Vitória Ventura já havia sido a mulher mais rica de Campobelo. Viúva do prefeito da cidade e uma das herdeiras da Vinícola Ventura, vivia praticamente só no casarão da família embora o enteado Bento ainda morasse lá. Não tivera filhos e não casou-se novamente, apesar de pretendentes não lhe terem faltado. Muito raramente visitava a vinícola, que ia de mal a pior devido aos anos de negligência e má administração de Bento. Haviam, conjuntamente, tomado a difícil decisão de vender a empresa e as propriedades, única e difícil solução para quitarem todas as dívidas. A terra em Campobelo era uma das melhores do sul para o plantio de uvas, embora outras cidades vizinhas, Bellarosa, Sapucaia, Ijuí, enfim, todas da região, fossem igualmente prósperas. Várias vinícolas que lá se estabeleceram iam muito bem, com vinhos premiados até mesmo no exterior. O vício do enteado, no entanto, havia levado o trabalho de uma vida toda, mais do marido que dela mesma, àquele ponto. Vitória não podia sentir-se mais deprimida e ansiosa por seu futuro. Não tinha parentes na região. Sua única família era a cunhada, também viúva, e os sobrinhos. 

Mantinha, no entanto, o que lá chamavam de "um ar de rainha", vivendo da mesma forma cômoda em meio à crise evidente. Tinha como empregados uma cozinheira, um mordomo, que também lhe servia as refeições, e as moças para a limpeza da casa, de muitos cômodos, e trato com as roupas. Bento entendia a casa como um hotel, onde aparecia e de onde depois se ausentava por dias, sendo encontrado bêbado em algum canto da cidade e socorrido pela madrasta, já acostumada com tal comportamento. Ele havia sido casado e tinha uma filha de 13 anos, mas a própria mulher não suportou seu estilo de vida e falta de responsabilidade.

Há meses a vinícola já havia sido colocada à venda sem que aparecesse nenhum interessado. Vitória imaginou que as próprias vinícolas locais se interessariam pela compra, mas não foi o que aconteceu. Bento havia conseguido levar a empresa à falência e o dinheiro que precisava ser injetado novamente para reerguer a Ventura era muito. Mas naquela tarde, Vitória recebeu uma carta de uma grande exportadora de vinhos de São Paulo interessada em visitar a empresa e as propriedades. Animou-se com a possibilidade da venda. Naquele meio, todos sabiam das condições de cada concorrente e se essa empresa procurava a  Ventura, sabia certamente da falência e, ainda assim, mostrava-se interessada. Não importava se a venderia bem. Bento teria que concordar com qualquer proposta àquela altura.