Chara escrita por lauravhm


Capítulo 10
O manicômio


Notas iniciais do capítulo

O velho manicômio da vila de Chara estava caindo aos pedaços. Mas o que será que isso significaria para ele?



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Chara passou o dia inteiro deitado no sofá ora assistindo desenho, ora lendo seu livro de história dos monstros que ele tinha "roubado" do orfanato. Ele estava pensando em contar a Jessica sobre o livro, mas temeu que ela fosse dar risada. Ele já estava na página 879.

Sua mãe adotiva apressou-se para o manicômio onde trabalhava. 

Quando ela chegou, viu que havia uma multidão cercando o lugar. Havia policiais, civis e alguns trabalhadores do manicômio.

— Nós ainda não recebemos uma autorização do governo para relocalizarmos os pacientes. Vocês terão que esperar. - disse um homem de meia idade de cabelo castanho.

— Desculpe doutor, mas nós temos ordens. Você terá que falar com o prefeito. - disse um policial alto que parecia pouco se importar com o manicômio.

— Vou ligar para ele. Ah, Srª Parker, bem a tempo! -

Jessica juntou-se aos trabalhadores do manicômio na multidão para defender a instituição. Os trabalhadores estavam tentando se defender dos insultos que os habitantes da vila lhes jogavam. 

— Parem de defender essas criaturas demoníacas, seus doentes!  Já está na hora desse hospício ser demolido! - disse um homem idoso.

— Jamais! O que poderia ser mais importante que cuidar dos nossos pacientes? - disse um trabalhador do manicômio.

— Pacientes que nunca sararão? Apenas mandem-nos de volta ao inferno! - disse uma jovem de cabelos pretos. Jessica a reconheceu. Ela era uma das cuidadoras de Chara. 

— Finalmente! - disse o doutor no telefone. - Senhor Prefeito, nós estamos tentando tirar os pacientes daqui o mais rápido possível. Mas precisamos de mais tempo! 

— 48 horas. - disse uma voz agitada do outro lado do telefone.

— Quê?! -

— 48 horas e o manicômio será demolido. Eu já contratei a companhia que construirá o shopping novo. -

— Um... Um shopping?! -

— Escute, meus sócios vão desfazer o contrato e vão parar de me ajudar a patrocinar essa construção se eu adiar mais. Já adiei o suficiente. 48 horas; tenha um bom dia doutor. - e desligou

O doutor agora ligava para seus contatos do governo que supostamente o ajudariam a relocalizar os pacientes. Tudo o que conseguiu falando com eles era a informação de que ele precisaria levar os documentos de cada um dos pacientes para o hospital psiquiátrico da cidade grande e então "veriam o que poderiam fazer por ele". Era improvável que isso fosse dar resultados em apenas 48 horas. Mesmo assim ele pegou os documentos e partiu para a cidade grande.

Enquanto isso Jessica tentava argumentar com os civis. 

— Essas pessoas necessitam de tratamento! Por favor, retornem às suas casas e façam algo de útil para suas vidas. Nós estamos cuidando da situação. 

 Ô senhora, você nem mora aqui! Fica fora disso! - disse o velho.

— É, mas eu trabalho aqui e eu estou tentando fazer alguma diferença. E o senhor, o que faz? - retrucou.

— Ela os protege por que o "filho" dela é um deles! - disse a jovem.

Jessica sentiu-se profundamente insultada não somente porque ela ofendeu Chara, mas também por causa de sua imensa ignorância. Chara desenvolveu problemas emocionais enquanto os pacientes do manicômio tinham distúrbios neurológicos. Então lhe caiu a fixa: os cuidadores o tratavam mal porque provavelmente achavam que ele era doente mental. Ela cansou-se de brigar com os extremistas e abandonou a discussão. Ela calmamente entrou no manicômio. Houve silêncio. Aparentemente os civis foram para casa. 

Por dentro o lugar parecia ser um hospício abandonado. Os pacientes andavam sem rumo pela sala principal. Alguns estavam sentados e outros deitados no chão imundo. Um cheiro ruim veio de um dos quartos. Jessica entrou no quarto e removeu o cobertor de cima de uma das camas. Havia uma paciente em agonia.

— M-minhas costas doem. - disse chorando. Jessica virou a mulher para mudar sua posição. Ela olhou para as costas da mulher onde havia uma ferida grande cuja carne estava apodrecida. Os doutores a trataram, mas eles sabiam que ela ia morrer. Não havia equipamentos de qualidade e a maioria dos funcionários haviam se demitido. Não souberam mais como amenizar a situação.  Jessica foi para o quarto onde se encontravam seus três pacientes, que ela atendia regularmente: uma idosa com Alzheimer, uma jovem com esquizofrenia e um homem com transtorno de estresse pós-traumático.  Ela tentou acalmá-los. Conversou e fez algumas atividades com eles como se nada de mal estivesse acontecendo. Ela estava tentando disfarçar sua tristeza e seu desespero para deixá-los felizes. 

