmo. 

— Você sabe o que é escalar o inferno? Não, não sabe. Um anjo o tirou de lá, não foi? Você jamais vai saber o que é subir cada pedra, enfrentar cada outro demônio tentando tomar sua liberdade. Você foi privilegiado. — ela lambeu os lábios, observando a expressão dos três homens diante de si antes de continuar — Sabe, Dante foi o primeiro homem a descrever o inferno. E acredite, ele quase acertou. Não, ainda não temos o fogo eterno terrível, nem os demônios de cauda vermelha e tridentes que nos espetam enquanto sofremos em óleo fervente. Mas eu não preciso descrever como é aquele lugar, certo, Dean? Porque você já viu com seus próprios olhos. — ela sorriu, dessa vez, de forma verdadeira. Castiel sentiu seus ombros pesarem ainda mais com aquele sorriso, relembrando-se de tantas memórias passadas que havia tido a presença daquele belo sorriso — Todos nós aqui queremos derrotá-lo, isso é fato. Mas eu preciso da sua ajuda, e você precisa da minha. Então, acho que já podemos nos considerar parte de um grupo. Somos todos parte do comitê especial do Clube Hellfire.


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