Hellfire Club escrita por Kali, Kali


Capítulo 1
Chapter 1 — Raised




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Primeiro, um dedo escapou pela terra. Cavacando, tentando chegar a superfície, contorcendo-se como uma minhoca. Lentamente, seus outros quatro irmãos surgiam, e uma mão nascia das profundezas daquele terreno. As unhas, pintadas de preto, estavam suja graças à quantidade de vezes que precisou cavar enquanto procurava por ar. O braço saía devagar e com dificuldade, enquanto o outro membro superior o acompanhava. Flexionou-se para cima, usando do pouco de força que ainda lhe restava para finalmente alcançar o fim daquela pequena tortura. Os cabelos castanhos, descendo em cachos pela cabeça, estavam imundos, repletos de terra, desgrenhados e desfiados. A roupa que usava eram diferentes desde a última vez que estivera verdadeiramente livre, tal qual era o corpo. Aquela pobre jovem deveria ter sido morta e desovada naquela mesma manhã, já que seu corpo ainda estava fresco.  

Sentindo o vento suave contra seu rosto, e as gotas de chuva frias contra sua pele, ela enfim sentira-se viva em muitos, muitos anos. Havia perdido as contas de quantos séculos estava presa naquelas correntes, e ainda sentia-se extraordinária por ter se libertado e conseguido alcançar a Terra por sua própria conta e risco. Não fora fácil, ninguém jamais disse que seria, mas ali estava ela, livre das amarras dos anjos e do tempo. A moça saltou para fora do chão, vendo que, na verdade, a garota que havia possuído ainda estava viva, porém adormecida. Sua alma estava quieta, presa no fundo de sua própria cabeça. Ela deu de ombros, sorrindo, e seus olhos tornaram-se negros, tão negros quanto a noite que erguia-se sobre sua cabeça castanha. As veias ao redor de suas cavidades oculares também tornaram-se negras, subindo pela sua pele até mesclarem-se com os cabelos. Esticou as pernas compridas e estonteantes, vendo a calça jeans preta suja de terra subir com leveza, demonstrando por breves segundos seus calcanhares. O casaco de couro jogado em seus ombros era macio e a protegia do vento gelado, mas ela apenas o retirou de suas omoplatas, amarrando-o na cintura definida. A moça abaixou sua cabeça, apenas para examinar seu próprio corpo.  

Seios bonitos e ressaltados tomavam conta de seu tronco, enquanto o mesmo era continuado por uma barriga lisa e bem desenhada. As pernas eram belas, bem desenhadas, mesmo debaixo do jeans, e suas mãos eram delicadas, apesar dos dedos longos. Passou-os pelo cabelo, sentindo a maciez do mesmo, rapidamente expulsando folhas e terra de seus fios castanhos. Ela caminhou pelo terreno de onde havia acordado, observando ao redor, até ver o reflexo de luz de algo que estava jogado próximo às pedras, reluzindo graças à luz proeminente da Lua. Agachou-se e segurou o objeto entre seus dedos; um telefone de cor preta, onde no visor, dezenas de mensagens e ligações eram mostradas. A palavra "Maninha" escrita no contato fez a garota rolar os olhos, enquanto um sorriso irônico escapava de seus lábios levemente rosados.  

— Tantos séculos, e vocês humanos continuam sendo tapados. — ela resmungou, revirando novamente seus novos olhos cor de café enquanto tentava desbloquear o aparelho em suas mãos.  

Como a alma, dona daquele corpo, estava adormecida, não fora difícil para que o ser vasculhasse a mente da moça atrás do código do seu celular. Aproveitou para espiar a vida chata da garota a qual agora era sua hospedeira, e por breves, mesmo que quase imperceptíveis segundos, a criatura sentiu pena. Seu nome era Eveline Jackson, tinha apenas dezenove anos e tentava ser uma adolescente normal no meio de tantos imbecis da faculdade na qual estava cursando medicina. Era constantemente enganada e alvo de piadas, mesmo sendo muito bonita e inteligente. Filha bastarda de Jonathan Jackson, sua madrasta a amava como sua própria filha, e fazia de tudo para manter sua menina a salvo. O ser, mais uma vez, rolou os olhos ao assistir as memórias melosas e toscas que a mente da moça insistiam em reproduzir.  

