As chaves Infernais escrita por LarissaTeles


Capítulo 5
Capítulo 4 - A SERPENTE DO CASTELO NEGRO




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E foi assim que a minha jornada em direção ao inferno começou. Lá estava eu, no banco do carona de uma BMW novinha, enquanto Jerry dirigia e tagarelava ao meu lado. O demônio não parava de falar sobre o quanto eu havia sido maldosa naquele dia e como ele não poderia estar mais orgulhoso de mim. Não havia nada de grandioso em ser a responsável pela morte de três pessoas, por mais que uma delas tivesse merecido. Então permaneci calada durante a maior parte do trajeto. Era noite, e o brilho da lua cheia tinha um efeito assombroso nos cabelos platinados do motorista. Seus olhos pareciam dois faróis na escuridão, atentos e entusiasmados, um verde e o outro escarlate. Eu me perguntava há quanto tempo ele não via os seus camaradas do inferno.

— Quatrocentos e noventa e um anos. — Ele respondeu de imediato, assustando-me. — E não chame a nossa casa de inferno, muito menos perto dos meus irmãos, você pode ofendê-los.

— Consegue ler os meus pensamentos? — Eu perguntei, incrédula.

Jerry deu de ombros, pegando um atalho à direita que nos levaria a um grande túnel.

— Geralmente. Mas prefiro não fazê-lo, você me assusta às vezes.

— Mas isso não é um pouco contraditório? Na catequese me disseram que apenas Deus sabe o que se passa dentro das nossas cabeças.

— Oh, então você tem a coragem de admitir para um demônio que já foi à catequese?

— Um par de vezes. A minha mãe era uma mulher extremamente religiosa. — Retruquei. Tinha o baralho da morte entre os dedos, estudava as cartas e as embaralhava conforme as decorava. Jerry me explicou que a maldição contida nelas só é efetiva quando as lia em voz alta. — E não tente mudar de assunto.

— Sinceramente, Claire, eu achei que você fosse mais esperta que isso. — Ele reclamou, enfiando o carro no túnel. A iluminação ficou mais precária. Se não fosse por algumas luzes no teto de pedra curvilíneo, não conseguiria sequer enxergar um palmo diante do meu nariz. Mas o demônio parecia estar satisfeito com a repentina escuridão. Deveria estar acostumado. — A bíblia tem centenas de traduções e diferentes versões. Foi adulterada e tirada de contexto milhares de vezes. Não sei porque ainda tem gente que acredita nessa velharia. Está tudo mudado! Da última vez que eu dei uma olhada numa versão ocidental, por puro esporte, os homossexuais estavam proibidos! E pior ainda, proibiram o torresmo! Você já comeu torresmo? Ou uma costelinha de porco? É uma delícia! Não dá pra acreditar nessa merda.

— Então isso significa que tanto anjos quanto demônios podem ler pensamentos humanos?

— Não. Além de Yahweh, apenas membros da nobreza celestial são autorizados. Tais como serafins, querubins e arcanjos.

Franzi o cenho, fitando o seu rosto de perfil. Reparando agora, não me lembrava de nenhum demônio patenteado com o nome Jerry.

— E qual desses era você?

O asfalto se abriu numa rampa para baixo, nas entranhas do chorume. O carro escorregou como uma flecha, deixando-se ser engolido pelo buraco. Agarrei-me às cartas para que não voassem. Ainda bem que eu estava usando cinto de segurança. Ele abriu um sorriso largo, carregado de escárnio.

— Divirta-se tentando descobrir.

*****

O calor pungente subia das profundezas e se alastrava pelo local abafado. A música estava tão alta que parecia fazer o chão tremer sob nossos pés. Parecíamos estar entrando numa rave, mas tudo o que Jerry tinha em mente era quanto tempo tínhamos até que algum idiota desordeiro resolvesse arranhar o carro que estava estacionado. As luzes coloridas brilhavam mais adentro, absolutamente hipnotizantes. Havia um grande portão de ferro à nossa frente, guardado pelo bichinho de estimação de Satã. As silhuetas que dançavam depois daquele portão eram na verdade almas condenadas.

— Bem vinda à Sheol, mademoiselle. — Jerry disse, respirando fundo o ar quente do lugar. Estava mais do que claro que ele já se sentia em casa.

— Se alguém um dia me dissesse que o inferno se parece com uma versão maior e mais fedida do Tomorrowland, eu não teria acreditado.

