Acordo com Sean me sacudindo de leve. Abro os olhos um pouco desorientada e vejo o rosto do meu irmão próximo ao meu.
–Você dormiu o filme inteiro, sua vaca!
Damos risada e eu me sento esfregando os olhos.
–Você está a fim de comer fora? - eu pergunto.
–Só se você quiser.
Faço que sim com a cabeça.
–Só vou tomar um banho antes, tudo bem?
Sean concorda e diz:
–Ah, ligaram do seu trabalho.
Arregalo os olhos e coloco as duas mãos na cabeça.
–Ai meu Deus! Eu esqueci de...
–Relaxa. Eu disse que você não estava se sentindo muito bem. O tal do Sam mandou melhoras.
Suspiro.
–Mesmo assim, eu deveria ter ido.
–E me deixar sozinho? - Sean finge estar magoado e eu reviro os olhos.
Levanto-me do sofá me sentindo mais cansada do que na hora em que me deitei e vou para meu quarto. Lá, vou para o closet e passo os olhos em minhas roupas. Decido apenas vestir a mesma calça jeans preta que estava usando e um suéter cinza de lã. Pego também uma touca de crochê vermelha. Vou para o banheiro e tiro minha roupa com preguiça.
Quando entro debaixo do chuveiro e molho meu rosto, me sinto melhor e mais desperta. Incrível como um banho ou lavar o rosto pode mudar tudo. Eu me demoro debaixo do chuveiro, o banheiro se enchendo de vapor á medida que os minutos passam. Fico feliz que meu mal estar tenha passado, mesmo que eu ainda esteja muito triste.
Gostaria de não ter levantado da cama naquela manhã, sinceramente! Fora um dia complicado. Lá estava eu, magoada novamente. Lá estava a vida rindo de mim mais uma vez. Eu não aguentava mais ser a palhaça do circo.
Apenas desligo o chuveiro quando a água fria substitui a água quentinha. Me enrolo na toalha e ando até em frente ao espelho retangular. Passo a mão pela superfície gelada e meu reflexo aparece. Ainda pareço um pouco doente. Talvez seja o cansaço emocional - e físico também - apesar de ter dormido a tarde inteira.
Coloco a roupa e penteio o cabelo. Não prendo ele pois estou usando touca. Meu cabelo está tão grande que parece um véu nas minhas costas.
Abro a porta do banheiro e me dou conta de que não arrumei a cama de manhã. Começo a esticar o lençol branco na cama e paro quando ouço Sean conversando com alguém. Franzo o cenho e abro a porta do quarto. Os dois caras olham para mim imediatamente. Não posso acreditar que ele está ali.
–Eu disse que você estava se arrumando. - Sean diz.
Suspiro.
–Tudo bem. Eu... Já terminei. Só estou terminando de arrumar minha cama.
Kyle está me olhando atentamente. Não sei ler muito bem seu rosto. Mas ele parece infinitamente melhor. Seus cabelos vermelhos estão do mesmo jeito de sempre, ele veste uma calça jeans preta - acredito que ele tenha várias iguais - e uma camiseta branca. Possivelmente aquela que eu vesti, ou outra igual. Posso ver através do tecido da camiseta sua tatuagem de andorinha saindo da gaiola do lado direito do peito.
–Eu posso falar com você? - ele finalmente pergunta depois de me encarar.
Vejo Sean olhar para mim. Seus braços estão cruzados em frente ao peito. Sei que ele está assumindo uma posição protetora.
–Pode. - olho para Sean. - Eu já volto e nós saímos para comer, tudo bem?
Kyle olha para ele e Sean assente olhando para mim. Sei que se a casa fosse dele, ele mandaria Kyle embora. E provavelmente era isso o que eu deveria fazer.
Ando de volta para o quarto e Kyle me segue. Minhas mãos estão suando um pouco e estou nervosa. Minha pulsação está acelerada e estou a ponto de enlouquecer. Ele fecha a porta quando sento na cama desarrumada.
Kyle olha ao redor do quarto e depois para mim. Ele não sustenta meu olhar e olha para baixo enquanto passa a mão pelo cabelo.
–Me desculpe.