Ela desbloqueou o aparelho em suas mãos, e tocou a tela para fazer uma ligação. A imagem de uma moça de cabelos ruivos escuros e olhos castanhos no mesmo tom iluminava o rosto daquela que ligava, e o sorriso feliz presente na fotografia fazia a mulher querer vomitar. Após alguns toques, a voz sonolenta de uma garota soou em seu ouvido, e ela precisou controlar-se para não agir de forma estranha e acabar se entregando.  

— Alô? 

— Olá, — o demônio sorriu, seus olhos tornando-se negros como a madrugada, ainda mais escuros do que os de qualquer outro ser das trevas — maninha.  

{...}

Laurel limpou os dedos sujos do líquido escarlate no próprio corpo daquele pobre homem. Talvez Charlotte, a irmã daquela garota cuja qual agora era sua casca, não aprovasse a atitude quando descobrisse, e até mesmo enlouquecesse, mas ela não ligava. Se a garota abrisse a boca, ela também estaria morta. Após a breve ligação que fizera, o que deixou a outra Jackson muito feliz, ela recebera dinheiro para poder viajar pelos Estados Unidos e divertir-se com seus brinquedos preferidos; os humanos. Era uma sensação indescritível estar fora do inferno após tantos séculos, e ela queria aproveitar cada mísero segundo daquele momento. O homem deitado no chão, com o peito aberto e sanguinolento, ainda tentava lutar para sobreviver, remexendo-se como um peixe fora d'água enquanto seu sangue escuro borbulhava dentro de seu tórax. O demônio se agachou, sorrindo, enquanto dedilhava a testa enrugada do homem pelo esforço que fazia. O rastro vermelho descia de sua fronte, passando pelo nariz e terminando num ponto perfeito entre a boca. A biblioteca da pequena cidade de Cobb Island, em Maryland, estava vazia devido às horas, então a mulher teria a noite inteira em paz para poder fazer o que quiser. 

— Você já experimentou sangue, Elijah? — Laurel sorriu, entreabrindo os lábios do homem para pingar uma gota do líquido em sua língua — É ótimo, não é? O sabor do ferro escorrendo por suas papilas gustativas, descendo lentamente pelo seu esôfago até chegar ao estômago... Você não pode me dizer que não é bom.  

O homem tentava falar, engasgando-se com a própria bile e sangue, enquanto a garganta rapidamente se fechava, conforme a mulher apertava seus dedos em forma de concha. Ele tentava gritar, desesperado, mas tudo que conseguia escapar de sua boca eram grunhidos fracos e gemidos vazios. Elijah Solomon era um dos professores de Eveline, o que ela mais secretamente odiava, diga-se de passagem. Era um homem de quarenta e cinco anos, cabelos ralos, face redonda, bochechas vermelhas e rechonchudas, olhos claros e, naquele momento, repletos de pavor, dor e desespero. Ele tinha espasmos, seus dedos tremiam em agonia, e lágrimas transparentes escorriam como rios indômitos pelo rosto gordo. Laurel estalou os dedos, e as gotas ficaram mais espessas, fortemente vermelhas e com cheiro de ferro. Mais uma vez, ela se agachou, mas então, o sorriso de escárnio em seus lábios desapareceu, e seus olhos tornaram-se totalmente negros, assim como suas veias, cerrados, e uma expressão de ódio e desapontamento tomou conta de seu rosto, outrora, angelical. 

— Oh, não, Elijah... Você não fez isso.  

Ela agarrou o pequeno pingente que estava preso entre os dedos do homem e o arrancou de sua mão, quebrando-o em dois e jogando os pedaços para longe. Laurel não se importava sobre a origem daquele pingente, e nem como Solomon havia o encontrado, mas o que a preocupava era que tipo de criatura ele havia convocado. Agora era tarde, mas ele iria pagar pelo o que havia feito. Nenhum outro ser sabia de sua fuga do inferno, e aquele pingente poderia ter alertado todos os outros que estavam ao seu redor. Ela ergueu a mão, pronta para quebrar o pescoço daquele maldito, quando seu pulso foi envolvido por uma palma quente que a puxou para trás, afastando a mesma do homem extremamente ferido. Os olhos negros pareciam soltar pequenas flamas da mesma cor enquanto ela reconhecia a figura parada à sua frente. Sua casca era muito diferente desde a última vez que haviam se encontrado, a séculos atrás. Os olhos eram azuis claros, bonitos, estavam cerrados e surpreendidos. Os cabelos escuros estavam arrumados, pareciam sedosos, e o olfato aguçado do demônio podia claramente dizer que cheiravam a dálias. Uma barba rala crescia pelo seu queixo e sua garganta, lhe dando um ar ainda mais superior. Usava uma camisa branca, com uma gravata preta, calças sociais escuras e sapatos de couro engraxados, além de um sobretudo bege que cobria seu corpo. Sua graça era visível através de seus olhos claros. Laurel sorriu com amargura e ódio.