— É, nós inventamos isso aí também. — Ele riu, conduzindo-me pela fila com dezenas de almas pecaminosas. No final dela, encontrava-se uma bilheteria. Os demônios tinham privilégios em Sheol, e isso também incluía furar filas na maior cara de pau. — Boa noite, Gertrudes. Que tal me arranjar dois tickets para o show, huh? Em nome dos velhos tempos. Juro que te pago depois.

A mulher, que tinha uma verruga enorme no nariz e uma cara de poucos amigos, rolou os olhos.

— Você já me deve uma fortuna, traste. Não pense que eu esqueci.

— Oh não, de maneira alguma, tenho uma excelente memória. Mas eu sei que a senhora possui um bom coração e vai me deixar entrar.

— Por que eu deveria? Levi está puto contigo e esse é o território dele. Não quero que sobre pra mim depois, sem chance.

— Ah, qual é! Isso foi há quase quinhentos anos atrás. O cara nem deve se lembrar! — Ele estava tentando o seu melhor para persuadí-la. Mas começou a ficar sem muitas opções, então finalmente recorreu à minha presença. — E além do mais, eu trouxe essa dama adorável comigo.

Eu sorri de imediato e acenei.

— Olá, eu sou a Claire. É um prazer conhecê-la.

— Viu só, Trudy? Ela é realmente adorável e está sob os meus cuidados. Não há com o que se preocupar.

A atendente me olhou como se sentisse pena da minha situação. Os cabelos grisalhos indicavam que ela era, na verdade, o espírito de uma pessoa que morreu aos setenta e oito anos. Duvidava que demônios envelheciam desse jeito. E se faziam, escondiam os indícios da idade tal como o diabo foge da cruz. O quê? Não fique assim tão surpreso, eu assisti a primeira temporada de Supernatural. Sei do que estou falando.

— Argh! Tudo bem. — Gertrudes logo murmurou, encolhendo os ombros e imprimindo dois tickets dourados. Ela parecia exausta. — Só não se metam em confusão, por favor. O meu expediente já está acabando, não quero mais problemas.

— O seu desejo é uma ordem, querida. — Jerry piscou para ela, esbanjando todo o seu charme. E em seguida, pegou os tickets. Ao virar para mim, notei sua expressão ficar repentinamente séria. — Não vá se acostumando.

Os grandes portões góticos esculpidos em metal se abriram no instante em que apresentamos os nossos bilhetes. As outras almas, que esperavam pacientemente pela sua hora de entrar, reclamaram em alto e bom som, pedindo para que não nos deixassem passar, mas foram ignorados. Pelo visto, até quando você morre o mundo te trata como um pedaço de merda. Ninguém gosta de ser passado para trás, muito menos por uma versão masculina da Elsa. Então era razoavelmente compreensível. Só não espere que eu vá bancar a solidária e peça para que Jerry espere a sua vez de entrar com os outros. Nem fodendo. Eu tinha assuntos muito mais urgentes pra acertar.

— Só por curiosidade, quantas legiões te odeiam por aqui? — Perguntei casualmente, enquanto entrávamos na rave. Imagino que quando se está morto, você não precisa mais tomar um "doce" pra curtir todos os dias da festa. Deve ser por isso que as figuras ao meu redor dançavam como verdadeiros animais. — Eu preciso saber se estar na sua companhia é mesmo um bom negócio.

— Nunca foi. — Ele garantiu, mas o som de sua risada foi abafado pela versão remixada de A Handsome Stranger Called Death. — Não se preocupe com isso. Levi e eu somos... bons amigos.

— E o seu amigo Leviathan costuma sempre dar festas assim? — Perguntei, enquanto Jerry abria caminho entre a multidão e me puxava pela mão.

— Não, na verdade, ele as odeia. Se o conheço bem, deve estar enfornado em seu escritório agora mesmo. Essa é apenas uma comemoração de despedida de temporada.

Então eu percebi o quão alheia aos costumes demoníacos eu estava. Se quisesse me vingar de Leviathan pelas mortes que Sarah causou, ao menos teria que conhecer o inimigo. Decidi que agir pelo impulso da raiva poderia acabar me matando. E eu estragaria as coisas não só para mim, mas também para Jerry - que parecia estar arriscando o próprio pescoço para me levar até o submundo. Seria muito mais eficaz descobrir primeiro o porquê de Leviathan ter feito isso, investigá-lo. Aumentei o volume da minha voz para que Jerry pudesse me escutar. Aquilo fazia a minha garganta arder.