Fico calada e ele olha para mim.
–Estou falando sério. Me desculpe por hoje. - Kyle balança a cabeça e coloca os dedos em suas têmporas as apertando um pouco. - Você não sabe o quanto estou me odiando.
Permaneço calada.
–Eu sei que você só queria ver como eu estava depois de ontem. - ele se aproxima da cama com cautela. - Mas, a verdade é que eu não queria te envolver nisso. Ainda não quero.
–E por que você está aqui? - meu tom de voz sai mais rude do que eu calculara .
Kyle se senta ao meu lado na cama e suspira. Olho para seu rosto e sustento seu olhar. Seus olhos verdes estão mais brilhantes agora. Sinto seu perfume forte e gostoso, mas tento não me distrair com isso.
–Não quero ficar longe de você. Não quero te magoar.
–Deveria ter pensado nisso antes de mandar Chloé me dizer para eu me afastar. - digo e me levanto da cama. - Como acha que eu me senti? Além do mais, depois do que aconteceu ontem.
Vou até a janela grande de vidro e encaro os prédios infinitos acesos. Na avenida lá embaixo o semáforo está fechado. Há uma garoa fina caindo e um pouco de neblina.
–Eu sei, eu sei Ally. - fecho os olhos ao ouvir ele fala Ally . - Me desculpe.
Sinto sua mão pegar meu cotovelo, mas eu não me viro.
–Eu sinto muito. Eu estava bêbado e... Você não merecia que eu tivesse gritado com você daquele jeito.
Concordo com a cabeça mas não o olho.
–Tem razão, não merecia mesmo.
–Me desculpe. - ele sussurra perto demais e eu me viro para olhá- lo.
–Tudo bem, mas só se você me contar a história toda.
Kyle olha para o meu rosto e pensa um pouco antes de respirar fundo.
–Se não quiser contar hoje, tudo bem. Estou com o meu irmão aqui, de qualquer forma. - dou de ombros.
–É, já conheci ele. - Kyle coloca as mãos nos bolsos da calça jeans. - Acho que ele não gostou muito de mim.
Dou de ombros não querendo dar muita informação. É bom que ele pense que Sean tem algo contra ele, assim ele se esforçará mais.
–Eu... Posso ir com vocês? - ele pergunta e eu olho para seu rosto.
–Ah...
–Eu conheço bons lugares para comer. - Kyle dá de ombros. - E posso levar e trazer vocês.
Suspiro e concordo com a cabeça.
–Tudo bem.
Abro a porta do quarto antes que ele possa tocar em mim. Não quero que ele me distraia com seus lábios nos meus. Quero evitar contato físico por enquanto. Ele me deve algumas explicações.
Sean olha para mim e para Kyle saindo do quarto. Ele está de braços cruzados.
–O Kyle vai com a gente. - falo cautelosa olhando para meu irmão.
Sean olha para Kyle que se coloca ao meu lado. Ambos trocam um olhar sério. A atmosfera está pesada.
–Tudo bem, vamos logo então porque eu estou morto de fome. - Sean diz e se vira para ir até a porta.
Olho de relance para Kyle que abaixa a cabeça e passa a mão pela nuca. Já percebi que ele faz isso quando está se sentindo nervoso ou desconfortável.
***
No carro de Kyle a atmosfera parece pior. Estamos em silêncio enquanto esperamos o semáforo se abrir. Minha atenção se volta para os pingos de chuva salpicados na janela ao meu lado. Estamos passando pela Time Square. Os outdoors não me chamam atenção já que não sou mais turista na cidade, mas sei que Sean está fotografando com seu celular porque escuto o barulho da foto sendo tirada com o aplicativo da câmera em seu celular.
Estou me sentindo triste em relação a Kyle. Fico feliz de ver que ele está melhor do que de manhã, mas odeio o fato de ele ter mandado eu me afastar novamente. É tão injusto! Quantas vezes uma pessoa pode ser rejeitada desse jeito?
Olho para frente encarando a janela molhada. O limpa-vidro se meche pra lá e para cá. Sinto os olhos de Kyle em mim, mas não olho para ele. O semáforo se abre e ele continua a dirigir.