As chaves Infernais escrita por LarissaTeles


Capítulo 1
Prólogo - A BATALHA DO CÉU PÚRPURA




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Talvez um dia eu entenda porque as pessoas esquecem de sorrir nas situações mais singelas, ou porque a ambição é tão cruel quanto o silêncio delas. O fato é que o ser humano nunca está satisfeito. Carros, mansões, um bom emprego... Nada é o suficiente. Pessoas são propensas a desejar mais do que podem obter. Talvez isso me torne, de certo modo, humana. Meus desejos e sonhos. Ou pelo menos os que eu costumava ter.

No momento há apenas um vazio em mim. Um vazio que só pode ser preenchido por uma alma humana. Algo que eu perdi há muito tempo atrás e tento recuperar desde que me lembro. Nessas décadas em que estive passeando pela terra, finalmente parei para analisar costumes peculiares que me deixaram bastante intrigada. Como a curiosidade que as pessoas normalmente tem quanto a espiritualidade. Reparei numa infinidade de religiões, que surgiram de épocas remotas, quando eu nem imaginava habitar um corpo.

Todos querem saber se há céu ou inferno. Anjos ou qualquer outro ser que possua chifres, asas, formas estranhas ou poderes sobrenaturais. Aí é que começa a punheta mental: o inevitável, porém enfadonho, medo de morrer. Ou melhor, medo do que vem depois da morte. Eu já estive lá, e garanto, não é um bom lugar. Anjos e demônios existem e ponto. Ponha uma coisa na sua cabeça: nenhum deles está do seu lado. Afinal, porque diabos um anjo protegeria um reles humano? Por um mero mandato de Deus? Esqueça. Você está só, você nasceu sozinho, e é assim que vai morrer.

Espíritos malignos interferem na vida humana por mera diversão. Eles não querem exatamente o nosso caos, apenas se entretém em cima disso. Há milênios atrás houve a grande batalha do Céu Púrpura - travada exclusivamente entre anjos e demônios - e desde então as divindades celestiais decidiram contrariar qualquer coisa que os servos de Lúcifer fizessem. Portanto, se um demônio tentasse causar a morte de um ser humano, um anjo só impediria tal ato para contraria-lo. Simples assim. Não somos seres privilegiados espiritualmente ou qualquer droga que tenham lhe contado algum dia.

Uma nota para nunca esquecer: humanos tem a incrível capacidade de serem completamente miseráveis na maioria das coisas que fazem. E o pior é que se orgulham de tudo com uma facilidade ainda maior.

Talvez você esteja se perguntando porque eu estou lhe contando toda essa merda sobre pós-morte ou até mesmo porque eu ainda não disse como me chamo. Há uma razão para isso. E no momento certo, não se preocupe, as informações serão reveladas.

Os meus problemas tiveram início quando encontrei uma das chaves infernais criadas por Lúcifer para os sete príncipes do inferno atormentarem os humanos. Foram moldados e forjados nas chamas da perdição sete objetos diferentes, aprimorados com o passar das décadas, cada um com uma função maligna e única. Jerry me disse que no começo, bem no comecinho mesmo, o baralho de Leviathan era uma caixinha de música, tomada de uma garotinha chamada Mabel no século XV, que entregou a sua alma ao demônio em troca de fama e dinheiro. O que há de se esperar de uma criança que se prostituía nas vielas francesas e comia restos? Provavelmente um pedido desesperado por comida ou algo tão singelo quanto. Mas esta garotinha tinha uma ambição muito grande, surpreendendo até mesmo Leviathan, que trancou sua preciosa alma no objeto mais valioso que a pequenina possuía: a caixinha de porcelana com uma pequena bailarina dentro, deixada consigo por sua mãe biológica minutos antes da mesma abandoná-la. Segundo o meu amigo Jerry, sempre que Leviathan olhava através espelho desse objeto, via no reflexo os olhos azuis e os cachos dourados de Mabel, que viveu tempo o suficiente para se tornar uma mulher fascinante. E quando as lembranças do sorriso dela o atordoavam, perseguiam-no contra a sua vontade, um sentimento de nostalgia o consumia e o forçava a fumar mais um charuto apenas para esquecê-la.