— Tipo primavera e verão? 

— Quase isso. A única diferença é que aqui em Sheol as temporadas são divididas pelos sete pecados capitais. Pra ser sincero, tudo aqui é dividido por alguma coisa. É uma droga.

Não consegui entender muita coisa do que o demônio disse, mas não tive muito tempo para assimilar o resto já que uma mulher de beleza estonteante esbarrou em mim. E não teve nem mesmo a decência de se desculpar. Ela usava um longo e justo vestido azul-naval, com um rasgo desde uma das coxas até a ponta do tecido, que brilhava quando a iluminação da festa tocava as lantejoulas. Também tinha um copo nas mãos e bebericava seu drink como se este fosse feito de ouro. Não era. Pela cor do líquido eu poderia deduzir que se tratava de frutas cítricas. Ela sorriu ao reconhecer a figura ao meu lado.

— Papai! — Ela exclamou, tomando-o num abraço apertado.

— Volúpia! Há quanto tempo, querida! — Jerry a saudou, retribuindo o gesto de carinho. Mas o abraço mostrou-se mecânico demais, como se ambos não estivessem verdadeiramente sentindo afeição. Acho que os demônios não devem ser muito íntimos das emoções humanas. — Como estão as coisas? Onde está a sua mãe?

— Sheol tem estado uma loucura desde que você partiu. Mamãe é a única que consegue segurar as pontas e evitar que isso aqui vire um completo pandemônio.

— Você é casado? — Perguntei, interrompendo a reunião de família.

Mas antes que Jerry pudesse responder, os olhos azuis de Volúpia pairaram sobre mim com imensurável curiosidade e admiração. Ela estava boquiaberta, apontando para mim como se estivesse vendo um fantasma. O que era estranho já que ela estava rodeada deles.

— Não acredito! Você a encontrou?! — A morena arquejou, olhando para Jerry e depois para mim. 

Ele assentiu com a cabeça em resposta. A estranha tocava as minhas bochechas e as apertava, apenas para checar se eu era mesmo feita de carne de osso. Me senti extremamente desconfortável; ora, qualquer um se sentiria. Mas aquela criatura emanava uma energia diferente, era pavoroso o efeito que seu toque gélido tinha sobre a minha pele. Sentia-me cada vez mais decadente e triste. Eu estava sozinha no mundo, afinal. Sem amigos, sem família, não havia mais salvação para mim. A nostalgia era efervescente e me consumia, trazendo-me para o fundo do poço a cada vez que suas digitais eram pressionadas contra a minha epiderme, mesmo que sem querer. E então, como se tivesse lido meus pensamentos novamente, Jerry afastou de mim a sua filha. No mesmo instante, a sensação de solidão me abandonou.

— Quando? Como? Levi sabe disso? — Volúpia perguntou. Estava preocupada.

— Bem, é uma longa história. Mas ele não sabe de nada... Ainda.

— Com licença, vocês se importariam em me dizer o que diabos está acontecendo? — Protestei irritada. 

— Aqui não é o melhor lugar para termos essa conversa, Claire. — Jerry disse, seus olhos observavam com desprezo um garoto punk iniciar uma briga com mais três caras. — Vamos encontrar Leviathan primeiro e eu prometo que irei te contar.

O sorriso de Volúpia logo apareceu. Aparentemente, tudo o que um demônio precisa para se entreter é um pouco de caos.

— Ótimo, deixe-me conduzir vocês até o escritório dele. 

*****

A morena nos guiou até um rio horizontal, bem longe de onde a festa acontecia, cujas águas eram negras como o ébano. E ainda assim, haviam casais copulando nas margens do mesmo ou entre os arbustos recém aparados. As posições que eles imitavam me fizeram imaginar o quão legal seria não ter mais ossos e ganhar toda essa flexibilidade. Em contrapartida, os amantes fantasmagóricos eram exagerados e escandalosos. Não é à toa que Leviathan se escondia num escritório até todo mundo ir embora. Se esse fosse o quintal da minha casa, eu também ficaria puta.

— Ah, pelo amor de Sheol, pare de olhar! — Jerry reclamou, impaciente.

— O quê? Não brigue comigo, a culpa não é minha. — Retruquei. Tinha um sorriso sacana nos lábios que apenas Tristan fora capaz de vislumbrar. — Mamãe sempre me ensinou a prestar atenção em conteúdos educativos.

Jerry rolou os olhos e Volúpia desatou a rir.

— Ela é sempre assim?

