O Café e o Tempo escrita por Antonio Carlos


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/688007/chapter/1

  Voltei para aquela cidade pela rodovia 75. A chuva caia impiedosa á minha volta, castigando a lataria de meu carro sem perdão, conforme avançava pela estrada a distancia entre as casas diminuía e as arvores perdiam o domínio da paisagem, enquanto um prédio mais alto aparecia vacilante no meio da noite chuvosa.

  Eu lembrava que aquela era uma cidade pequena, mas em minha mente eu acreditava que era maior que aquilo, segui meu caminho, passei por um pequeno prédio amarelo (que se identificava em letras grandes e escuras como Prefeitura) e por um prédio maior (onde minha antiga escola uma vez funcionara) e após alguns minutos seguindo por meio desses pequenos pedaços do passado e sentindo orgulho por ainda lembrar tão bem da geografia local, finalmente cheguei ao meu destino.

  O gato malhado continuava a ser aquele mesmo prédio longo e fino, de cor azul lavado e com um pequeno quintal nos fundos, estacionei o mais próximo possível da porta, abri a porta e então pulei do carro, e na minha tentativa de fazer tudo rápido me atrapalhei, no fim, acredito eu. Teria me molhado menos se tivesse agido com calma, de qualquer forma a chuva acabara por me pegar de jeito.

  Ao chegar á porta, hesitei, ela era pesada, de aparência antiga e regia, trocaram a porta deste a ultima vez que estive aqui? Talvez não, talvez ainda fosse a mesma, nem me parecia muito tempo deste a ultima vez que havia batido ali, mas o tempo costuma enganar, nunca parece que passou tanto tempo quanto realmente passou. Lembrando de como estava encharcado e como fiquei na ultima vez que me gripara decidi tocar a campainha, em vez de ficar parado, no frio.

  Uma mulher de cabelos pretos e pele morena abriu a porta, me olhou com olhos cautelosos.

  - Em que posso ser útil? - ela falou de uma maneira tensa.

   - Gostaria de um quarto - eu respondi tirando a água de me cabelo, ela me estudou novamente com o olhar e fez sinal para que eu entrasse.

  - Não se ofenda - ela falou indo em direção ao livro de hospedes, que me parecia esquecido e abandonado - tempos difíceis, entende?

  - Sim, claro - falei olhando em minha volta, tudo mudou, não havia mais uma bandeira alemã atrás do balcão, nem fotos de família em preto e branco, não havia barris de cerveja em um canto.

  Ela anotou algo no livro e então disse de modo robótico.

  - Nome?

  - João Campos

  - Pagamento adiantado? - ela me olhou ainda com desconfiança.

  - Sim... - peguei o cartão.

  - Quantos dias?

  - Vamos começar com três - falei após para pensar um instante.

  Tudo devidamente registrado, ela pegou uma grande chave de ferro antigo, com um grande numero um de madeira empoeirada que servia de chaveiro, assim que cheguei ao quarto arranquei a roupa molhada com alivio, e com imenso prazer entrei no chuveiro quente.

  Olhava a chuva pela janela, vestido de modo confortável em roupas secas no momento em que ela bateu em minha porta, trazia uma xícara em mãos.

  - você chegou tão molhado que se eu não trouxesse isso ficaria me sentindo culpada - ela falou movendo a xícara em minha direção.

  - Ah... - a peguei de sua mão, o liquido se revelou café puro - não precisava, mas obrigado.

  - Como pode ver não foi esforço nenhum, você é o único hospede aqui - ela disse com certa tristeza.

  - Aqui nunca teve muito movimento - balancei os ombros e coloquei o café nos lábios.

  No momento em que o liquido tocou minha boca, senti-o queimar minha língua, meu instinto foi cuspir, mas lembrando de que havia alguém em minha frente, não o fiz.

  - É cuidado, está quente - disse ela rindo.

  - Não... Parecia estar - falei colocando a xícara do lado

  - O café costuma enganar, - disse ela me consolando - nunca parece que está tão quente quanto realmente está.

  - Percebi... - algo em seu modo de falar me disse que ela não era tão velha quanto pareceu no primeiro momento.

  - Não me lembro de você, já esteve aqui? - ela questionou enquanto alisava a roupa.

  - morei aqui há alguns anos... Para falar a verdade muitos anos.

  - Então veio matar as saudades

  - Acho que sim - franzi a testa - onde está Otto?

  - Otto? - ela devolveu a pergunta.

  - Otto von Goht - disse surpreso por ainda lembrar daquilo - o alemão bastardo que era o dono daqui.

  Ela me olhou um instante.

  - Meus pais compraram este hotel faz uns 16 anos, há quanto tempo esteve aqui?

  - 20 anos, morei aqui até meus 15.

  Ela assobiou - faz tempo...

  - Sim - concordei pensativo - você saberia onde o velho Otto está morando?

  Ela balançou a cabeça negativamente - Meus pais compraram da imobiliária, nunca soubemos muito sobre o antigo dono, apenas mantivemos o antigo nome porque achamos engraçado.

  - Otto me disse que dera esse nome por causa da esposa, que sempre gostou de gatos, mas era extremamente alérgica - balancei a cabeça - pena que não o encontrei.

  - Você realmente queria vê-lo...

  - Bem... Não apenas ele - falei com um sorriso maroto - também existe Melizza.

  - Melizza? - a moça sorriu novamente - a filha dele imagino.

  - Naquela época eu morava no fim da rua, vivia vindo aqui - recordei nostálgico - Melizza era a única filha de Otto, tinha olhos brilhantes, cabelos loiros e era alguns anos mais velha, ela deu meu primeiro beijo, foi ali, no jardim dos fundos. Era ano novo...

  - Entendi - ela bocejou - está atrás de um velho amor...

  Aquela era uma estranha afirmação, e me fizera pensar, o que me levou até ali? Seria aquele o motivo? Isso significaria que minha próxima viagem teria de ser para o psiquiatra.

  - Não sei o que me trouxe aqui - falei franco me encostando no batente da porta.

  - Vou indo - ela disse em tom de despedida - amanhã sirvo o café ás 8 horas, não se atrase, ou vai tomar café no bar do vizinho, qualquer coisa IMPORTANTE, meu numero está na discagem 1.

  Fechei a porta assim que ela chegou à escada, peguei o café e fui á janela, tomei um gole da xícara, o café estava frio. "engraçado", pensei, "ou nos apresamos e acabamos tomando o café quente demais e com isso queimando a língua, ou passa tempo demais e ele esfria, nunca escolhemos o momento certo para toma-lo, mas no fundo aquilo não importava, o café estava delicioso mesmo frio.

  Fui me deitar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Café e o Tempo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.