Encontro Marcado escrita por Jessica Calazans


Capítulo 4
Capitulo 4




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Emília voltou para o trabalho, um tanto chateada é verdade. Queria tanto passar um tempo com Bernardo, há muito eles não almoçavam juntos. Sem contar que ele nem sequer ligou para para se desculpar como fazia antigamente. Pedindo desculpas e a recompensando com um jantar. Mas ela tentou afugentar a melancolia e se dedicar ao menos ao trabalho, o que não foi tão fácil, devido a gravidez, Emília estava ainda mais sensível.

 

Ao voltar para casa, ela permitiu que Ariel dirigisse, só para tirar aquela soneca durante a viagem.. Estava tão sonolenta ultimamente, só foi acordada quando o carro passou pelo imenso portão da mansão.  Bocejou, um tanto sem jeito e envergonhada ao fitar Ariel que sorria ao tentar lhe despertar. Aprumou-se, antes de descer do carro e seguir em direção ao interior da mansão.

 

— RAIMUUUNDAAA!!! – Emília gritou a empregada assim que passou pelo porta, deixando o blazer pendurado no cabideiro do hall, abandonando os scapin’s e a bolsa sobre o tapete árabe que decorava elegantemente o chão ladrilhado da sala de estar.

 

— Estou bem aqui, Senhora! Estava colocando as roupas limpas no closet – Respondia a empregada risonha e simpática, enquanto descia a escadaria

 

— Tudo em ordem? Sabe que gosto das minhas separadas por cor, estilo, tecido.. como te ensinei. Mas enfim, dê uma pausa nisso e prepara meu banho … E ah! Água bem quente, fervendo, por favor, preciso muito relaxar –

 

Ela dispensou a empregada num simples gesticular dos dedos, esboçando um enorme sorriso por finalmente estar em casa. E pulou sobre o enorme e confortável sofá de canto, revestido de veludo, esparramando todo o corpo, permitindo-se relaxar um pouco. Mas durou apenas alguns segundos, logo o telefone convencional começara a tocar, o som estridente rompendo a paz santa e inefável do silêncio. Raimunda tencionou descer as escadas, mas Emília gesticulara, dispensando-a para seus afazeres

— Boa noite? – Atendeu, sem muito ânimo, esperando não ser ninguém desagradável

 

— Senhora Sartorini? – Aqui é Adelaide, a pediatra que trabalha no hospital dirigido por seu marido..

 

— Ah! Oi, Adelaide! Bernardo não está, quer deixar algum recado?

 

— Poxa, minha esperança é que ele estivesse em casa.  Mas, por favor, preciso falar com ele urgentemente.  Estou aqui no hospital, acabei de consultar minha escala, e ele me colocou de plantão amanhã, mas acho que ele esqueceu que troquei com Samanta. Pede pra ele me ligar o mais rápido, por favor. Eu ligo pro celular, mas parece estar dá desligado…–

 

Apesar de claras as palavras da médica, Emília não entendia nada. Uma pequena ruga era visível em sua testa, que acompanhada do arquear da sobrancelha, só deixava claro o quanto estava intrigada. Pelo horário, Bernardo  no minimo deveria estar saindo do trabalho.

 

— Hum.. Claro que  dou o recado, Adelaide.  Maaas... ééé.. Meu marido deixou o hospital faz muito tempo? –

 

— A secretária disse que faz mais ou menos uma hora e meia… Não se preocupe, ele deve estar  a caminho –

— Sim, claro.. Quer dizer, não,  não é isso –  Ela riu um pouco nervosa, atrapalhada pela própria aflição - É que eu cheguei agora, nesse instante mesmo. Ele deve ter ido na casa da irmã ver o sobrinho, ele é tão apaixonado por aquele menino, somos quer dizer… Daqui a pouco ele está em casa.. eu darei seu recado  –



Um tanto apreensiva, ela desligou o telefone sem esperar qualquer despedida do outro lado. E por isso, não ouviu a risada que veio seguir ..