De repente ouviu gritos da sala principal. Ela olhou para fora do quarto, mas não achou a fonte. Despreocupada, entrou no quarto novamente. Percebeu que havia fumaça entrando pela janela do quarto e  guiou seus pacientes para fora do quarto.

— Gente, tem fogo do lado de fora do quarto doze. Vou checar o que...- 

Mas checar não era mais necessário. Estava claro agora, pois o resto do manicômio também estava cheio de fumaça. Havia fogo ao redor do prédio inteiro. Garrafas de vidro vieram voando pelas janelas acompanhadas de jornais incendiados. "Merda” pensou. As garrafas quebraram no chão revelando um líquido transparente. Os jornais em brasa caíram neste líquido incendiando-o imediatamente. Centenas de outras garrafas vieram voando pelas janelas e logo o prédio inteiro estava em chamas. Não durou muito até que visse pessoas pegando fogo ao seu redor. Jessica não sabia onde estavam seus colegas nesse tumulto, mas não importava. Sentia-se determinada a continuar evitando o fogo. Ela viu dois de seus pacientes serem consumidos pelas chamas então ela agarrou a única paciente viva que restara. A paciente idosa gemia e chorava cheia de temor. Jessica a guiou pelo manicômio incendiado. A idosa mal conseguia andar com toda fumaça sufocando-a, mas Jessica jamais desistiria dela. Ela a agarrou com ambas as mãos e continuou caminhando. Ali está! Ela encontrou a porta principal. O caminho em direção à porta não estava bloqueado por muitas chamas ou estilhaços. Parecia transitável. 

— Nós vamos conseguir sair daqui! Estamos quase lá! Aguenta firme! - disse esperançosa. Estavam cada vez mais perto. Estavam a menos de um metro agora. Jessica sentiu os raios solares em sua face. Ao pensar em contar esse acontecimento como uma importante lição de vida para Chara ela encheu-se de determinação. 

Boom. 

O fogo alcançara o gerador a gás no porão. O manicômio explodiu.

Chara estava assistindo TV no início da noite. Ele fez miojo no jantar como Jessica ordenou. Ele tentou ligá-la só para ter certeza.

*Caixa postal* 

 Que estranho. - pensou. Mas ele afastou a inquietação de sua mente e foi assistir mais desenhos. Às onze horas Jessica ainda não havia chegado, mas ele estava com muito sono para se preocupar e então foi dormir.

"Vai ficar tudo bem, Chara. Isso é só um pesadelo."

"Chara me escute..."

"Chara?"

Ele acordou quando ouviu alguém chamar por ele. Surpreendeu-se quando viu que era um jovem policial. 

— Você é Chara? - perguntou.

— Sou. Quem diabos é você e o que está fazendo na minha casa? Onde está... -

— Jessica Parker? Eu sinto muito. O manicômio no qual ela estava trabalhando foi incendiado por radicais. 

Incendiado. 

— Q-quê?! - Chara teve vontade de rir. Soava como uma piada de péssimo gosto. O policial falou tão sem emoção que pareceu que ele decorara a fala. Chara levou um tempo para perceber que o homem não estava brincando. A realidade lhe deu um soco no estômago. Sentiu-se como se o estomago abrigasse milhares de pedras e como se o corpo inteiro estivesse em chamas. Sentia-se como se sua cabeça fosse explodir. Surgiu aquele sentimento familiar de desespero e náuseas. Sua vista ficou borrada. "Cara, para com essa brincadeira. Cadê a Jessica? M-me... leve... até ela. Diga que isso é uma piada. Isso não está acontecendo.”

Chara sentiu vontade de vomitar. Ele entrou numa espécie de transe. Estava enlouquecendo? 

— Vamos encontrar outro psicólogo para ele. Agora precisamos lhe arranjar um lar. -

Quando acordou de seu transe ele percebeu que estava dentro de um carro. Havia mais três policiais no carro. Estavam levando-o para fora da cidade.

— Não, não NÃÃÃOOOOOOO! - gritou histericamente. - JESSICA! -

O policial ao lado dele tentou acalma-lo, mas Chara lhe deu um soco no nariz. 

— NÃO, PARA ONDE ESTÃO ME LEVANDO? ONDE ESTÁ JESSICA? - o policial ao seu lado o imobilizou. Chara continuou gritando pelos próximos 5 minutos até ficar sem voz. Estava exausto, sentiu-se como se fosse desmaiar. 

"Tudo está bem agora. Não precisa mais lutar."

"Mas onde você está? Volte!"

O carro parou. Ele olhou para frente. Havia um mar de flores douradas. Olhou para a esquerda. Ele viu uma mulher muito familiar parada diante de uma casa muito familiar. A mulher com a marca de nascença feia sorria para ele maliciosamente. 


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