— Castiel... — ela falou devagar, como se saboreasse o nome do anjo em seus lábios — Quanto tempo, não é mesmo?  

— Laurel... Como você escapou? — ele estava surpreso, não acreditava que algum dia ele poderia vê-la novamente. 

— É uma grande surpresa, não? — o demônio riu com amargura, cruzando seus braços debaixo dos seis — Acredite, foi uma longa jornada para chegar até aqui. Passei por cima de muitos, na verdade, eu já perdi a conta de quantos se foram. Mas, diga-me, por que está tão surpreso? Você não achou que eu fosse ficar presa por muito tempo, achou? Tolo... 

Ela então investiu, evocando uma adaga de material antigo e desconhecido pelo anjo. Cortou o ar diante do mesmo, visto que ele havia desviado. Castiel acertou um chute contra a barriga da moça, jogando-a para longe o suficiente para evitar a adaga de perfurar seu estômago. Laurel rosnou e avançou mais uma vez, acertando um corte não tão profundo contra o braço da casca do anjo, que queimou com violência, o fazendo sentir uma dor excruciante. Desviou de outro ataque da mulher e tocou seu rosto, usando o máximo de sua graça para poder apagá-la. O demônio, por outro lado, não desistiria tão fácil. Ela segurou a bochecha do homem, e sua palma começou a queimar em suaves chamas negras, tais quais seus olhos. Anjo e demônio soltaram gritos guturais, e uma forte luz cinzenta explodiu entre os dois, lançando-os para lados diferentes, fazendo Laurel bater contra a parede e Castiel quebrar a pilastra. Ambos levantaram-se com dificuldade, e querendo evitar mais conflitos, a mulher desapareceu num piscar de olhos, deixando para trás um anjo confuso, e temeroso com o futuro. 

{…}

— Então tem um super demônio descontrolado à solta pela cidade de Cobb Island? Há, me diga como isso pode piorar... 

O homem de cabelos castanhos compridos passou as mãos pelos mesmos. Samuel Winchester suspirou enquanto sentava-se na cama, vendo o anjo limpar cuidadosamente seu ferimento causado pela adaga do ser falado em questão. Depois de tudo o que o ser angelical havia passado, era um tanto surpreendente para ele ver a expressão dolorosa na face de Castiel. Dean Winchester, do outro lado do quarto do motel em que se encontravam, tinha as mãos apoiadas na mesa de madeira, e a cabeça abaixada entre elas, pensando em como aquela situação poderia ficar pior. Os três homens encontravam-se em Rock Point, a apenas cinco quilômetros de Cobb Island, cidade onde o anjo havia enfrentado a tal Laurel. Entretanto, duas coisas preocupavam a cabeça dos irmãos: como o anjo havia a encontrado, e o porquê os dois se conheciam.  

— Se ela escapou do inferno, vocês sabem muito bem quem pode ter tido a mesma sorte. — Castiel resmungou, pousando o pano sujo de sangue angelical em seu colo. 

— Lúcifer... — Sam resmoneou, encarando o nada por alguns segundos — Como foi que você a encontrou, Cass? 

— Um homem tinha um amuleto benzido. Ele pediu por ajuda e eu escutei. — respondeu, estranhamente sombrio — Laurel estava presa a muito tempo... Realmente não faço ideia de como ela pode ter fugido das correntes. 

— Você parece saber bastante sobre ela. — Dean sugeriu, cruzando os braços e escorando a base de sua coluna na mesa onde estava apoiado. Castiel o encarou sem expressão. 

— Sim, eu a conheço. Eu a prendi no inferno com correntes banhadas em sangue angelical. 


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