 

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— E aí? – Perguntou Dorotéia, que parecia tão aflita quanto Emília

 

— Mordeu a isca direitinho… E eu não tive nada, exatamente nada com isso, heim? –

 

— Ahhh!!!  A sementinha do ciúme .. previsível não? O amor, chega a ser patético ás vezes –  A risada fria, sem qualquer resquício de sentimento ecoava pela recepção.

 

— Devo admitir que achei um plano tosco. Ele vai chegar em casa e explicar o ocorrido. Mas depois do que vi não vai ser simples assim… –

 

— É claro que eles não vão terminar por um pequeno mal entendido. Mas a sementinha foi plantada, e Emília está desconfiada. E o que toda mulher insegura e desconfiada faz? Procura. E como dizem por aí, quem procura acha – O sorrisinho de puro deboche moldou o canto dos lábios de Dorotéia, que pareciam acompanhar as iris escuras que brilhavam pelo prazer que a mulher sentia com a sua travessura.

 

— O que você quer dizer com isso? O que ela vai achar? – Adelaide estava mais receosa dos planos da amiga do que curiosa

 

— Isso, minha querida, deixaremos por conta de Lucrécia –  (...)

 


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Dizer que Emília não estava com uma pulguinha atrás da orelha soaria até ridículo.  Seu banho demorou beeem menos do que gostaria, e ela sequer relaxou. Pelo contrário, estava ainda mais tensa. Já tinha passado da hora do jantar, e nada de Bernardo. Já passava das onze da noite quando ela pensou em ligar para Raul, entretanto, isso só preocuparia seus compadres. Em  algum momento, Bernardo teria que chegar.  Não, ela não estava necessariamente preocupada com a saúde do marido, e sim onde ele se encontrava e se estava sozinho. Insegura, seu maior medo era que Bernardo a abandonasse, e seu ciúme apenas aumentava sua neurose. Se sua mãe não teve nenhuma dificuldade em deixa-la, porque ele teria?  E ela sabia que seu casamento estava em crise, tinha consciência do dilema, e isso era um prato cheio para as puladas de cerca. Tudo bem que hoje ele extrapolou o limite, mas Bernado estava chegando cada vez mais tarde em casa. Talvez ele estivesse se cansando dela. A constatação fora tão óbvia que as primeiras lágrimas escorreram pelas iris castanhas.

 

Ela ouviu o barulho da maçaneta da porta, e não teve dúvidas de que seria ele a entrar. Imediatamente enxugou as lágrimas, e se endireitou sobre o sofá. Continuou sentada á sua espera, as formosas pernas belamente cruzadas, bem como os braços na altura dos seios. Tentou amenizar a carranca, mas foi quase impossível.

 

— Lar, doce lar!!  Como é bom estar em casa - Ele a cumprimentava, sorrindo de puro contento. Sorriso que desenhava seus lábios de canto a canto. Sorriso que destacava seus dentes brancos e bem cuidados.

 

Bernado sorria simplesmente pelas boas novas no negócio, sorria pelo fato de finalmente estar em casa. Sorria pelo destino que lhe trouxe Emília. Tão bela, mesmo  que sua expressão não fosse tão amigável. Mas ultimamente, essa era a expressão de Emília.

 

Porém, não foi com bons olho que Emília viu o sorriso de tão bom humor. Suas suspeitas foram descartadas, mas apenas para virarem certezas. Ela quis desmontar aquele sorriso cínico com o peso de suas mãos, queria arrancar a pele de Bernardo com a unhas de tanta raiva que sentia. No entanto.. daria a chance dele ao menos se explicar ou dizer-lhe a verdade.

 

Ele se aproximou para beijá-la, ansioso para dar e receber todo carinho e prazer que  tanto sentia falta e só ela podia saciar. Havia semanas que Emília estava o “castigando”. Mas ela se afastou antes que os lábios se encontrassem. Não podia permitir qualquer toque antes de uma explicação plausível. Desfaleceria e seria ludibriada com toda certeza. Ela se levantou tão bruscamente  do sofá ao repelir o afeto que o assustou.

