Um Sussurro nas Trevas escrita por Will, kveronezi


Capítulo 7
Adeus, Fred




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Era um apartamento escuro, cheio de sujeira e com cheiro de mofo. As marcas de infiltração já eram permanentes na parede. Armando Argent estava sentado em sua poltrona reclinável quebrada, olhando janela a fora como tudo parecia progredir ao seu curso, enquanto ele estava estagnado no tempo. Aquele soco fez inchar o rosto.

Acabara de voltar do escritório do Sr. Elias Martins. Demitido. Pelo visto, ninguém engolia aquela história de lobisomem. A sua sentença foi o fato de ter deixado para trás o carro sem prestar queixa, comprometendo a cobertura do seguro. Elias não queria saber de lobisomens. Ele queria dinheiro...

"Burguês safado"

Ele tomou um gole de café frio. Não queria saber de pegar fila para o seguro desemprego, muito menos correr atrás de um novo emprego, não... Armando só pensava em como aquilo o afundou ainda mais na lama. Era um fracassado.

Lembrou-se de ouvir na praça que hoje, na matriz, ocorreria o velório do rapaz que foi morto pelo bicho. Por mais que a vontade de mofar dentro daquele apartamento fosse grande, ele precisava ir. Era sua obrigação prestar as condolências a família daquele rapaz e alerta-los da verdade, não que fossem acreditar. Eram 18:30. Ele pegou a arma que receberá do seu pai, um 38 enferrujado, em caso de outro daqueles aparecer. Moqueou aquilo na cintura, jogou o casaco por cima dos ombros e saiu.
. *

Helena pegou emprestado o carro da mãe. Ela e Vinicius chegaram cedo na igreja, tomaram os lugares mais a frente. Ela trajava um vestido longo preto desajeitado. Os cabelos soltos. O irmão vestia um terno escuro e os cabelos louros estavam penteados para trás com gel. Sempre que usava esse penteado, algum engraçadinho comentava sobre o tamanho de suas orelhas. Mas não hoje.

— Olha, -Vinicius falou antes de abrir a porta do carro.- sei que você tá triste por causa do seu amigo, Lena.. Eu tô aqui, tá ? Se precisar, me procura.

Helena, sem dizer nada abraçou o seu caçula. Ela não queria e nem precisava dizer nada. Aquele apoio era tudo o que estava lhe faltando. Mesmo em meio das rugas, Vinicius era seu irmão. Ambos sabiam que um sempre estaria do ladinho do outro, para o que fosse necessário.
Saíram, trancaram o Meriva e foram pra dentro da Igreja.

*

Na rua de trás, Ramona e Rodrigo desembarcavam do táxi. Ramona havia se vestido como uma viúva, ao passo de que Rodrigo vestia o elegante terno que um dia foi de seu pai.

— Eu pedi pro André ficar com o celular perto. Na hora de ir embora é só ligar que ele busca a gente aqui, Ramona.

— Tudo bem, não vamos demorar muito. Só quero falar com os pais do Fred. Só isso.

Ramona ainda sentia o peso da culpa em seus ombros. Ela sabia que não aguentaria ficar muito tempo no velório. Sabia que a culpa era dela, sabia que cada lágrima derramada poderia ser evitada.

— Não, eu não quis dizer pra ter pressa. Fica tranquila quanto a isso.

Marta estava li, chorando sobre aquele caixão fechado. Ela estava lá desde muito antes do velório começar. O dia era o pior de todos.

O seu caçula, o seu xodó....

Morto.

Sua filha acabou indo ao hospital com o choque da notícia sob riscos graves de problemas na gravidez. O seu genro estava sumido por um dia inteiro, sem notícias. Era sem dúvidas seu pior dia.
Alcides, seu marido estava sentado, por mais que quisesse ficar mais um pouco perto do que restou do filho. Seu estado não permitia e quase não andava mais. Em momento algum derrubou sequer uma lágrima. Estava seco por dentro, na realidade torcendo para o câncer terminar o que havia começado há anos.

Aquela hora muitos já haviam chegado a igreja para o velório, numa cidade pequena como aquela as notícias corriam rápido e todos queriam prestar as condolências a família do jovem.