Estranhamente, a mulher parecia achar graça nas idiotices que eu falava. Como se eu a lembrasse de uma velha amiga. Seu olhar era sempre terno na minha direção. Então não demorou muito para que eu finalmente entendesse a razão por trás de seu nome, ela era inegavelmente magnética. No entanto, ainda estava curiosa para saber que tipo de demônio era ela. Volúpia não me deu muito tempo para pensar sobre isso, cortou a palma da mão com uma das unhas e deixou o sangue pingar na água negra e densa. Três gotas foram o suficiente para que um barco aparecesse no pequeno cais.

— Não. — Jerry respondeu, carregando-me para dentro do barco antes que eu pudesse me juntar aos casais que outrora sopravam-me beijos. — Ela é bem pior.

Eu bufei irritada, como uma pequena criança birrenta. Tinha os meus direitos, afinal. Não é toda hora que a incrível oportunidade de participar de uma suruba no inferno aparece para meras mortais como eu. Jerry sentou ao meu lado no barco de madeira lustrosa. Havia crânios de bebês decorando as bordas. Volúpia entrou logo em seguida, de uma maneira tão delicada que me lembrou uma dama da Era Vitoriana. O barco deslizou sobre a água pouco depois, como se o peso de três pessoas significasse nada. Nem mesmo um barqueiro para conduzí-lo fez-se necessário. O que para mim foi uma grande decepção, já que eu esperava que o Hades fosse exatamente como na mitologia grega. À medida que chegávamos mais perto da outra margem, a névoa tornava-se mais vasta. Não conseguia enxergar nada do outro lado a não ser o breu daquela noite e o brilho das estrelas.

— Tem certeza de que é esse o caminho? — Perguntei entediada, deslizando as digitais na água.

Notei pequenas figuras se mexendo ao redor do meu dedo semi-submerso, e logo concluí que se tratava de alguma espécie de peixe satânico. Fazia cosquinha. Que adorável.

— Sim, o Castelo da Inveja é feito de mármore e diamante negro. É por isso que fica difícil enxergá-lo no meio de toda essa névoa. Por mais grandioso que ele seja. — Volúpia explicou.

— Aposto que Leviathan fez de propósito.

— Ele fez. — Jerry retrucou. Estávamos chegando. — Preto é a cor favorita dele. Agora tire o dedo da água, por favor, está tocando em restos de aborto.

Fiz uma careta de nojo e puxei meu braço para longe do rio o mais depressa possível. O barco encostou-se num outro cais e eu pude ver agora as formas que moldavam o castelo diante de mim. Ele era imponente e majestoso. As estrelas que tinha visto antes eram nada menos que o brilho dos diamantes. Havia legiões guardando a entrada da fortaleza. Alguns possuíam chifres e asas e outras peculiaridades animalescas. Cinco deles nos conduziram para dentro do Castelo assim que nos viram desembarcar. Todos ali pareciam estar familiarizados com a presença de Volúpia, mas Jerry era a novidade.

Os murmúrios ecoaram quando os portões se abriram e nós fomos empurrados para dentro dos corredores maciços e muito bem decorados. Parecia loucura minha, mas estava ouvindo o som de muitas águas correndo dentro das paredes de mármore, provavelmente através de canais, era quase uma sinfonia assombrosa. Havia um par de vasos de porcelana chinesa ou de marfim a cada dez passos que dávamos. Sem falar nos belos candelabros ostentados por todos os lados como se tivessem sido tirados dos aposentos de Maria Antonieta. Meus pés faziam passagem sobre a pelagem macia de um leão albino, a melhor opção de tapete que já vi na minha vida. As flores que enfeitavam os vasos eram constituídas das espécies mais raras e aromáticas já catalogadas na Terra. Eu estava começando a achar que essa era a principal função do castelo de Leviathan: causar inveja.

— Espero que Leviathan goste de ser chamado de senpai. — Comentei sarcasticamente.

Jerry simplesmente deu de ombros.

— Não, ele prefere daddy. 

Os guardas pararam em frente a uma porta de vidro grosso e vermelho, as maçanetas eram de prata e Volúpia fez questão de forçá-las para dentro. E eu finalmente pude vislumbrar o escritório do demônio que provocou a morte do meu melhor amigo. Havia uma infinidade de quadros pendurados nas paredes, todos com a face da mesma mulher em ocasiões e posições diferentes. E em todas as molduras ela se parecia comigo, só que mais velha.