 

— Posso saber por que ficou preso no hospital até essa hora, Bernardo? - Ela perguntou sem muitas delongas, querendo pegá-lo na mentira. Os braços foram novamente cruzados na altura nos seios,  super na defensiva. Ela caçava os olhos do marido, não permitindo em momento nenhum que ele desviasse.

 

Bernardo a fitou intrigado, chegando a franzir o cenho, sem entender a reação da esposa. Ela fez as mesmas perguntas outras vezes, mas nunca tão contrariada. Se bem que pelo avançar das horas.. Sem perceber o tom dúbio na pergunta, optou por mentir. Não, ele não podia contar. Se ele contasse que jantou com a filha do Doutor Luis Carmosino, do jeito que Emília estava, lhe arrancaria o escalpo. Ok, exagerava. Mas nao esta noite, nao a queria ainda mais aborrecida e inflexível.



— As coisas de sempre, meu amor. Auditoria, estoque.. – Ele se aproximava, predador, o sorriso em seus lábios revelando suas maliciosas intenções.

 

— É, Bernardo? Tem certeza disso? Não ouse aproximar de mim.. quanta mentira… E se eu dissesse que você não passou a noite em merda de hospital nenhum? –

 

Os olhos que antes admiravam o corpo moldado sob tecido fino de cetim da camisola negra que ela usava, arregalaram-se ao ouvir tais palavras, recheadas de insinuações.

 

— Deixe-me explicar antes que sua mente neurótica comece a imaginar coisas erradas – O tom tranquilo e apaziguador de outrora se foi. Uma discussão por causa de ciúmes bobos de Emília não estava nos seus planos

 

— Sou toda ouvidos, meu querido – Ela enrijeceu ainda mais a postura, fuzilando-o com o olhar. Apesar da força aparente, sentia completamente destruída e fragilizada por dentro. Se ele já começou mentindo..

 

— Tudo bem, eu não estava no hospital, fui jantar com Lucrécia e.. –

 

— Ahh... Lucrécia? Quer dizer que você passou esse tempo todo com aquela senhora metida a adolescente que só sabe dar em cima de você? É isso mesmo que entendi? -

 

— Será que posso terminar, Emília? Porque se for tirar suas próprias conclusões, nem vou gastar o meu latim – Ele tentava não se alterar, não fazer daquela conversa boba e sem sentido uma discussão.

 

— E precisa? Pra mim é tudo bem óbvio –

 

— O que é óbvio para você, Emília? Acha que fui procurar na rua o que não estou conseguindo em casa com a minha própria esposa? Achei que já soubesse que não faço parte dessa categoria –

 

Ela apenas o fitou, assentindo em concordância, aquelas acusações ela não poderia contestar. Sentindo até mesmo humilhada, engolindo a desfeita, Emília praticamente marchou pela sala, passando bem longe de Bernado, mas não pode deixar de inebriar o lugar com seu perfume chanel madeimoselle, enquanto andava a passos duros que ecoavam pela saleta, enlouquecendo ainda mais o rapaz.

 

Sua esperança era chegar antes dele no quarto e se trancar.

 

A escada privada era mais estreita do que a escada principal, que majestosa adornava o hall de entrada, por isso foi fácil escapar de um confronto, pois seria praticamente impossível subirem lado a lado.

 

Sua felicidade por ter chegado primeiro ao quarto foi substituída por pânico quando descobriu que a chave não estava na fechadura. Estava sobre o criado mudo ao lado da cama, e correu, na vã esperança de apanhá-la a tempo e trancar a porta.

 

O estrondo atrás de si a fez saltar, consciente que aquela chave não servia mais para nada agora que ele estava dentro do quarto. Deixou a chave cair e olhou para ele, constatando que não haveria conversa.

 

Não mesmo!

 

Bernardo fazia força para se controlar. Esforçava-se além do que era capaz para não agarrar seu cabelo e beijá-la até arrancar de sua mente neurótica qualquer resquício de ciúme

 

—  Durma aqui – ele disse entre dentes, uma veia saltando em seu pescoço. – é melhor dormirmos separados essa noite.