Vinicius entrou com Helena. Ao ver os pais do amigo, a moça foi diretamente até eles, deixando o irmão pra trás. Vinicius apenas olhou enquanto se abraçavam e choravam juntos. Ele não queria nem mesmo ir até lá falar com os pais do rapaz. Simplesmente não sabia o que dizer. Era melhor assim. Antes ficar quieto do que abrir a boca para falar besteiras. Na verdade ele estava se segurando para não chorar junto. Odiava velórios.

Sua atenção foi tomada por um casal que entrou. Não pelo casal, mas pela moça. A morena alta vestida toda de preto era facilmente a mulher mais linda que já tinha visto na vida. Os cabelos cacheados cascateavam sobre os ombros. Ela fazia o seu coração bater mais rápido, O sangue corria depressa, o rosto ficava quente... "Mas por que estou pensando nisso? Estou num velório, merda...". Ramona percebeu os olhares abobados do garoto e ignorou veementemente. Vinicius tentou disfarçar pessimamente, o que era impossível com a cara vermelha de vergonha como estava.

Ramona andou até os pais de Fred. Helena abraçava o senhor Alcides nesse momento, ela olhou pra garota e lembrou dos ciúmes que sentia da amizade dela com Fred. Como era boba. Foi até Marta e a abraçou sem dizer nada. No caminho, tinha preparado uma dezena de discursos, mas não conseguia dizer nada. A culpa a estava matando de dentro pra fora. Enquanto abraçava Marta, a única coisa que conseguiu fazer foi chorar. Chorava de uma maneira desesperadora.

Como ela podia abraçar a mãe daquele que ela matou? Aquele que ela achou que amava.
Armando entrou na igreja. Aquele lugar trazia a tona as piores memórias. Seria rápido. Chegaria, os cumprimentaria e iria embora.

Lá fora, Marcos saltou da torre, aterrissando suavemente sobre a grama que ladeava a igreja. Ouvia o burburinho vindo de dentro da Igreja. Deu a volta, para chegar à porta da frente. Viu um caixão fechado e... Sua sogra, junto de uma moça chorando. O coração de Marcos que quase não batia, palpitou nervosamente. Seria a esposa no caixão? Nesse momento uma onda de adrenalina subiu em seu peito, ele entrou correndo na igreja, rezando para que tudo isso fosse um pesadelo.
A mulher desvencilhou-se da sogra. O peito mais pesado do que nunca. Ramona não teve coragem de contar. Ela se virou, queria abraçar também o sogro, mas teve uma surpresa.

— Assassina! O que tá fazendo aqui? Já não bastou ter matado o moleque? -Armando cuspia as palavras enraivecidas, apontando o revólver velho para Ramona. Ela reconheceu o senhor da noite do posto. Estava sedento por vingança.

Quando se notou o revólver na mão do homem, o caos se instaurou. Pessoas corriam atropelando umas às outras buscando o portal de saída da igreja. Demorou um pouco pra cair a ficha de Vinicius, pego no meio da multidão em debandada, ele buscava a irmã.

— Você veio para me matar? -Ramona não demonstrou medo estando diante do homem armado. O seu semblante era de ódio. Puro ódio.

— Não, só foi uma coincidência! Eu vim prestar condolências para o menino que você matou!
Marta interveio.

— Moço, pelo amor de Deus não faz isso, moço! Já levaram o meu filho, por favor, não leva a minha nora também!

— Filho? Nora? Já entendi tudo. A senhora devia me agradecer por lidar com essa fera. Ela matou o teu filho, eu vi!

— Do que o senhor está falando?

— A senhora também não acredita, eu já esperava! Mas não importa. Isso acaba agora!

Sem mais, a sangue frio, ele puxou o gatilho e o improvável aconteceu. Aquele revólver velho funcionou. O balaço acertou Ramona na barriga, espirrando sangue para todos os lados. O estampido foi o que bastou pra afugentar os curiosos que ficaram pra ver. Enquanto corriam, pessoas trombaram no caixão o derrubando e revelando um Fred mutilado. Aquilo chamou a atenção de Rodrigo, Vinicius e Marcos, este aliviado ao ver que o corpo a ser velado não era o da esposa. Ela caiu de costas, incrédula. A dor de ser baleada era tão horrível quanto muitas vezes ela já tinha imaginado. Rasgava e queimava ao mesmo tempo.

