MARLENE

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Ela estava bem.

Dessa vez era verdade. Nada de mentiras, sorrisos dissimulados ou ácidas ironias. Nada de álcool, nicotina, ou qualquer outra substância intoxicando sua corrente sanguínea. Você sequer veria algum vestígio de lágrimas borrando sua maquiagem e o batom seguia intacto em seus lábios. De certa forma, era estranho encarar o espelho e ver o lápis preto nos olhos e não escorrendo por sua bochecha. Ainda mais estranho era o vermelho que permanecia em sua boca e não ao redor dela. Aquele era o indicio definitivo de que havia tirado Sirius Black de sua vida, ou pelo menos, tentava ao máximo se livrar dos laços que a prendiam ao rapaz. Não eram bons um para o outro. Nunca foram. Ainda assim, o Black fora a droga de que mais teve trabalho para se livrar e a única pela qual seu corpo seguia gritando em abstinência.

O pensamento fez Marlene McKinnon sorrir. Não da forma sarcástica e escrachada que estava habituada, ao invés disso, seus lábios apenas se contraíram tímida e tristemente, em um gesto tão sutil, que se estivesse distraída sequer o perceberia. Suspirou, enquanto ajeitava os longos cabelos loiros tão bem penteados e limpos. O ato fez a menina voltar a encarar o espelho a sua frente. Dessa vez, fitou o reflexo com atenção, tentando encontrar qualquer vestígio de si mesma na figura pálida e angelical que a observava de volta. Aquela era ela, mas não era.

Paradoxal, a garota sabia, contudo, não deixava de ser verdade. Marlene McKinnon já não era Marlene McKinnon, embora, continuasse sendo Marlene McKinnon. Não fazia sentido, mas, de certa forma, fazia. Era necessário um instante para a mente se desanuviar e tudo se esclarecer. Talvez fosse mais simples explicar dizendo que a moça havia mudado e já não conseguia se reconhecer.

Estava bem. Estava sóbria. Havia se libertado de um relacionamento tóxico. Suas notas não poderiam estar melhores. Dormia oito horas por noite e já não pulava refeições. Até andava por Hogwarts se assemelhando a um ser humano normal e estável. Deveria estar feliz, certo? Bom, uma parte de si estava. A outra, por outro lado, sentia-se presa ao corpo de uma estranha.

Marlene não sabia estar bem. Tudo o que conhecera em seus 17 anos fora o caos. E se havia algo em que a era boa, essa coisa era estar em frangalhos. Ao menos sabia quem era naqueles momentos. Conhecia a Marlene exagerada, drogada e passional. A Marlene que era consumida pela insônia, paranoias e medos. A Marlene que era capaz de chorar como uma criança e transar como uma prostituta. Conhecia a Marlene atormentada, aquela que nunca alcançara um mísero segundo de paz. Mas não conhecia a garota que lhe fitava com os olhos azuis assustados. Aquela era uma completa estranha. Uma desconhecida. Um verdadeiro enigma.

Tudo isso revelava a triste e patética verdade de que Marlene McKinnon não fazia ideia de quem era, quando não estava caindo aos pedaços. Passara meses colando seus caquinhos esmigalhadas, com muito esforço se fizera finalmente inteira, mas de nada adiantara, porque sua alma persistia rachada e a menina nunca estivera mais perdida.