— Ora, ora, ora... O filho pródigo à casa torna. — A voz vinda da poltrona de veludo que estava virada de costas para nós ecoou, e era suave como o sibilar de uma serpente. — Veio para me desafiar no torneio de amanhã, Asmodeus?

— Eu bem que gostaria, Levi, mas deixei o arroz no fogo. — Jerry respondeu.

Não pude conter o riso, mas tentei abafá-lo com as mãos. Acho que foi por causa do barulho que a poltrona vermelha fez uma rotação de cento e oitenta graus. O homem que surgiu através desse movimento tinha cabelos castanhos e um maxilar forte. A barba estava impecavelmente feita e rente à sua pele. E os olhos incrédulos que me fitavam agora eram tão sombrios e lúgubres quanto a parte mais profunda do oceano.

Os lábios de Leviathan proferiram um nome. Mas não era o meu.

— Mabel?

Olhei para os lados, procurando a pessoa a quem ele chamara. Não havia mais ninguém, com a exceção dos guardas e de nós mesmos. Volúpia pousou a mão sobre o meu ombro e a sensação de solidão voltou à tona. Tirei-a de perto de mim, ainda que ela ficasse ofendida. Eu não precisava de mais motivos para ficar depressiva.

— Está falando comigo?

— Mas é claro que eu estou, meu amor! Não me reconheces mais? Te procurei por toda parte.

— Pare com isso, Levi. Está me dando pena. — Jerry murmurou, dando alguns passos para frente afim de se aproximar da mesa do príncipe da inveja. — Mabel está morta. Você esqueceu?

Leviathan estremeceu, os olhos castanhos transmitiam um turbilhão de emoções. Angústia, arrependimento, tristeza e ódio. Como se a sua última esperança tivesse sido arrancada de seus dedos. Eu não imaginava que alguns demônios pudessem sentir um terço dessas coisas, mas este certamente havia aprendido a cativar as nossas emoções com alguém. E ele estava em fragalhos, transtornado e prestes a colapsar.

— Não, Asmodeus. Eu me lembro. — Leviathan parafraseou, cada sílaba era mergulhada mais profundamente na ira. Até que o homem pôs-se a berrar para os quatro cantos do mundo. — Você a matou!

— Espera, eu juro qu-

O que aconteceu a seguir foi rápido demais para os meus olhos registrarem com clareza. Num momento Leviathan estava sentado com as mãos na mesa, e no minuto seguinte várias folhas de papel foram empurradas para o chão e ele subiu no mogno polido apenas para alcançar o pescoço de Jerry com a força de um leão. Estrangulava-o como se ele fosse um boneco do Bart Simpson. Ambos caíram no chão; Levi contra Asmodeus. Eu sabia que Jerry poderia simplesmente revidar e tirá-lo de cima de si. Ele era mais do que capaz de ganhar aquela luta. Então por que estava deixando que seu irmão o machucasse?

Volúpia tentava em vão afastar aqueles dois cães briguentos. Ela praguejava enquanto puxava o corpo tenso do moreno de cima de Asmodeus. Até mesmo os guardas tentaram apartar a confusão, mas era praticamente impossível conter a força de um príncipe do inferno. Não tive muito tempo para permanecer em choque. As minhas mãos logo procuraram um vaso de porcelana para atirar na cabeça de Leviathan.

O príncipe parou no ato. Seu cabelo comprido estava cheio de cacos - que caíram na medida em que ele erguia a cabeça para me encarar. O movimento foi lento. Eu segurava a minha respiração.

— Guardas, levem-na para o Quarto de Esmeras. Agora!

Um demônio com dentes de morcego segurou o meu braço. Volúpia compadeceu-se de mim.

— Levi, por favor...

— Basta! Nem mais uma palavra, lilin maldita. Você traiu a minha confiança quando os trouxe aqui. Nós conversaremos mais tarde. 

Eu me debati contra o pulso do demônio-morcego e quase consegui escapar. Mas outro logo se juntou ao infeliz e ambos imobilizaram os meus braços. Jerry, por outro lado, recuperava o fôlego. Ainda deitado no chão, tinha as mãos massageando a própria laringe. Suas tosses foram a ultima coisa que eu consegui ouvir antes que me arrastassem para fora do escritório e fechassem a porta. Droga.


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Notas finais do capítulo

Não que essa seja a minha única motivação para escrever, mas é sempre bom mandar reviews. Afinal, isso deixa o coração de qualquer autora mais quentinho. E me incentiva a continuar postando.