— O que você fez, assassino? -Marta gritou indignada.

As mãos de Armando tremiam. Ela era o monstro, mas... Ele atirou... Acabou de atirar numa pessoa. Ela não estava reagindo. Por que não? Droga, será que era a fase da lua? Merda, ele estava errado, afinal? Não, não podia ser. Ele viu! Tinha certeza do que viu. Ele se virou pra correr, mas bateu de frente com um homem pálido.

Marcos vira quando aquele velho atirou a queima roupas contra a moça indefesa.

— Covarde - Marcos emitia uma voz voraz, seus olhos fixos nos de Argent fizeram o medo se estalar no ar. Era inexplicável, a simples visão daquele homem o amedrontava. Mas não era agora a hora de ter medo.

— Sai da minha fren... -Ele foi interrompido quando o vampiro lhe agarrou o pescoço e o levantou do chão. Como podia um homem ter tanta força? Com aquela mão gelada ele quase esmagava a sua traquéia. Se não fizesse nada, era o que ia acontecer.

Outro tiro. A bala atravessou perna de Marcos. Armando sentiu o sangue gelar quando o homem nem se mexeu ao ser crivado por bala. Para Marcos foi uma surpresa, aquilo doeu tanto quanto um soco.

Espantado, Argent atirou mais duas vezes contra o peito do homem pálido, sem efeito algum. Marcos bateu na mão de Argent, jogando a arma longe.

Ele segurou o ombro do atirador e cravou-lhe as presas na jugular, seguindo seu instinto mais básico. Se precisava se alimentar de sangue, que fosse o de gente covarde como aquele homem. Marcos servia-se com aquele líquido doce. Os homem não gritou e nem se debateu tanto como o esperando.

Como foi com Marcos, Argent sentiu o prazer do Beijo. A vontade de lutar se esvaia a medida que aquele prazer preenchia seu corpo. No entanto, Marcos agora sentia o prazer que era: a sensação de força, completude, de poder e prazer.

Marta se desesperou ao ver a Ramona baleada, mas Rodrigo, que sabia que tudo ficaria bem, puxou-a para saírem daquela confusão. Ramona teve um espasmo, aquilo se repetiu. O seu corpo mudava as formas e as proporções, era mais rápido do que aconteceu na primeira transformação. Logo ela estava de pé, a fera estava de volta. Dessa vez, era bom. Ela não estava tomada pelo ódio irracional. Ela se transformou por vontade próprio corpo pedia aquilo. Estava no controle. Por enquanto.

Ela sentiu quando o buraco de bala se fechou. Com ferocidade, partiu para cima de Armando. Marcos viu aquela fera vindo, arremessou o homem pra longe e interrompeu a investida do lobisomem. Tudo por instinto. Ele segurou-a pelos pulsos, foi empurrado vários metros pra trás arrebentando os bancos de madeira maciça. Mesmo empregando o seu ímpeto vampírico, a mulher lobo conseguia sobrepujar sua força por pouco.

Marcos chutou-a para longe dele. Vendo que ainda estava atordoada, pulou sobre ela, parando em suas costas e começou a diferir socos em sua cintura. Ramona, por sua vez, desviou-se de um de seus socos, passou sua cabeça por baixo no braço que estava a atacando e mandou o vampiro para a parede. Com raiva, ela avançou com toda velocidade e força para pressionar seus dentes em marcos.

Ramona custou a entender o porquê e como aquele cara estava tentando impedi-la. Sua boca estava perto do rosto dele, mais um pouco e o destroçaria. Mas o homem estava a empurrando de volta. Não, não era só ele, algo ou alguém estava a puxando pelas costas.

Pela primeira vez Vinicius invocou seus poderes diante de outros. O que achariam quando vissem que ele era um Mago? Ele transpôs o espaço, de forma que cortando a distância entre eles, puxava Ramona pela cauda. Havia presenciado cada detalhe horrendo daquela batalha, dos disparos até a mordida e por mais que quisesse correr, sentiu que era sua obrigação ajudar.

Argent, prostrado assistiu aquilo aterrorizado. A vadia não era a única anormal. Aquele viado pálido tomou seu sangue e tinha certeza que via o próprio espaço convergir na direção do pirralho louro. Ele estava em desvantagem. Ele estava disposto a lutar, mas não naquela hora, precisava de mais poder de fogo, mais artifícios. Precisava de aliados. Vendo os três ali, gravou a imagem em sua cabeça e prometeu que, um dia, mataria todos. Se eles eram capazes de machucar uns aos outros, o que faria com outros humanos?