Jerry me influenciou a escrever esse diário. Como se fosse um tipo de solução alternativa para alguém que odeia confessionários. Sério, quem é que se sente confortável em ser perdoado por um possível estuprador ou líder religioso corrupto? Ninguém tem esse direito, você sabe, de declarar um ser humano livre de todos os seus pecados. É uma ideia absurda. Nunca consegui entender essa imagem de santidade que as outras pessoas têm dos padres, papas, bispos pastores, reverendos e o caralho a quatro. Jerry os odeia, e por ele, todos teriam uma tortura diferente no inferno. O que já é de se esperar pois, por incrível que pareça, o meu amigo Jerry é um demônio. Mas ele não possui poder centralizado nas profundezas, nem autorização para tomar decisões sobre o castigo das pobres almas que vão para lá. Então ele apenas confidencia esses pequenos surtos de raiva à mim. Decisão horrorosa. Pois eu, sinceramente, estou pouco me fodendo.

Oh, esqueci de dizer, Jerry é como o meu tutor gosta de ser chamado. E ele tem incontáveis motivos para querer esconder sua verdadeira identidade, ou ao menos, o nome que seu Criador lhe deu. Eu particularmente o odeio, e ele sabe disso mais do que ninguém. Lembro muito bem de como as cartas de Leviathan vieram parar nas minhas mãos. Se eu pudesse voltar atrás, nunca as teria levado para casa. Mesmo que isso custasse a minha vida.

Na verdade, recordo de como vivia miseravelmente antes de tê-lo encontrado. O pequeno rádio de pilha me assombrava com aqueles ruídos e chiados abafando a voz de todos os locutores que o meu pai costumava ouvir. O apartamento era pequeno, velho e empoeirado. Às vezes ratos bem maiores que os meus pés passavam pela cozinha à procura de restos de comida ou papéis amontoados para seus ninhos. Quando minha mãe estava viva, tudo era diferente. Éramos uma família feliz, rica e promissora. Meu pai possuía sua empresa, mamãe era chef de cozinha e eu era a criança mais adorável que alguém poderia conhecer.

Ela se foi no meu aniversário de dez anos. O que aconteceu em seguida foi apenas um efeito dominó desastroso. Papai entrou em depressão, o restaurante da mamãe foi vendido para um estrangeiro, a empresa dele faliu e nós fomos expulsos da nossa própria casa. Estávamos falidos e endividados. Na merda, pra ser mais clara. Nos mudamos para um lugar abandonado, quase parado no tempo. Uma cidadezinha pacata, onde todos se conheciam e as mulheres mais velhas procuravam pretexto para falar mal da vida alheia. Por algum milagre, aparelhos eletrônicos conseguiam sobreviver bem à rede de sinal daquela porcaria de cidadela. O que me daria uma vantagem para conversar com os meus antigos amigos. Se eu ainda tivesse algum, é claro.

Meu pai nunca havia se conformado com o que acontecera conosco após a morte da mamãe. Acho que foi por isso que ele entrou em depressão não muito tempo depois. Mas há tantas pessoas com destinos tão piores que o nosso que hoje eu percebo o quanto ele era um idiota. Começou a beber deliberadamente desde que chegamos, e esse vício só tem piorado a cada dia. Haviam comentários sobre um estuprador maníaco habitando na cidade, e ninguém nunca conseguiu descobrir sua verdadeira identidade. O que me intrigava eram as marcas roxas que apareciam nas costas e braços do meu pai sempre que chegava de madrugada em casa, bêbado e transtornado. E o fato desse criminoso misterioso só ter aparecido dias após a nossa chegada só contribui para a minha desconfiança. Eu poderia estar convivendo com um estuprador. Eu sei, parece loucura. Mas suspeitar de algo assim não é tão difícil, pelo menos não para mim.


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Notas finais do capítulo

Não que essa seja a minha motivação pra escrever, mas é sempre bom mandar rewiews. Afinal, isso deixa o coração de qualquer autora mais quentinho. E me incentiva a continuar postando.