 

Sua frase soou como uma explosão em sua mente. Ele queria dormir sozinho? Usava de seu deslize como desculpa para talvez, corresponder aos sorrisos e galanteios da daquela piranha? Cínico! Mentiroso! Verme!

 

Bernardo não chegou a dar um passo em direção a porta quando algo passou rente a sua cabeça e espatifou-se contra a parede, ao mesmo tempo em que ouvia os gritos:

 

— É ISSO QUE QUER NÃO É? –  

 

Virou-se para olha-la sem entender o que dizia

 

— VERME! – Emília apanhou outro enfeite e jogou com toda sua força nele, errando apenas porque ele foi mais rápido e se afastou – Ao menos agora tem uma desculpa para me deixar sozinha na cama. Não precisava ter estragado sua noite por minha culpa, esposo, dormisse com ela se é o que quer –



Achando que ela havia enlouquecido, Bernardo apenas saiu da frente, quando a bela escova de cabelos cruzou o ar em sua direção.

 

— CÍNICO! HIPÓCRITA! – pegando a primeira coisa que viu pela frente, Emília lançou o vasinho adornado por rosas coloridas, sem vê-lo espatifar-se contra a parede, espalhando água e flores pelo tapete caríssimo que adornava o quarto.

 

— EU NÃO SOU MULHER BASTANTE PRA  VOCÊ! QUER DORMIR SOZINHO? É CLARO QUE QUER! – frenética, agarrou um atiçador da lareira e apontou para ele, vendo-o parar e ficar imóvel, com a ponta pontiaguda em sua direção. – LUCRÉCIA CARMOSINO!

 

A essa altura, Emília não percebia as lágrimas que corriam de seus olhos, ou notava que estava aos berros, muito menos percebia que aquele atiçador entre eles era quase uma ameaça de morte.

 

— L.U.C.R.É.C.I.A – disse pausadamente, as imagens do corpo feminino entrosado ao dele sobre uma cama desestruturando sua mente – COMO EU TE ODEIO!

 

O atiçador era muito pesado, então jogou no chão, alcançando uma estatueta de porcelana que voou pelo quarto, acertando um espelho que balançou e quase caiu, mas não se espatifou por milagre.

 

Bernardo começara a entender a fúria de Emília. Ok que o jantar com Lucrécia a deixou aborrecida. Só que mais que isso, Emília estava frustrada, não só ele. Frustrada e insegura, exigindo atenção.

 

Emília estava descabelada, a camisola negra contrastando com as bochechas e olhos avermelhados.

 

— COMO PODE ME CRITICAR? ELA É SUA EX-NAMORADA. VOCÊ SEMPRE CADA VEZ MAIS TARDE EM CASA – Ela esbravejou, notando o estafo em que estavam e o desabafo que fizera – Eu te odeio. Eu te odeio tanto! – Era verdade, era a mais perfeita verdade!

 

Fora de si, reclusa em sua própria ira, não o viu se aproximar, mas quando notou, empurrou-o. Era estranho, porque o empurrava enquanto uma de suas mãos agarrava seu braço.

 

— EU TE ODEIO! –

 

Ele tentou segurá-la, mas não conseguiu. Emília avançou sobre ele, querendo no mínimo, arranhar todo aquele rosto debochado, mas sem saber como, acabou em seus braços.

 

Aquela mulher que avançou sobre seu corpo fez Bernardo perder o controle e erguê-la para cima com pressa, raiva e paixão. Segurou suas pernas em volta de sua cintura e a levou para a parede, grudando suas costas frágeis contra o papel de parede sofisticado.

 

Era um quarto dos sonhos, como uma princesa de contos de fadas merecia, mas Emília não era uma princesa, era uma bruxa.

 

Uma bruxa que gritava, esperneava e ameaçava acabar com seu juízo.

 

Uma bruxa que quase morreu de agonia e ansiedade quando ele tomou seus lábios para um beijo arrebatador.

 


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