Sentindo a fraqueza da falta de sangue, ele fugiu, ou como chamaria o ato nos dias vindouros, fez uma retirada estratégica. Estava fraco, seu corpo estava mole e agora, no lugar do antigo prazer, havia dor.

Ramona chacoalhou a cauda freneticamente e Vinicius aprendeu que o espaço era um caminho de duas vias. Assim como seu alcance era ampliado com o uso da magia, o do seu alvo era igualmente. Ela girou e arremessou o garoto contra a parede, medindo forças para não feri-lo gravemente.

Vinicius bateu de cabeça contra a dura parede, levantou-se zonzo vendo três lobisomens. Sua mente estava confusa, ele estava com medo e não queria que ninguém mais se machucasse. A cena da bala ferindo Ramona e Marcos lembrou-lhe da bala que feriu sua mãe há tempos. Foi naquele momento de desespero que ele evocou o ápice de seus poderes.

Domando o espaço, ele prendeu cada um dos lutadores em um bolsão espacial, inertes. Todo e qualquer movimento os fazia convergir para o mesmo ponto inicial. Estavam suspensos. O garoto conseguiu separá-los, mas sofreu a consequência de impor a realidade superna sobre o mundo Decaído de forma tão vulgar. Vinicius sentiu como se a própria realidade tentasse o rasgar de dentro pra fora, uma torrente de energia superna pura invadia seu corpo. Ele aprendeu da pior forma o que era um paradoxo. Ele caiu inconsciente, os dois lutadores foram libertos daquela prisão espacial. Marcos estava em clara desvantagem, aproveitando a distração fugiu usando sua celeridade vampírica. A mulher lobo não perderia tempo indo atrás daquele rato fujão.

O garoto precisava de ajuda.

Ela se virou e viu Vinicius inconsciente, o corpo ainda emanava um brilho fraco. Ela voltou a sua forma humana, nua em pelo como foi da primeira vez. Puxou uma cortina dos vitrais e cobriu o corpo, ainda olhando o garoto caído. Ela sentiu que as energias vinham dele. Ele era perigoso, talvez tanto quanto o sanguessuga.

Vinicius via aquela silhueta turva. A sua musa o olhava com apreensão e curiosidade.

— Você é amigo daquele que fugiu? Fala logo... -Olhando, ela notou a semelhança entre o garoto e Helena e entendeu quem de fato ele era. -Hum, acho que te conheço.

—Você é...

— Uma lobisomem. É arrisco dizer que o outro era um vampiro. Não sei por que os dois me interromperam. Não entre mais no meu caminho, moleque. Caso contrário, esses teus poderes não vão te salvar.

Vinicius engoliu em seco. Era estranho, mas mesmo sob ameaças, só se sentia mais atraído pela mulher lobo. A sua beleza, o seu aroma, seu tom imperativo e aquele ar de superioridade que expunha tudo aquilo parecia o chamar, o convidar. Mas como veio ela se foi.

Ramona já parecia apática ao velório. Queria ter pego o atirador. Mesmo tendo se recuperado, aquilo doeu muito... Ela queria vingança.

*

O vampiro ainda não estava saciado. Teria deixado aquele homem seco se a loba não o tivesse interrompido. Ele parou próximo a praça central, que àquela hora estava vazia, ou quase.

— Você é descuidado, rapaz. Àquilo que fez na igreja não foi legal.

Marcos olhou, uma moça negra estava encostada ao poste de iluminação de braços cruzados como se o esperasse. Ela estava toda vestida de preto, desde as botas até a jaqueta. Tinha cabelos curtos, enrolados mas bem ajeitados.

— E você, o que tem haver com o que eu faço? -respondeu seco, passando por ela.

— Pode ter certeza que tenho muito haver. Não só eu, mas toda a família de Nova Independência. Não dá pra sair por aí mostrando nossos poderes em público, seu acéfalo.

Ele parou. A família... Foi como sua progenitora disse. Eles viriam.

A vampira se desencostou do poste.

— Não é nada pessoal, mas você precisa morrer.


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